TRANSPARÊNCIA CLARA DA LUZ - Manoel Ferreira

POST-SCRIPTUM:



Ivo Pereira não é diamantinense. É de uma cidadezinha perto de Uberaba, de cujo nome não me lembra, no Triângulo Mineiro. É músico.
Antônio Carlos Fernandes, Wander José da Conceição, Ivo Pereira e eu éramos considerados o Quarteto da Intelectualidade, cada um de nós quatro sofríamos as discriminações da sociedade diamantinense. Éramos perseguidos.
Houve uma tragédia com Ivo Pereira em 2005, que deixou marcas indeléveis em sua vida. Não posso revelar que tragédia fora por respeito e muita consideração ao meu grande amigo. Após a tragédia, pediu-me ele que escrevesse um Prefácio para o seu Site na Internet, mas recomendou-me que fosse leve no prefácio, não considerasse a nossa trajetória intelectual em Diamantina. O Site era de amplitude nacional e internacional na Internet. Orientou-me os passos que deveria considerar. Ouvi-o por consideração, escrevi conforme me pedira. O Site foi lançado, de início alcançara seu prestígios.
Se não me falta a memória, após dois anos da tragédia acontecida, Ivo Pereira participou mudança para sua terra-natal, no Triângulo Mineiro, e não mais tivemos o menor contacto.
Se ora estou republicando este texto, é por consideração ao amigo Ivo Pereira, e também por meus amigos e leitores terem o direito de conhecê-lo. Não o sendo, não republicaria, pois julgo este texto de uma Hipocrisia sem Limites, diante das considerações feitas à Diamantina e ao povo Diamantinense, sendo ódio congênito que nutro por Diamantina e os diamantinenses.



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TRANSPARÊNCIA CLARA DA LUZ



Agradecemos a IVO PEREIRA, músico-escritor-amigo, haver-nos gentilmente cedido este verso, tornando-se um título.



