**O ARMÁRIO, O PORÃO E O SOTÃO** - Manoel Ferreira


Dedico com amizade e reconhecimento esta obra à Mestra Rita Helena Neves.



Nas prateleiras da memória - versos versais trans-versam ritmos e melodias do soneto de imagens - e nos templos do armário - versos trans-versais versam acordes do poema um espírito racional não quer atingir.
O armário era sem chaves!... não foram perdidas, não foram escondidas. Era sem chaves o grande armário que guardava as minhas vestes limpas. Por vezes, olhava sua porta cinza sem chave! Era estranho aquele armário não ter chaves. Era esquisito observar a fechadura, o orifício por onde introduzir a chave, era um orifício virgem, permaneceria virgem por sempre. Sonhava muitas vezes com os mistérios adormecidos entre os flancos da madeira, mistérios insondáveis, mistérios inauditos, tão simplesmente mistérios. Como poderia lhes des-vendar? Era um armário sem chaves. Acreditava ouvir, de dentro da fechada fascinada, maravilhada, um barulho distante, vago e alegre murmúrio.
Deixei o armário. Nunca poderia saber o porquê não tinha chaves, era um armário sem chaves. Mergulhar nos mistérios adormecidos entre os falncos da madeira era quimera, era fantasia, sorrelfa deslavada.
Observava os poucos livros na estante ao lado de minha cama. Dormia observando os livros, o que lhe havia dentro, as palavras.
Como uma amizade, a palavra às vezes se enfuna, ao sabor do sonhador, na argola de uma sílaba.. As palavras - imagino-o frequentemente - são casas com porão e sótão. O sentido comum reside aquém do orifício da fechadura, reside no nível do solo, sempre perto do "comércio exterior", no mesmo nível de outrem, este alguém que passa e que nunca é um sonhador. Subir os degraus da escada na casa da palavra é, de degrau em degrau, abstrair. Descer ao porão é sonhar, é perder-se nos distante corredores de uma etimologia incerta, é procurar nas palavras tesouros inatingíveis. Subir e descer, nas próprias palavras, é a vida do escritor. Subir muito alto, descer muito baixo; é con-sentido ao escritor unir o terrestre ao aéreo, a contingência à transcendência, o Nada ao In-finito. Só o filósofo será condenado por seus semelhantes a viver sempre ao rés-do-chão.
Surpreendo-me a viver nas palavras, no interior de uma palavra, momentos íntimos.



Manoel Ferreira Neto.
(25 de fevereiro de 2016).


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