/**OLHOS PRESOS AO CHÃO - ODE AO CHIFRUDO - REVISADO**/ - Manoel Ferreira


Responder-vos-ei: há um sentimento de paz num chifre que nos é posto; felizmente, não foi o que houve comigo, jamais passei por esta trágica situação, e tenho consciência de que não me acontecerá, mas posso sentir a dor que seja uma situação neste nível, conheci alguns homens chifrudos. Sei o que digo. Não se sofre silenciosamente, não se sofre em silêncio, neste caso, é preciso ferir com chifres quem é o responsável por sua existência. Geme-se a dor de escolher o nada simplesmente porque os outros vão sempre ver realizados estes chifres.
Esses gemidos revelam e mostram a volúpia que é sofrer com um par de chifres bem dos lados da cabeça, não há quem possa dizer serem frutos de preconceitos, discriminações de uma sociedade moralista, ideológica, machista. Se os chifres não causassem nos homens um certo prazer, um gozo, um clímax, eles com certeza largariam mão de reclamar deles e sair dando chifradas em que é o responsável pela existência deles.
É uma imagem excelente, senhores. Vou desenvolvê-la. Mesmo que esteja me condenando à insatisfação, ao ódio, ao desprezo de todos, primeiro por estar acusando, difamando, uma atitude antiética sem limites, falta de princípios e valores; segundo, abrindo possibilidades para comentários escusos e imbecis, de estar me referindo a estes ou aqueles homens, estou-lhes expondo na vitrine dos estabelecimentos comerciais.
Os gemidos, que exprimem os homens engalhados, manifestam e revelam, primeiramente, a consciência sobremaneira humilhante da perfeita inutilidade de vossos sentimentos, vossas lembranças queridas e amadas de muitos momentos, vossas dores, sofrimentos, desejos, vossa honra e vossa dignidade, vossa sensibilidade do ponto de vista individual, social, comunitário, da espiritualidade, da natureza, sobre os quais raspais bem a garganta, escarrando, obviamente, mas que vos fazeis sofrer, agonizar, permanecendo desinteressados e impassíveis.
Significam também que vós compreendeis bem que o inimigo existe – ele é o responsável por conhecer os verdadeiros amigos -, ele é a adúltera da esposa, é a vossa dor que está aí, e com todos os Freuds, sois os escravos de vossas dores. Quando calhar, quando for de bom senso e tom, vossas dores irão cessar de atormentar, o tempo ajudar a cicatrizar as feridas; mas se foi decidido de outro modo, o aceitar e admitir que aconteceu no passado, se foi real ou não foi, se há algo de real ou não há, se houve amor ou se não houve, ainda far-vos-ão (nossa!... Pode ser que esta construção gramatical esteja errada: que palavra horrorosa!... Meu Deus!... Como se estivesse levando uma machadada na cabeça) sofrer durante um bom tempo, pelo resto da vida. Chifre é in-esquecível. Perdão, esquecimento não lhes fazem desaparecer da cabeça.
Quem está interessado em viver isso na carne e nos ossos? Se houver, encerro estas palavras com todo o prazer do mundo, consegui de maneira muito simples atingir os objetivos a que me propus.
E, se vós recusais e renunciais a vos submeter, e gritais impropérios, apesar de tudo, não resta outra alternativa de vos consolardes, é o que está sendo desejado e buscado, senão a de vos chifrardes, e também chifrardes a parede, juntamente com os punhos fechados, esmurrando o que se vos apresenta pela frente.
Pois bem, senhores!... Pensais, então, que não conheço bem a reação de cada um de vós diante dessas palavras, os impropérios de toda ordem que me são dirigidos, o que irá acontecer daqui para frente comigo? Ingênuos e inocentes que sois, senhores!... Sou, para vós, com toda a razão do mundo, não vos lha tirarei, viperino, um homem sem princípios, sem moral, sem ética.
São justamente estas chifradas e murros, essas ofensas sangrentas, essas picuinhas e mazelas, que se permite a não se sabe quem, não se sabe em que circunstâncias, são elas que despertam e suscitam esta sensação de prazer, que atinge por vezes o vosso engalhamento pela mulher, esta volúpia.
Digo-vos, senhores, sei lá o que vos digo, contemplai bem uma vez os gemidos de um homem culto, um intelectual do inicio do século XXI que sofre há quatro anos de um engalhamento, quando ele se põe a gemer de modo diferente do primeiro dia, de outro modo diferente do segundo dia, de outro modo diferente do terceiro dia..., isto é, não unicamente porque carrega os chifres na cabeça, não como um grosseiro caipira, mas um ser instruído, espiritualizado, que se entregou à contemplação, ao desejo de satisfazer sua necessidade de conhecimento, como homem quem busca a harmonia, a sin-cronia, sinfonia com todas as coisas, para usar uma linguagem estética.
Seus gemidos se fazem maus, irados, raivosos, sem limites e conseqüências. Seus gemidos não cessam jamais, nem de dia nem de noite, por todo o decurso e percurso da caminhada, serão ouvidos por todos os séculos e milênios. Ele mesmo, senhores, reconhece e assume, mui bien, que não lhe são úteis, de nenhuma utilidade.
Sabe que o público e a família diante dos quais esbraveja, debatendo-se com todas as armas que possui, não experimentam mais que decepção com suas reclamações, queixumes, não mais crêem nelas, e compreendem que quem poderia gemer de outro modo, num estilo mais sofisticado, mais humano e espiritual, simplesmente porque para viver com intensidade é necessário ter um Eu, mais simplesmente, senhores, sem todos os mugidos, sem todos os relinchos, urros, palavrões, pancadaria, até morte, dependendo da pedra, do muro, da muralha que é o outro, sem todas essas atitudes, e que ele exagera por egocentrismo, egoísmo, necessidade de todas as luzes da ribalta refletirem na cabeça engalhada, necessidade de mostrar ser ele um homem do início do século XXI.
Pois bem! É justamente esta consciência de que o instante de crise existir sempre, não adiantando os panos quentes que se puder colocar em cima, os véus que se colocar no rosto para cobri-la; o importante é como se transporta esse chifrudo do início do século XXI nessa crise em que jaz a volúpia, de que vos falo.
Ah, ah, ah!… Eu vos mostro quem não sou, e não o seria, mesmo que os inefáveis mistérios da criação houvessem sido descobertos. Desoriento-vos, enfio-vos uma terceira lâmina no ventre, impeço-vos, e toda família, de dormir em todo o lar, ouvir-se-á gemidos vindos de todos os cantos da casa, sabendo até quem está gemendo e de que está gemendo! Tanto melhor! Não durmais então! Convencei-vos de que tenho um par de chifres na cabeça.
Não sou mais para vós um homem que tenha satisfeito a mulher em todos os momentos, mesmo por safadice não há quem não busque a relação com outrem por buscar, no fundo busca algo que ainda não realizou.
Ninguém admite isso. Não seria de bom senso e tom discutirdes um pouco a respeito?!...



Manoel Ferreira Neto.
(10 de fevereiro de 2016)


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