**SILÉSIAS DE MIRÍADES DO IN-FINITO - II PARTE** - Manoel Ferreira


Devo confessar que muito me espanta isto de me referir freqüentemente ao silêncio, con-templo-o, vislumbro-o, se há coisas que não consigo em hipótese alguma esconder, as mágoas, ressentimentos, até me expondo a estarem à flor da pele, uma sombra constante nos caminhos até então per-corridos, e é disto que estou com urgência necessitado de não mais me referir ao que me aborrece sempre. Quero voar por terras distantes. Quero sentir a brisa do alvorecer quiçá sentado numa pedra na margem da estrada, fumando um cigarro olhando a distância com indiferença. Um vagabundo.
Se sou eu quem tira a água do fosso, também sou eu quem a bebe ou dá de beber a alguém sedento. Se sou eu quem está se referindo com constância ao que lhe aborrece, também sou eu quem ouve falas e comentários, dizeres e falácias. Aprendi de uma vez por todas que se todos concordam com algo, alimentam de leite e mamadeiras de mingau o que sorrelfam a verdade plena e absoluta, e sou eu o único que não concorda, melhor para mim próprio, posso estar quietinho no meu canto seduzido pelas silésias de miríades do infinito, imaginando o meu espírito performando eternidades liquídas.
Não endosso as opiniões de todos, e isto posso fazer sentindo-me livre e tranqüilo. Posso, com efeito, recusar o que todos aceitam com alegria, fazem da coisa o tesouro supremo do estar-no-mundo, sentem-se alegres e saltitantes, jamais olvidados, jamais danados pelas línguas de trapo. Não preciso de estrelas dependuradas no peito, não necessito de ornamentos, enfim compreendi que estilo não é questão de apenas arranjo, não careço de ostentações, linguagem não é questão de fluxos da alma que prescinde de si revelada, seja sentida nos interstícios do sensível. Também não peço que concordem comigo, não sou nada humilde para não afirmar que não estou a necessitar de concordâncias nem de regências para os verbos proscritos e prescritos, infinitivos hereges de fé e esperança. São meus, assumo-os no frio de todas as sepulturas, destas sepulturas de apelos tantos. Suspiros e perguntas gemem, afogam-se, consomem-se e lamentam-se dia e noite. Não me esqueço de ouvir a voluptuosidade que respiram esses queixumes, estas lamúrias, extasias que inspiram rogos e suspiros. Continuo recusando, e se duvidar sou capaz de recusar por todo o sempre, mesmo que seja eu o único a dizer isto e aquilo. Ouço as falas e comentários, mas não ponho fogo na palha, restará em cinza, não faço o vinho transbordar na taça de cristal. Recusei, recuso. Poderia muito bem haver aceite. Se houvesse aceite, estou tentado a dizer que nada teria se tornado possível. Afianço que nunca me senti culpado com uma decisão por mais absurda que tenha sido. Ao redor de tudo o que se diz e se escuta, a natureza brutal adorna-se com seus encantos adustos. Faço rebrilhar o cenário ad-verso que re-cobre a natureza e lanço os olhos de todas as línguas por entre as casas, por cima de todos os tetos, à distância na poeira das estradas.
Subindo um dos caminhos no flanco da montanha, o que vejo surgir em primeiro lugar são os grandes turbilhões de sol, o vento se alastrar, arejando a cidade desalinhada, dispersa pelos quatro cantos de uma paisagem montanhosa, e fundindo-se com ela. Tudo isso faz com que se eleve em direção ao caminho que segue o flanco da encosta um perfume de vida.
Muitas vezes chega a enfastiar-me o talento, o ver que também os vulgares e acadêmicos têm talento e de sobra. Tapo as narinas, atravesso com desalento todo o ontem e o hoje; na verdade, o ontem e o hoje empestam os vulgares da pena. A vida do cego decorre apoiada em um cajado, a náusea consome a vida, a angústia alimenta os volos do eterno, o nada sacraliza as palavras versais do In-finito. Com enorme dificuldade e com cautela o meu espírito sobe escadas, as esmolas da alegria foram a minha consolação.
Às vezes, deitado sobre a poltrona, tendo os pés cruzados em seu braço, digo comigo que a vida é um manancial de alegrias, mas onde quer que o populacho vá beber, todas as fontes encontram-se desde a eternidade envenenadas. Volvo as vistas para o fundo do poço; reflete-se do fundo o execrável sorriso.
Não sei precisar em mim o que me deixou assim tão deprimido, angustiado, tudo se me afigura sem sentido, não posso dizer, pensar, sentir o que estou querendo tanto. Não é medo ou simplesmente evitar um dissabor maior. Nada temo, sou eu quem o diz, creio que se deva desconfiar de quem dá atenção ao que estou dizendo, se nem mesmo eu dou atenção a coisa alguma, sigo o caminho como cumpre fazê-lo. Coitado daquele que se preocupa ou tem necessidade de descobrir algo de importante, se nada há de tão digno assim de atenção e observâncias.
Branda e doce como um amanhecer num bosque, nasce a inspiração. Invento o que deveria dizer. Re-presento o que haveria de ser. Os olhos fechados, entregue, digo baixinho palavras nascidas no instante, nunca antes ouvidas por alguém, ainda tenras da criação, ainda viçosas do orvalho das utopias. Palavras vindas de antes da linguagem, da fonte, da própria fonte originária. Sinto-me, no entanto, pleno como se tivesse sorvido um mundo inteiro.



Manoel Ferreira Neto.

(24 de fevereiro de 2016)

Comentários