**ISOLADO NA IMENSIDADE DO INFINITO** - Manoel Ferreira


As maneiras nobres, finas – características, aliás, em absoluto difíceis de serem encontradas e reconhecidas em nosso mundo – têm um tom conveniente e colorido, o que agrada sobremodo aos olhos, à sensibilidade, causando satisfação e prazer à alma e espírito, e, embora demonstrem, de quando em vez, os sensíveis efeitos que podem exercer sobre os homens, sobre os indivíduos, encontram um sem-número de ocasiões para amenizar e temperar as situações e circunstâncias através de atos de delicado assentimento e condescendência, embora estes termos sejam sinônimos, mas o desejo explícito é de enfatizar bem a idéia.
Um homem que não tenha tido sofrimentos, não tenha passado nenhuma desgraça, não tenha tido as mais variadas dificuldades, pode passar pela vida sem conhecer, pelo menos em si mesmo, qualquer coisa da possível compaixão, solidariedade, bondade do coração humano ou um suspiro da sua possível maleficência, arbitrariedade, gratuidade, enfim, de sua possível maldade.
Muitas pessoas pensam que alguns modos de me expressar são carregados de uma óbvia ironia, ademais tendo elas descoberto que tenho o hábito de negar para afirmar e afirmar para negar, muitas vezes não sabendo se posicionarem e interpretarem o que há de por trás deste hábito, e se recusam as mais das vezes conversar comigo, dirigir-me as atenções. Aliás, pensam que deveria eu assumir, enfim, o que penso e sinto, dizendo com todas as letras, ao invés de ficar encarapitado em cima do muro, uma expressão muito usada por elas, assim podendo elas endossar minhas opiniões ou simplesmente recusa-las como, além do mais, está bem visível nos bons costumes, nos figurinos mais sofisticados da sociedade e dos indivíduos em particular.
Interessante é que, se digo o que penso e sinto, há uma completa e absoluta insatisfação, os esgares faciais mais estranhos e evidentes, e, de imediato, os comentários atravessam a cidade de norte a sul, de leste a oeste, ser eu um indivíduo irreverente, intransigente, alguém que se pensa e se julga de nobres e finos conhecimentos, não passando de um retardado, bem este termo é muito forte, nem mesmo elas assim o dizem, mas um inconseqüente. Interessante porque demonstram nos olhares e nas faces o desejo de descer eu do muro, de definir os meus termos, e, se o faço, logo demonstram insatisfação, coisa que não entendo.
Bem provável que o desejo delas seja não que eu desça do muro, defina os termos, mas seja de maneiras nobres e finas com as atitudes de ironias e cinismos, com as atitudes de observação das mazelas, achaques, pitis, e outras cositas mais, dos homens. Continuo não entendendo por não ser eu quem use de uma linguagem chinfrim e reles, não demonstre vulgaridade, aliás, se o fizesse, deixaria de ser ironia e cinismo para ser um ataque ou agressividade.
Outras ainda, se não muito poucas, poucas, além disso, pensam que a seriedade de minha linguagem, de meus questionamentos, até mesmo dos meus olhares, são devidos a motivos e razões que as fazem sorrir, às vezes gargalhar, às vezes insinuarem um sorriso muito mal esboçado nos rostos, ou darem pouca importância ao que digo, ao que desejo conhecer e saber, ao que penso e sinto.
O engano da maioria das pessoas é pensar que é através dos ouvidos que há a comunicação com as verdadeiras intenções, com os mais profundos interesses da alma, com os abismos do espírito, e que, portanto, com algumas poucas palavras é já possível saber o que alguém está realmente desejando dizer. A verdade não é bem essa: é sob a reação da mente às informações apreendidas pelos ouvidos que o prazer ou o desprazer são construídos, e assim é que as pessoas diferem tanto em seus pontos de vista.
Parece-me que pela primeira vez me coloco à distância destas pessoas, cujo único interesse, no meu parco ponto de vista, lembrando-me que o ponto de vista é visto de um ponto, é que não as observe, deixe-as agir conforme lhes aprouver, use da língua e da linguagem como bem lhes apetece, com erros os mais crassos possíveis, com a nobreza de conhecimentos a mais sofisticada possível, com os comportamentos e ações mais inconseqüentes e arbitrários, com os hábitos e manias mais esplendorosos, coisas que os homens todos somos e representamos. Como se os tumultos, insatisfações, bochichos, a observação e a perspicácia dos olhares fossem suspensos, um prêmio para as imensidades do infinito, uma lembrancinha para as secretas chamas da alma, um descanso dos enigmas humanos.
No lugar de todas as ansiedades, de todas as angústias, desolações, frustrações, fracassos, uma calma reparadora, uma tranqüilidade que não parece fruto da inépcia e da inércia, mas do equilíbrio entre os paradoxos, entre os antagonismos; atividades infinitas, repousos infinitos.
Creio que com esta atitude de me colocar á distância destas pessoas, apenas olha-las de soslaio e esguelha, convoco as falsas testemunhas ao tribunal dos sonhos e das quimeras, para triunfo da inocência imolada. Confundo o perjúrio e revogo as sentenças dos juízes iníquos. Construo no caminho de luz nas trevas, com os materiais imaginários do cérebro, templos e tabernáculos que superam o esplendor de Babilônia. Evoco à luz do sol os rostos de belezas sepultadas há milênios, purificadas dos ultrajes da tumba.
Até mesmo com o sino da Catedral estou agora em paz: ele soa, suponho, da mesma maneira, nas horas de missa aos domingos, por ocasião da viagem de alguém para a eternidade.



Manoel Ferreira Neto.

(20 de fevereiro de 2016) 

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