/**NO LENÇO, LÁGRIMAS DE CROCODILO - REVISADO**/ - Manoel Ferreira


Bons dias!

... Vislumbro algo parecido à situação recente de Um, Dois da Silveira Meia Dúzia, ex-tenente da polícia militar, recentemente enfiado na política, por livre e espontânea vontade, em todos os nossos municípios da região. Para não gastar linha com um nome tão grande, tomo a liberdade de chamar-lhe Silveira Meia Dúzia, chamado pelos militares e pelos políticos de Dois da Meia Dúzia conseguiu, não a trancos e barrancos, reunir duas coisas inusitadas e excêntricas, para completar as raras e incompatíveis; deu-se ao tumulto e à goiabada. Ao passo que nós os comuns e mortais gastamos a semana inteira a recear alguma coisa para o amanhã de nossas vidas quotidianas, Silveira Meia Dúzia iniciou a sua trajetória de agitação na Quarta-feira Gorda última - gorda mesmo: saborei uma picanha muito gorda, uma delícia, regada a vinho de mercearia -, e fê-lo de um modo direto, sincero, franco, largo e agreste, como aquele prato feito com carne picada, ou camarão, peixe, etc., misturados com ovos mexidos, para fazer jus ao seu nome. Silveira Meia Dúzia disse com os seus peculiares botões que a reputação da ambição política é inferior à nobre goiabada, é que a gratidão do estômago desde que ainda está sendo mastigada, sendo-lhe sentida o gostinho delicioso, passando pela garganta, posto seja ruidosa, e por paradoxo fugaz, dura o espaço de meia dúzia de rodelas, menos que as compotas de pêssego de Dona Margaridinha, a doceira mais famosa de nossa comunidade. Silveira Meia Dúzia entendeu que lutar com a goiabada de Dona Margaridinha e a compota de pêssego de Florinda não satisfaz a vida inteira de uma comunidade, é que era tempo de lançar o cassetete de Adelso – o cabo mais violento que já houve em nossa comunidade, a lei dele era o cassetete no lombo - na balança dos destinos.
Reproduzo ipsis litteris as suas palavras, não significa dizer que entendi o que elas em verdade querem significar. Dizê-lo e atirar-se ao pleito eleitoral foi obra de um instantezinho de nada. Então começou uma troca de finezas extremamente louvável; capangas eleitorais austeros começaram a distribuir entre si os mais sólidos golpes de cassetete nos comedores de goiabadas no desjejum, almoço, lanche vespertino, jantar; e assim como o ex-tenente e recentemente político Silveira Meia Dúzia se fez ditador militar a troco de muitas repreensões do delegado Pinto da Silva por proteger alguns presos de sua simpatia com carne picada misturada com sardinha e ovos mexidos, cada um dos capangas eleitorais buscou doutorar os leitores admiradores da surrada goiabada de todos os dias na sobremesa de nossas famílias. Antes de mais, poder-se-ia acreditar que as mãos habituadas a remexer o açúcar nos tachos não chegariam a praticar uma ação tão demonstrativa; equívoco manifesto, porque nenhuma lei ou mandamento divino ou humano impede cuidar, com igual esmero e mérito, da gulodice e dos direitos do homem.
