**À SOMBRA DA CASTANHEIRA** - Manoel Ferreira


Identifica-se a natureza. Calma, quieta.
Olhares inventamos para manifestar desgraças íntimas.
Outros para driblar e dissimular.
Havia o declive das avenidas
Favorecendo nossos passos comedidos.
O aclive para amortecer um pouco a prepotência.



Re-vela-se a manhã. Neblina embaciando a visão.
Sonhos, esperanças, inspirações re-criamos e criamos.
Estando os galhos inertes, o vento balança-lhes, dando harmonia às folhas verdes, molhadas pelo orvalho, engolfado de opacidade. O céu, com nuvens brancas de perto e, ao longe, no que é conseguido ver da montanha, algumas nuvens obscurecidas. Árvores impedem de saber se são contínuas. À janela – cabeça de fora, - não é verdade. Claras. Nítido nulo. Mudança irreal/real. Emoção sentida.



Dor incrustada no peito.
Somos uns tristes e desamparados.
Somos uns loucos e dispersos.
Dias de verão. Lugar em tédio deixado. De tudo, sentimento vivido. A renúncia encontrada em nós desta liberdade. Olhar de frente as coisas lineares renascidas nas veias oblíquas. Vem a imagem de que necessito retornar à sombra de uma árvore, a cabeça sobre sua raiz, e olhei para cima, um vazio sem limites, mas esta lembrança permaneceu em mim desde sempre, embora não tenha sentido ou intuído antes. Fazenda.
Era tarde, o sol queimava o corpo a qualquer toque, um calor infernal, fui lá eu sentar-me por baixo de uma árvore, para descansar à sua sombra, fora quando senti um vazio enorme, e quando desejei ter ao meu lado todos os homens, de qualquer credo ou raça.
A terra sugere levantar-se, o céu descer. O verão vai chocar guinchos cerimoniosos nas vertigens. Transcorre-se ambíguo.



Absurdo plúmbeo e clorificado.
Oscila entre sombras, tédio, obscurecimento.
O duplo transcorre-se.
Oscila entre o pessimismo, nostalgia, paz. Somos miséria, desgraça. A liberdade, luz estrídula: presente e futuro. Presente mesquinho, medíocre, vivido insuportavelmente. Não vislumbro nele senão um estranho e inexplicável mostruário de paixões e desejos reprimidos, de tradições e idéias maquinais, tudo mal misturado e ao acaso no rosto débil e lustroso de um homem que orça pelos trinta e oito anos, tão irresoluto e indeciso agora como o fora na mocidade.



Esquizofrenia, psicopatia, alienação mental. Menino louro, olhos azuis, rosto magro, quatro anos de idade. Olhos de sobrenatural demência. Aspecto de quem observa as coisas e não as vê. Lugar vazio. Mostram ali terem estado várias coisas. Tiradas e nunca devolvidas. Acusando-se por sinais visíveis, feitos à custa do tempo. Perdeu o contato direto com o mundo, este empreende viagem, além das retinas. Assistem a mulheres, encostadas à porta das lojas, esperando a vez de se entregarem. Defendem a sobrevivência – cama nua e crua. Fingem gozo. Não sentem o momento de tudo ter qualquer revelação e voltar ao normal. Se o tempo houvesse sido outro e não o que foi. Instantes sucedem-se e, sucedendo-se, param segundos.
É verdade sim que os homens desejamos viver alguns momentos que vivemos, mas com a visão-de-mundo que possuímos hoje, com certeza, descobriríamos verdades inestimáveis, e foram as que não sentimos. Sensibilidade não tem tempo, nem idade. Há experiências mais lúcidas. Sei-o Quanto o sei neste segundo em que não há palavras para definir o que quer que seja, e tão só penso e sinto, ou busco sentir. Os sentimentos... Tudo vem à tona, à superfície, após um reencontro com alguém a quem amamos e desejamos tudo, o mundo.
É muito fácil explicar os paradoxos, as contradições. Falo de duas coisas diferentes: por um lado, daquilo que a verdade estabelece, e por outro, daquilo que eu chego a saber por experiência pessoal. Certamente que não li em nenhum compêndio, embora naturalmente deve estar estabelecido aqui que o inocente deve ser absolvido, portanto, não se estabelece nela que se possa influir sobre os homens por meio de relações pessoais.
O menino não grita. Não chora. Chama por alguém. Ali, parado, olhando as coisas sem nada enxergar. Limita-se à posição estática, chupando o dedo. Não tem consciência de tudo estar emergindo e dando espaço a outras coisas que vão imergir até que nada haja. Ali, sozinho. Nada surge. Os acontecimentos estão diante dele a exigirem participação. Mostrando-lhe tudo. Atitude instantânea. Embora não o seja tanto. A demência não lhe permite. Levanta-se. Dirige-se à beira da lagoa. Próximo ao banco em que estava sentado. Tira a calcinha. Segura o sexo. Jorra água aos poucos. Tudo, parado. Observa a ação. A mãe olha. Pasmo e terror. Somos os únicos que presenciam. Nada diz.
Saio. Caminho. Nada para fazer. Rua da Consolação.
Com certeza, houve modificações, mas metamorfose alguma. Nada além que irresolução e indecisão. Que inventário maravilhoso!
O conhecimento da beleza incumbe-se em ir construindo-se. A afeição transbordante de calor. Passo pelo tempo, conhecendo. Não fora Sócrates quem disse, “Homem, conhece-te a ti mesmo...” A imortalidade viva e perspicaz de ternura. Se aqui, “ad absurdum”, o conhecimento da beleza torna-se ainda mais doloroso, uma empresa de longo fôlego. Se lá, “ad infinitum”, o conhecimento da beleza será apenas idéias de mim. Só eu sei o que isto significa. Estar à procura de uma realização, não sabendo onde se encontra: a ausência de compreensão e entendimento. É muito mais profundo.
Resta-me agora a tarefa mais difícil para mim, mas também a mais necessária: falar-vos brevemente a meu respeito sem pudor nem vergonha, a fim de dar consistência ao pouco que exponho aos senhores até agora. Porque vos poderia ter sido exposto por qualquer outra pessoa, mas, para adquirir um mínimo de valor, deve estar, por assim dizer, encarnado em uma experiência concreta vivida. Melhor dizendo, é preciso mostrar que foi “pago”, porque não foi gratuito, nem, muito menos substituível ou suplantável, ou seja, anônimo e anódino.
Se eu entendo, se eu com[preendo]. Se há na verdade com que idealizo? É a manhã que desvela tudo, exaustões e amores. Ignaros cochilam, encarcerados também. A terra afundada, a universalidade imagina destemor e volúpia. Único objeto, numa rocha de treva circulada de tudo, é este sítio que anuvia, vazio de seus mistérios. Amores, ódios não nos são ditos. Aliás, itens... Emudeceram vontades e histerias.
O arvoredo sombrio de além confunde-se na generalidade das trevas. E, no meio deste negrume universal, distingo apenas luzes disseminadas, que são convidadas. À distância, na superfície de tudo, há reflexos de fogo descorados, verdes, vermelhos, amarelos.
Não fosse o convite, assim tão rápido e compulsivo de atenção, desejando fazer as cenas, como seria este arvoredo sombrio de além? Estivesse sim diante de uma árvore e fosse tomado por estes pensamentos? Deva de ser mui lindo e charmoso!...



Manoel Ferreira Neto

(27 de agosto de 2016)

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