**MIRÍADES DO SUBLIME** - Manoel Ferreira


Nada e ser.
Mordiscam de luz as miríades do sublime. Espectros de imagens projetadas nos horizontes das contingências efêmeras e eternas, dialéticas do bem e do mal solsticiam o pleno de sombras, penumbras e brumas, contradições dos dogmas e verdades, e nos interstícios inconscientes dos desejos latentes taos de a-nunciações das verdades sublimam medos do inaudito, krishnas de re-velações do espírito são katharsis, katharsiam dúvidas e inseguranças da morte além solstícios da etern-idade, mesmo que isenta da redenção e ressurreição. O que importa isto de "redenção", "ressurreição"? A magia da vida é a contingência, embora todos os sofrimentos e dores.
Oásis ao longe pre-figuram o deserto da solidão, e olho ensimesmado nas fendas de uni-versos distantes as dores que projetei, dores por sentir o que penso, dores por pensar o que sinto, dizendo-as solene e pomposo - não fora Deus quem disse as verdades devem representar a dignidade do caráter, a honra do desejo da ressurreição? Não proseio circunspecto ou retrospectivo a vida quem sou, da coragem à ousadia faço do verbo a cintilância da estrela que guia na floresta da noite a vereda que leva ao panorama do vale aberto às visões das amplitudes do que sacia a sede da sabedoria e conhecimento.
Por vezes con-templo de soslaio alguma imagem que se me revela pretérita, imperfeita de esguelha, perfeita à intuição do que me fui, do que me re-presentei, do que nonsensiei.
Abstrato – o que é isto?, a pergunta a mim feita pela professora, enquanto olhava, sentindo um prazer indizível com um casal de pássaros de penas brancas ornamentadas de sombras suaves, através da janela da sala de aula. A pergunta fora repetida duas vezes. Ouvi a pergunta, contemplei o momento que alçaram vôo do fio de alta tensão, respondendo a pergunta da professora entre circunspecto e experienciando alegria sem limites: “O abstrato é o vôo dos pássaros. A vida são as asas se movimentando no ar”. Ah... como me lembra do silêncio que todos os colegas fizeram, os olhos da professora brilhavam. Tinha eu o quê? Tinha nove anos de idade. este
Naquele mesmo dia estava marcado horário com um dentista, e neste horário conversei com ele a respeito dos dois passarinhos. Era o assunto do momento. Perguntou-me o que eu pensava das coisas abstratas. Respondi-lhe que as coisas abstratas eram asas com que voávamos vida a fora, esperando ser um dia nossas verdades. Chamou-me filósofo, parabenizou-me junto aos íntimos pela inteligência e visão da vida. E eu que não sabia o que era ser filósofo. O dentista me disse ser filósofo era pensar a vida.
Não versejo iluminado ou inspirado nas contingências serenas projetadas no espelho das superfícies de angústias, melancolias, nostalgias, saudades, desesperos, o ser de mim que me é a vida, da esperança ao absoluto do espírito componho do verso e estrofes, poesia livre ou soneto, rimas, acordes, melodias e ritmos, a re-presentação do belo e da beleza, sonho do divino ao pálido crepúsculo de luzes dispersas no diáfano do silêncio que alumia a solidão do verbo, e na travessia de nonadas às sorrelfas do sentir-me quem in-vestiga no ser o tempo da consciência, no tempo a sensibilidade do ser, trans-elevo o olhar de linces da simplicidade do pensamento e idéias, do sentimento e ideais aos confins e arribas do oásis do deserto de minha solidão, esta que busco a quaisquer instantes de meus passos ao longo e extensão das sendas límpidas e nítidas do ego de meu “eu”.
Lembra-me numa aula de Literatura a professora falava a toda sensibilidade de Fernando Pessoa. Dirigiu-me a palavra, perguntando-me o que era ser “Nada”. Na infância a pergunta fora: “Abstrato – o que é isto?”, na juventude, por volta dos dezessete anos, a pergunta foi “Nada – o que é isto?” Nossa... quê pergunta! A vida era pura de realizações. A classe inteira olhou-me, centrou a atenção em mim, estava eu escrevendo no caderno: “Putzgrila... é a vida”. Não havia janela na sala de aula, a porta estava fechada. Não tinha como me inspirar para responder. Urgia a minha resposta. Respondi: “Ser nada é o princípio da vida. Ao longo dela se fazem os desejos do eterno.” Valeu-me um ponto a mais na minha nota mensal. A professora impertinou-se toda, olhos firmes, respiração comedida e começou a interpretar ainda mais profundamente o poema A TABACARIA, de Fernando Pessoa. Ao terminar a aula, estava saindo, quando de sua mesa, chamou-me, dizendo: “Sei que você gosta de escrever. Entregue-se às letras, será um grande escritor no futuro.” Respondi: “Hum... rum...” Olhou-me com os olhos do lince de ser eu quem sente profundo o litteris do verso e o ipsis do verbo, e por quarenta e um anos exatamente busco o verso do litteris, o verbo do ipsis.
A luz do verbo de quem sou aos raios numinosos do verbo de luz do ser de mim, em cujos interstícios desejo solene o mergulho profundo, abismático à busca da miríade do infinitivo do tempo, onde o silêncio solsticia a solidão, onde a solidão perscruta o deserto de todas as contingências, que gerundie a lareira de desejos e querências do sublime, do ingênuo, do inocente. Em mim, a angústia do vazio subjuntiva o tema do efêmero, instrospectivo nas bordas das nonadas de travessias do absoluto ao obtuso em que me encontro neste instante-limite de esquecer-me, des-memorizar-me das horas todas desde o espectro da luz do gênesis às perspectivas e ângulos da sombra do apocalipse, jamais-nunca da transcendência-contingente do verbo que desverbaliza o sujeito da etern-itude, nunca-jamais da contingência do sujeito que descarnaliza os dogmas dos ossos à sombra dos pecados da carne.



Manoel Ferreira Neto.
(25 de fevereiro de 2016)


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