A interferência do colunista social Nero Cícero – amicíssimo do ex-tenente Silveira Meia Duzia, só falta a este comprar um colchonete e ir viver na redação do jornaleco do Nero Cícero -, segundo a sua crônica, é que se tornou um pouco enigmática a agitação eleitoral de Silveira Meia Dúzia. Isto é o que deliberadamente eu chamo de eufemismo deslavado – muito próprio dos colunistas, pois que devem, custando o que custar, agradar a gregos e troianos, a petistas e sociais democratas, para continuarem a trajetória dos aplausos e elogios di-versos, vivem de eufemismos, sem eles estarão condenados às bananadas do povão. Eu chamaria de muito misteriosa a sua agitação: por que os seus capangas eleitorais foram incentivados a distribuir cassetetadas nos comedores de goiabada? O colunista social Nero Cícero, se tem opiniões políticas, são singulares e peculiarmente cambiantes, mudáveis e indecisas, ora ele é defensor de unhas e caninos do embelezamento dos jardins públicos, ora ele é defensor de tombamento de prédios antigos, visto que nunca expôs as sua opiniões, visto que jamais explicou esta cambiância entre jardins públicos e tombamento de prédios antigos. Quanto ao fotógrafo do jornaleco de Nero Cícero, Taruço Silvestre, que, como os três, como se alguma vez houvesse conseguido um furo de fotografia de personalidade do métier artístico, só as fotografa com personalidades, abraçadas com os artistas cariocas e paulistanos, deu à suspensão do espetáculo dos capangas eleitorais de Silveira Meia Dúzia a única imagem militar-política capaz de identificar os despautérios e disparates de Silveira Meia Dúzia, nada mais. Não obstante esses antecedentes, a crônica deu-o a todos os três como açúcar e calda da mesma goiabada de opiniões contrárias. Verdade é que acrescentou serem invejas e despeitos as causas da agitação dos três, excluindo Taruço Silvestre, enfiando no tacho os capangas eleitorais; ninguém ignora que as crônicas de Nero Cícero são dadas as eufemismo, à antinomia, à simulação; divergência é o que ele quis dizer.
Felizmente, o temporal de pancadaria dos capangas eleitorais nos comedores de goiabada foi dissipado, já estavam amansados para as goiabadas da política misturadas às silveiras da ditadura militar de Silveira Mil Dúzia. Os partidos chegaram a acordo, era mister a aliança dos silveiras e dos goiabadas, nenhum resultado melhor para os interesses do poder e das vaidades que, depois de bom prato silveirístico, uma apetitosa goiabada, depois de uma lei contra a corrupção, uma emenda a favor do nepotismo na prefeitura sem concursos. Cada um dos partidos, das goiabadas, dos silveiras, resolveu ceder certo número de eleitores, alguns se tornariam goiabadas, outros silveiras, no frigir das claras e gemas, não se distinguiria quais eram goiabadas, quais eram silveiras, um perfeito equilíbrio de forças e interesses.
Cá em nosso município, nesta semana, após o tumulto das declarações públicas feitas pelo ex-tenente da política militar e agora político Silveira Meia Dúzia, não se ouve outra coisa senão que os silveiras estavam urgentemente necessitados de ornamentar seus prazeres com goiabadas apetitosas, deliciosas, e que os goiabadas não conheciam o sabor dos silveiras, era já tempo, nem só de silveira vive os políticos, nem só de goiabada vive o povão. Ouvir por todos os cantos e recantos da cidade só se falar em goiabada e silveira não tira o sono da gente sofrida e miserável, devido às preocupações de como será o dia de amanhã produzido e construído destes pratos, como andará a política, o que será feito e desfeito, acaba sim tirando o apetite, nem se pode ouvir em comida de sal e tempero, de doce em calda e compota, o estômago revira-se todo, preferível mesmo a fome.
Reuniões, sim, destes dois partidos, e de outros também, oposicionistas, inclusive o bananada, que é o mais tradicional nosso, cujas idéias são de pane et circenses, muitas festinhas por todos os recantos, reuniões noturnas, sucessivas e até simultâneas, enfim é preciso comungar bem os interesses dos goiabadas e dos silveiras, misturar com perfeição as leis e emendas para a execução da miscelânea ideológica seja bem divulgada e realizada. Naturalmente as de uns eram vigiadas por outros, tal qual como nos exércitos, que se espiam mutuamente, olham-se através dos buracos das fechaduras o que está sendo feito entre as quatro paredes. Há ardor, volúpia, êxtase; e, se nem todos os costumes da culinária militar e política agradam a gregos e troianos, a reformistas e conservadores dos apetites interesseiros, prazeres ideológicos, se nem todos os estômagos são capazes de digerir caldo bem açucarado de goiabada e azeite de sardinha e sal de ovos mexidos, antes esse ardor, essa volúpia, êxtase de mistura disparatada do que a verdadeira apatia por ambos.
