*ÚLTIMO GOLPE AO ARTÍFICE DO UNIVERSO - REVISADO” (Escrito em 03 de abril de 2014) - Manoel Ferreira


Raça do queijo...
Esta palavra “raça” serve a tantos propósitos - dos mais vulgares aos mais divinos ou episcopais - que até os propósitos ficam estupidificados com a inteligência e gambiarras humanas, chegando até a ajoelhar-se aos pés da cruz, rezar o Credo e dizer: “Dê-me paciência para aguentar tantos interesses dos mais nobres aos perfeitamente espúrios. Eu que significo apenas “conjunto dos ascendentes e descendentes de uma mesma família”. E Deus não ouve “palavra raça” reclamando dos inúmeros sentidos que a raça humana lhe dá - estão vendo, leitores, tive de repetir a “raça” para enfatizar a verborréia” -, chegam as reclamações que ouve a todo instante do sofrimento e dor que são a morte, ir para o céu ou para o inferno - a humanidade, hoje, está ansiosa por outro conceito de "inferno", de "céu", os uni-versais ou pouco dizem ou não surtem mais quaisquer efeitos -, as dúvidas se realmente existem ou se são historietas de cônegos e monsenhores para enfatizar o paralelismo de todas as coisas da vida.
Se disser que a “raça” me causa calafrios, urticárias, perda dos instintos nobres, com certeza todos se voltarão contra mim, jogando-me pedras pelas ruas, afiando o riste das línguas nas esquinas, praças públicas, portas de botequins e lojas lotéricas, divulgando todas as catingas de caráter e personalidade que me habitam, incluindo as das aptidões inatas, tudo isso porque para todos estou a referir-me “raça humana”. Sou “bicho do mato”, isto é, não me relaciono com ninguém. Poderia até dar resposta bem na línguística do riste: “Não sou bicho do mato, tampouco anti-social; sim “anti-hipocrisia”. Melhor calar-me; caso contrário, serei encontrado nalgum terreno baldio com todas as raças de vermes a corroerem-me a carne carente dos desejos libidinosos.
Há a raça dos idôneos e probos de caráter, instinto e personalidade: são honestos, dignos, respeitadores, agem dentro de todos princípios, preceitos morais e éticos, pisam nos dormentes das linhas férreas como se estivessem pisando em ovos, mesmo sobre o risco de Maria-Fumaça picarem-lhes o corpo com as suas rodas de ferro, mas o céu estar-lhes-á garantidos, não devem favores a ninguém, só devem no açougue, armazém, lojas comerciais, no final do mês com o trabalho realizado honestamente será saudada a dívida. Ornamentam a idoneidade e probidade com todas as etiquetas de garfo e faca em todas as situações do quotidiano. Com efeito, não admitem ser considerados “raça de idôneos e probos”, julgam-se do “rebanho de idôneos e probos de caráter, instinto e personalidade”. Por favor, leitor, não seja tão curioso, pedindo-me exemplo desta raça ou rebanho de homens, porque citaria sem pestanejar ou trocar de camisa os vereadores de primeira instância, isto é, os que estão se candidatando às eleições pela primeira vez ou que estão entrando no gabinete na segunda-feira, após o banquete com os amigos e correligionários no Bistrô do João Sem Braço - o nome deste Bistrô não se refere ao tradicionalíssimo golpe do João sem Braço; sim porque o proprietário não tem o braço direito, nasceu sem ele. Para não engrandecer muito esta minha verborréia mouca, diria então os professores que ensinam aos seus discípulos todas as falcatruas e exceções da Última Flor do Lácio.
Há outra raça... Mas para ser condizente com suas virtudes há-de se acrescentar duas outras palavras, quais sejam “estirpe” e “laia”. Sem estas duas palavras acrescentadas à raça destes homens, seria o mesmo que faltarem a cebola e a pimenta no tempero da picanha - ai, deu água na boca: uma picanha bem gordurosa, arroz à grega, tutu de feijão, vinagrete de tomate, pepino, cebola! Teria um enfarto de tanto comer! Raça, estirpe e laia dos viperinos, canalhas, caguinchos, pulhas. São capazes de vender a mãe ao cafetão para aumentarem o orçamento das finanças. O rebanho desta raça, estirpe e laia cada dia aumenta mais. Conversando com um padre, disse-me ele que Deus está mesmo decidido a fechar a porta do céu, chegou o momento de refestelar-se até o Juízo Final. Estupidificado com a fala de Padre Teodorico Marmota, rasguei a palavra: “Mas, Padre Teodorico, não estão dizendo que o Papa está seriamente decidido a acabar com a luxúria do Vaticano? Toda a fortuna devidamente dividida irá diminuir, até acabar com a raça, estirpe e laia destes homens sem caráter, personalidade e sem instinto. O Capital é o craque da humanidade”. Pediu-me com toda a sua raça de padre idôneo e probo que me retirasse da igreja.
Claro que outra não seria a consequência devido às minhas palavras e considerações. Acabei com a “raça da Igreja”. Outro sentido da palavra “raça”, isto é, vomitar deliberadamente as podridões, não sobrando qualquer para o apocalipse da maledicência.
Retomemos, para finalizar, não com chave de ouro, porque isto é lá da poesia, especificamente do “soneto”, a raça proba e idônea. Professor Augusto Carnalhozza dissera em sua aula de Química aos discípulos que a reputação do queijo em Minas Gerais – a raça do queijo é a raça mineira – é inferior a uma nobre ambição política, e que a gratidão do estômago, posto seja ruidosa, é por extremo efêmera. Professor Augusto Canalhozza entende que lutar com o queijo dos mineiros e a compota de goiabada dos europeus não satisfaz a vida inteira de uma cidade, e que é tempo de lançar o cacete de Breno na balança dos seus destinos. Antes mesmo deste entendimento, há outro: despreza ele o estômago, desconhece-o, acha-o uma coisa sem préstimo, sem alcance, um verdadeiro trambolho. Esse órgão clássico da digestão – e haja classicismo para digerir tanto queijo ou tanta compota de goiabada – não merece que um Carnalhozza se ocupe com ele. No tempo em que Deus o criou podia ser útil. Deus estava atrasado; a criação ressentia-se de tal ou qual infância. Carnalhozza é o Descartes da filosofia digestiva.
Digerir queijo sem estômago. Desde que minha sobrinha me contou isso, fiquei a imaginar o dia que for possível pensar sem cérebro – neste dia o vinho digestivo cederá o passado ao vinho reflexivo, e teremos acabado a criação, porque estará dado o último golpe ao Artífice do Universo.



Manoel Ferreira Neto.
(14 de fevereiro de 2016)


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