**CAPOEIRA DOS SONHOS E PENSAMENTOS - REVISADO** - Manoel Ferreira


Agora como e levo muito a sério a salada de alface e a carne de frango, o refrigerante. Faço do prato objeto de alegria e regozijo. Abro a boca, procuro olhar para ver se há alguém a observar-me a comer. Coisa desagradável é estar sob os olhares de alguém, estando a comer. Há quem segure o garfo como se fosse uma enxada, mas isto é de sua natureza. Não come, capina a comida no prato.
Quer seja alto prazer, quer seja sublime ingenuidade, quem vive tão assim no presente, em busca de saciar a fome de conhecimento, e sabe apreciar o gosto de cada alimento, está acima de tudo e a vida nada consegue realizar contra ele, subestimar-lhe, negligenciar-lhe. Talvez não chegue a entender por inteiro a vida espiritual. Mas quanto ao resto, as tristezas, as angústias, os tédios, vazios, aos problemas pessoais, anseios e aspirações, dúvida não haja de que os compreende bem.
Um instante de reflexão, um tempo de penetrar em mim e indagar a parcela de culpa que me cabe nesta desestrutura e na violência que impera no mundo – difícil fazê-lo! Preocupam-me estas coisas. Teria algum sentido escrever ou pensar algo que não fosse humano? De nada valeria ter boas e saudáveis idéias.
Pudesse freqüentar um ridículo e nauseabundo salão onde se dança ao som de Blues, e mais ainda que pudesse exibir-me como dançarino perante indivíduos estranhos, sem ao menos saber como se move os pés para dançar. Confesso que rio sem qualquer pejo e me envergonho interiormente quando só, no quarto de estudos e leituras, punha um disco no aparelho e repetia os passos que observava os personagens de filmes ou novelas fazerem. Não havia qualquer originalidade, e creio que a ausência dela é que os tornava interessantes. Após ter adquirido a tão esperada originalidade, tudo perdeu o interesse, tudo se tornou bem insípido. Sem ela, as coisas parecem mais verdadeiras. Só que não consigo esta destreza, e tenho que a perseguir continuamente.
Santo Deus, estou aqui envolvido neste mundo que até então procurei evitar com tanto esmero, neste mundo tão desprezível de pessoas sibaritas, neste mundo tão rotineiro e polido das mesinhas de mármore, das etiquetas e movimento de mãos, da música de Jazz e Blues. Se ao menos fosse um jovem robusto, bonito e elegante, mas sou um enorme pateta, que não sabe dançar, a não ser a capoeira do pensamento e dos sonhos.
Mas mesmo assim é de minha intenção que alguém se apaixone por mim, mas não há pressa – enfim, sou mineiro, e este jamais tem a pressa, é lerdo, é lento, é devagar. Primeiro é necessário que me torne colega de alguém, duas pessoas que desejam ser amigas, porque nos conhecemos mutuamente. Por ora temos de aprender um com o outro e nos divertir juntos. Ensinarei a minha comédia, em retorno recebo as lições de como impressionar os presentes com os passos mais perfeitos do Jazz ou do Blues.
A música não depende de estar com razão, de ter um fino e requintado gosto ou erudição musical e o resto mais. É só observar os pares num salão de dança no instante em que a música re-torna a tocar após um intervalo demorado. É só observar como os olhos brilham, os pés se movem e os rostos começam de sorrir.
Restam os ossos no fundo do prato. Prato com resto de comida. Na infância, olhava com afinco os restos, causavam-me uma sensação estranha e esquisita. Embora a esquisitice estivesse em imaginar a comida no estômago, toda ela misturada. Aí sim é de sentir estranheza, quem sabe até vomitar para me sentir por inteiro livre da mistura no estômago. Os restos não ficavam misturados no prato.



Manoel Ferreira Neto.

(18 de fevereiro de 2016)

Comentários