Nesta semana tumultuada de goiabadas e silveiras, tantos bochichos, sussurros, exclamações exóticas, houve ânimos generosos que presumem sermos chegados a um tempo em que a política não poderia viver por mais tempo sem as goiabadas, os políticos sem os silveiras, eliminando assim as paixões do poder, as tesões das ideologias, como quem exclui dois peões do tabuleiro de xadrez. Belo sonho e deliciosa quimera. Que hajam goiabadas políticas em caldas apetitosas e compotas suculentas, sim; que haja silveiras militares com ovos de galinha caipira, peixes de rios de águas sujas; que os fenômenos sociais sejam sujeitos a menus especiais de como preparar os silveiras e os goiabadas, as leis da culinária sejam justas. Mas esta parte há sempre de ser sempre a ocupação de um grupo exclusivo, de ex-militares enfiados na política, de ex-políticos enfiados na polícia militar, superior ou alheio aos interesses e paixões dos pobre e miseráveis, do povo e da pova. Estas misturas de goiabadas e silveiras foram, são e hão de ser os elementos da luta quotidiana, porque são os fatores da existência da sociedade, isto é, equilibrar açúcar e sal. O contrário, seria presumir a possibilidade de convertê-las em academias para gourmets de fino gosto ou gabinetes de especialistas em provar os pratos, suprimir a parte sensível do homem – coisa que se tem de acontecer, não o será antes de meia dúzia de séculos ou milênios.
Vejo que o leitor já começa a balançar a cabeça com a minha habilidade de construir as idéias de modo que a boca começa a salivar de desejo de bom silveira e de uma apetitosa goiabada em cauda e compota. Prefere saber alguma coisa das chapas eleitorais que serão os pratos dos eleitores, saberem separar o doce do salgado, vice-versa, ou reunir ambos, e mudar os rumos políticos e militares de nossa comunidade. Dir-lhe-ei, leitor, somente que os operários apresentam os goiabadas como o melhor prato para a sobremesa da marmita à porta da fábrica, que os empresários apresentam os silveiras como o melhor prato para enganar o estômago antes do jantar com os amigos autoridades municipais, personalidades autônomas, declarando ambos que é indispensável renovar os apetites sociais e políticos.
Quanto ao programa, à plataforma de idéias e projetos, em si mesmos, parecem um tanto esquisitos, misturar doce com sal no mesmo prato é um despautério, disparate, sem limites, e é nada menos que naturalisssimo: é o sentimento dos apetites duvidosos. A casaca, por ser casaca, não faz nem mal nem bem. Durante toda essa semana de tumulto ocasionado pelo ex-tenente da polícia militar Silveira Mil Dúzia, os seus capangas, e ele próprio usaram casacas longas, bem engomadas; a culpa ou a virtude é dos corpos, e menos dos corpos que das almas.
O tumulto que Silveira Meia Dúzia provocou com sua declaração de a ambição política é inferior a uma nobre goiabada encontra-se um pouco amenizada, tudo o que é despautério, disparate tumultua no primeiro contato, mas depois que se conhece os seus interesses de mudança e transformação acalma, restando esperar o futuro para ver no que é que vai dar, qual será o resultado que trará.
Com efeito, se ele não havia conseguido ser tão famoso como tenente da polícia militar, com os seus pratos de silveira para servir os presos de seus afetos e simpatias, como político foi além, está imortalizado no nosso município como o político das goiabadas. Só temos a lhe cumprimentar por tão dignos e distintos méritos: ninguém em toda a nossa história jamais pensou que a goiabada seria a salvação do povo e da pova, os miseráveis e famintos, dos pobres e maltrapilhos.
Amenizou nada. Ouvi um tumulto, gritaria. Chego à janela de minha redação e vejo uma multidão em passeata com bandeiras, gritando: “Goiabadas para a prefeitura. Abaixo os bananadas”. Até quando, meu Deus, serei obrigado a suportar ouvir “goiabada”, “silveira”? Se eu tivesse condição de participar minha mudança para o Rio de Janeiro, iria só comer feijoada e como sobremesa uma deliciosa limonada, lá não tem o partido da feijoada e o partido da limonada.
Só me resta chorar e enxugar as lágrimas no meu lenço de linho.



Manoel Ferreira Neto.
(16 de fevereiro de 2016)


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