A obra de arte é objetivação da indagação do ente



De início, primeira linha, correspondendo à Introdução, surge num instantâneo, após o título, atitude ética, a epígrafe “A obra de arte é objetivação da indagação do ente”... Encontramos esta imagem que é a bússola de orientação, a imagem do horizonte a ser interiorizada e realizada, o que somos, o que temos de ser, o que há-de vir, tudo isto é suficiente para preencher os espaços vazios da vida, inundar as ausências sedentas de presença, e ocupar o íntimo esforço não no sentido de interpretar, mas de estar vivendo e experienciando o sonho e a utopia do encontro do Verbo Amar.
Diamantina é um admirável abismo cujos habitantes, vendo as próprias sombras se agitarem nas pedras da montanha, ruas, paredes das casas, consideram-na Gênese dos desejos e sonhos de artes que refletem a busca da liberdade; consideram as artes a realidade única onde os espíritos revelam e manifestam os íntimos à busca da identidade refletida na fugaz celebridade, notoriedade, que esta cidade concede.
Se, caminhando nas alamedas, becos, ruas, aprendemos que existe uma luz por trás de nós, esta luz é a sua História de lutas árduas pela liberdade e identidade do povo, conciliadas à utopia da harmonia e sintonia com os anseios dos homens, com o processo histórico; conciliadas às Artes, sejam as Plásticas, Literárias, a Música; aprendemos que não é necessário voltarmos à casa, encontramos acolhida e prazeres na entrega e contemplação destes ideais de felicidade, abandonando nossos vínculos, para encararmos Diamantina de frente, e que a nossa mais íntima tarefa, antes de morrer, de atingir a imortalidade, é a de buscar, desejar, aspirar, por entre todas as manifestações possíveis, a Transparência Clara da Luz, esta que se nos ofusca os olhos, mas nos desperta para a Verdade.
Cada artista vive à busca de uma verdade que seja a sua, consciente que é d“o artista ser a origem da obra”, d“a obra ser a origem do artista”, “nenhum é sem o outro”, servindo-nos das palavras do filósofo Martin Heidegger, desfaceladas para atenderem à estética, ao estilo, à beleza, à idéia.
Se possuir autêntico talento, lídimo dom, cada uma de suas obras o aproximará ou, ao menos, fa-lo-á conceber-se como unificação e integração, aquilo que o filósofo francês Gilles Deleuze chama de “unidade extensiva das artes”, e esta, sem dúvida, é o Dom musical. Se for medíocre, porém, cada uma de suas obras o afastará e, então, a imagem dispersar-se-á por toda parte, des-feita na Transparência Clara da Luz.
É verdade que os bons artistas, os bons e iluminados espíritos preocupam-se com a Imortalidade da Alma – sem a imortalidade da alma, o que é a Vida? Mas isso ocorre tão-só porque recusam a atmosfera que habita o mundo, impregnada de dores, sofrimentos, pré-conceito, repressão, violência, desrespeito, entregando-se à outra, a que os aproxima da verdade, antes de lhes ter esgotado o ar. Os bons espíritos preferem a poesia, pois diz ela respeito à Alma, os iluminados, a História, Filosofia, por dizerem as três respeito à Imortalidade. Percebe-se, com evidência, estarmos a jogar com as palavras. Em verdade, desejamos apenas consagrar uma poesia mais elevada: é na alegria e na esperança que os artistas diamantinenses preparam suas lições e, ao atingir o mais alto nível de exultação e exaltação, a carne se torna consciente de que a liberdade está próxima, torna-se Verbo, pois sente forte a dor das algemas, das correntes, e consagra sua comunhão com um mistério sagrado cujo símbolo é a História, as Artes e a Cultura. Diante do espetáculo de beleza das Serenatas, da Vesperata, é impossível não nos apegarmos à Música, não contemplarmos sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos, assim como nos obstinamos, aferramos à única felicidade esperada, que deve deleitar-nos, mas perecer de imediato.
Desde o fundo deste abismo magnífico, para o coração começa a volúpia para os homens desta terra, volúpia que se anuncia na atmosfera rarefeita do que é belo, a persuadirem-se de que se pode aliar a grandeza e a bondade através da sensibilidade, contemplação, intuição, inspiração, percepção, sensação, através da Criação.
Mas, neste abismo singular, cercado de serras, é que os habitantes sonham, para além delas, o horizonte, o universo em sua plenitude; é sensível àqueles capazes de nele viverem, de contemplarem as Águas Vivas da Felicidade na Transparência Clara da Luz. É conveniente, a fim de que melhor se possa sentir a presença e vitalidade da Música Diamantinense, assistir às apresentações de Serenata, às Vesperatas, os músicos nas sacadas das casas, o maestro embaixo, cercado de pessoas.
Tanto o espírito histórico quanto o artista diamantinense desejam re-fazer o mundo. Entretanto, o artista, por uma responsabilidade de sua natureza, conhece, de perto, as sementes que nela habitam, a fertilidade de suas imaginações, intuições, o que se lhe torna possível criar e estabelecer, recriar e instituir com palavras, as imagens, representações, sons e ritmos, a imagem nítida da Transparência Clara da Luz.
A liberdade que o povo diamantinense aprendeu a contemplar, através de manifestações artísticas e culturais, revela-se faculdade que corresponde à dimensão espiritual do ser-homem.
As artes diamantinenses ensejam experiência mais global da realidade, permitindo aos habitantes, turistas amantes de uma temporada, amantes por todo o sempre, que a Transparência Clara da Luz ilumine os caminhos de trevas, de escravos, e a nossa dimensão espiritual afague a contingente. “Essa é a experiência de transcendência fecunda, verdadeiramente humana”, nas palavras de Leonardo Boff, que os diamantinenses aprendem a cada passo, sabendo eles que “passo a passo cada passo é um passo”, nas palavras do Dr. Paulo César Carneiro Lopes, em direção à vocação humana, à felicidade, felicidade que se revela nas Artes.
O que é a felicidade senão a simples harmonia entre um ser e a sua própria existência? E que harmonia mais legítima pode unir o homem diamantinense à vida do que a dupla consciência de dons e talentos, de desejo de liberdade e de seu destino de imortalidade através da criação em sintonia com os sonhos e utopias? Graças a isso, aprende-se a considerar a vida a única verdade que nos é oferecida, é-nos legada à guisa do imenso soluço de poesia que inunda tudo, do coração que é capaz de intervir e ditar sua felicidade, aperfeiçoá-la, de oferecer ao espírito o terreno “propício para que ele tome consciência de si mesmo”, nas palavras de Hegel. A consciência artística diamantinense existe nas suas arquiteturas, ruas, igrejas, artes, cultura, espíritos sedentos de conhecimento, capazes de interferir e reclamar seus direitos e vocações, porque só em todos elas a História existe.
Será suficiente dizer o artista diamantinense resigna-se com bom humor a permitir que se espalhe pelas salas de representações musicais a imagem de si próprio da qual sabe ser digno. Encontra o povo diamantinense, amando ou criando, em suas paixões pela Música, Poesia, Pintura, Literatura, Filosofia, História a medida de todas as paixões e, por isso, sabe traduzir os Sonhos de Liberdade e Identidade.



Manoel Ferreira.


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