**FOME DA VIDA** - Manoel Ferreira


Será o amor que nos deixa, afasta-se de nós, ou nós que seguimos outras veredas, tomamos outra trilha? Sinto haver perdido um estado interior, não mais con-templado o orvalho cobrindo as folhas. Com meu conhecimento, faço luz em algo que se distanciou da vida. Acredito que esta ausência sensibilizou o sentimento. Tornou frágil o que era forte, tornou débil o que era sonho. Nós que vivemos neste tempo, nada mais con-templamos, nada mais templ-oramos. Se amar é de algum modo, estilo e linguagem de encantamento, nós, estancando esta veia, ficamos apenas com um braço a remar nas águas de mares e rios que logo nos cansarão, e será sine qua non abandonarmos o barco. Não me é mais possível, me não é dado mais, diante de um poema que re-vele, expresse candura e beleza, diante de uma prosa que manifeste a sabedoria da reflexão, sentir o In-finito do Ser. Acostumei-me ao feio, ao desprezível, ao insosso, ao nonsense. Não me re-corda a última vez que vi um pôr de sol, que andei na chuva cantando e saltitando, que acariciei o rostinho de uma criança, que lalaei para ela adormecer no meu colo, que abri a portinha da gaiola e libertei um pássaro, que andei descalço na poeira, no cascalho, na areia, que parei diante do mar, vislumbrando a lua cheia à distância, que fui até a lua navegando em mares de pó, que visitei de surpresa um amigo do peito que há muito não via, na mão um bouquet de flores... Estou assim, olhando para o passado, cobrando-me os versos que não escrevi, o que não fiz, mas também sem cor-agem para fazer, para retornar o curso da força...
Falta-me, neste momento da vida, um querer re-começar, um desejar re-nascer. Um deslumbramento que fascine cada célula, que faça o coração pulsar com alegres notas, ritmos, melodias, pulsando no ritmo de uma festa, de um banquete regado a vinho, trazendo no olhar a amizade refeita com a espiritualidade do verbo intransitivo de amar. O que encontro, o que descubro são cobranças empoeiradas, fazendo-me vítima de sentimentos implacavelmente angustiados, tristes.
Acho que estou morrendo de fome da vida.



Manoel Ferreira Neto.
(11 de fevereiro de 2016)


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