**ALVORECER: SER O SILÊNCIO DA SINFONIA** - Manoel Ferreira


Apanho da pena.
O homem, fora.
Fora das muralhas do exílio.
Tumbas a brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. Goles tirados a tempo curto removem possibilidades cuja força é ser efêmera. Sepultura íngreme cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos repostulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados. Sete palmos as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiuçam tentáculos. Medusa tece pedras cruas cujo olhar fundamenta o barro nu de nossas ansiedades.
Compreendo a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo. No entanto, constitui um impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.
No exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da ausência. É a mãe que está distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão umbilical não tinha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão umbilical haver sido cortado.
Descobrir a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.
Revelar a sensibilidade do espírito. Verbalizá-la na terra.
Ocultar as pectivas pers do subterrâneo da alma.
Angústias... Dádivas... Melodias.
Livres, seguem sentimentos e emoções por entre caminhos sinuosos, encontros e des-encontros. Ser livre está em questão, sem dialéticas, contradições, nonsenses, ser livre é nonsense, Não pensando que a liberdade vai revelar às claras mistérios e enigmas da alma, não expectativas disso e daquilo, mas a incólume certeza de que a etern-idade se real-iza quando o sonho e a esperança atingem o verbo das querências.
De jamais, sob re-flexos numinosos do tempo ad-jacente aos princípios caóticos seculares e milenares, na tentativa compulsiva de alcançar a imagem lúdica de trans-versais dimensões da verdade, no pálido crepúsculo dos ideais, deuses no jogo místico do mito entrelaçam os ases das mazelas e trepúdios, poquer de vipernidades, esplendem os coringas do não ser na noite orvalhada de notívagos sonhos de além, Zeus con-templa com sorriso amareliçado, comungado à esguelha do olhar, as inteligências plenas de re-cursos para o êxtase da glória.



Repercussão do despojado
Vaticinação da imaculabilidade
Na "vertente" da insubstancial-idade
Núncio de poemas
Na "vertente" de quimeras
De eloquências que superiorizam-se
O dia-a-dia de padecimentos e angústias
Super eminência de protótipos
Na "vertente" da querença
Que profere o espírito de inocência,
Inocência à cata do absoluto,
Diafanidade de lágrimas vítreas
A irromperem do manancial primitivo da bondade,
Verbo de estâncias
A enredarem de âmagos do sublime
A sensibilidade do tempo
Na contiguidade das fés
Casualidade de sonhos
Em designação do rigor
A nutrirem caprichos e fantasmagorias
Do afluir – a – ser de perspectivas e cosmos
Da sátira do Perfeito
Da comédia do Mais-que-Perfeito
Da tragicomédia do Gerúndio seduzido pelo Particípio.
Dos pretéritos, quais pontos sem nós, quais eiras sem beiras, quais rios sem magens, sem pressa, chamas ardentes de volúveis volúpias ascendendo desejos e vontades de, no verbo de defectivas id"ent"-idadesm residirem as essências eternas e efêmeras de leveza da alma por onde perpassarem, volutearem enigmas e mistérios, girarem na roda-viva de lendas, concebidas de rituais de crendices a fora as res das dúvidas e incertezas do nada aquém das náuseas ipsis, espendendo o silêncio solitário às antípodas do inaudito, aos auspícios do inteligível, aos cumes do desconhecido para refestelarem as singelezas e meiguices dos manque-d´êtres, ausências, falhas, faltas perdidos na psíque dos idílios e quimeras, des-virtuados no inconsciente sem margens, sem pressa de omitir, no cenário tragicômico da felicidade e desgraça, da real-ização e fracasso, da glória e decepção, a in-verdade de pura ab-solut-idade clamando aos interstícios da memória o ente que move os solstícios do orvalho da madrugada em cujos recônditos a coruja das divin-itudes, antes de alçar o vôo para o orfeu das notívagas esperanças de o alvorecer ser o silêncio da sinfonia, precedente, à solidão da rítmica música que flui as quatro estações do ser...
Caixões esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no fio oblíquo de fumaças. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura de cimento ressoa o silêncio.
O mundo é o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos. A liberdade é para não estar fora do mundo. Livre, cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Todas as possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.
A existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. A tristeza resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida tão agudamente e causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais.
Lembra-me isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria recordação mesmo. E deste termo tenho consciência do que intenciono dizer.
O absurdo maior não é morrer. Sedes esgalgam ventos a trancafiarem loucuras ensandecidas. À miséria e corrupção de últimas palavras cálices trancam cinzas processadas de carne humana. Tragédias e farsas de identidades enjaulam sons resvalados até ao derradeiro delírio. A língua ininteligível encarcera amores, mesquinhas infâmias. O outro prende da desconfiança mútua, do receio, da humilhação, a secreta perfídia.



Manoel Ferreira Neto
(Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2016)


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