#EXCESSO DO LOUCO, FAZENDO HORA EXTRA NO MUNDO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: FENOMENOLOGIA DA LOUCURA(POEMA FILOSÓFICO) ----

Epígrafe:

O sussurro fornica com todos os dons, talentos, para cacarejar liberdades.(M.F.S)

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Feto, a-e-i-o-u. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me redescobri-lo, despi-lo. Desestruturá-lo. Descentralizá-lo. Distribuí-lo. Entregá-lo.

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Estou um feto. Molhado por dentro e por fora. De dentro para fora. Esse branco.

Esse sol.

Esse reflexo.

Esse brilho nítido.

Esse eu.

Essa liberdade.

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Misturo. Tudo. Alhos e bugalhos. Pede "cana", tantos crimes cometidos, já devia estar enjaulado e "pé de cana", bebe até a alma e ainda passa a língua nos instintos para saborear o sabor de gole. Faço nada. Sensação. Portão. Plutão. Platão. Dostoiévski. Jung. Grade. Gogol.

Este muro já devia ter caído. Esta língua já está fazendo hora extra no mundo. Todos caem: muro e língua. Esse entre nós. Entre eu e eu.

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O excesso do louco reside no meu prazer, quiçá nas minhas comodidades. Mãos ecoam no movimento de dedos. Traço linhas gerais. Engulo a seco os sapos da vulgaridade nas palavras sem quaisquer nexos. Facas cortam o osso temporal. Espalham cinzas ao comprido de ausências. Sarapalham pós ao redor dos nãos de ócios de nada, Impregnado entendimento de sonhos esgotados.

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Idéia louca de ser lua cheia. Ou crescente. Ou não ser lua. Ou não ser nada. Não ser nada no oco de não ser. Apenas uma coisa de alguém. Que esquece em casa, joga no quarto de bugigangas, não mais existe, teria antes existido? Deixa na gaveta. Junto com as camisas cheirosas, aquele odor peculiar de desprezo além de todos os paradoxos. Sem ser dada ou tomada, emprestada ou roubada. Basta que de vez em quando abra a gaveta. Olhe-me. Olhemo-nos. Se nos reconhecemos, isto o que importa? Olhamo-nos. Diz isto muito.

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Só... O sudário verde e amarelo vem e corta-me pelo limite do grito. O sobretudo branco e azul some e resgata-me pelo absurdo da audição. Arde-me no corpo a angústia do exílio, queima-me. No sangue, a vertigem. Ser inteiro na consciência. Igual a mim e tão abandonado. A serpente da tarde ergue-se, insanamente, do fosso. Venenos noctívagos imergem, alegre e conscientemente, nas entranhas.

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Súbito, a frieza da solidão nos ossos. Na posse do apelo mudo. Na negligência da morte. Plana, rica. Imunda. De modo que o próprio desequilíbrio teria esquecimento daí. Ocorre-me que recuperaria o rosto e a expressão de inocente hipocrisia, ingênua aparência, a face dispersa na neblina do inverno. Se o impalpável brilho da areia esguinchasse o sono. Ansioso. Lamento. Clamor. A alternância egoísta reluz aos olhos estremunhados do peito. E ronda, no fim da noite, a estranha mão de fogo. "Na língua de fogo cuspida ao vento/Penso no tempo na vida nos cântaros/Nas têmporas de poesia franzida/No sabor das tâmaras agridoce/No frio e calor nas tampas jazidas", mão e língua adejam no espaço dos pensamentos e idéias des-miolados, nos ouvidos que auscultam músicas dispersas. "Son-oridade" de asas de pano. Entranhas chacoalham o vazio, o vazio deixa-se levar pelas entranhas chacoalhadas, sente-se perfeito vagabundo.

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Meto outro cigarro na boca. Palavras borbulham quentes. Debatem-se sobre tábuas ásperas. O móvel oscila um pouco. Enérgica distância do que há-de ser apagado em silêncios, em solidões. Inútil, a incompreensão excitada, desentendimento tresloucado.

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A noite cerra as pálpebras com um olhar morto. A interminável madrugada instaura-se – reconheço a sedução do pecado nominal, anômalo, regular e irregular, veniais as vertentes do sublime, capitais os vestígios do perene. Só e nu. Digo ao nu: "Vamo-nus, porém pelados". Nada de só mais, eu o nu entrelaçamos nossas mãos. Por dentro, o cancro da indiferença a comer-me. Sentar-me à beira da vida é o suicídio mais covarde, por manter a aparência de desejar existir, ser sensível. Deitar-me na calçada, por fora, os desejos deixados pelos transeuntes não é aceitar o que define e conceitua o "fora"...

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Ilusões imergem.

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Desvario passageiro, entre as mãos, reduzido ao destino que precede mal ao pescoço que o puxa sempre mais para baixo. Esgares sem palavras, vernáculos. Recorrem com zelo arrebatado a carniça dialética e a vontade dos carrascos, resguardam com desprezo aleatório o odor peculiar do paradoxo das intenções, nonsenses das inspirações, desvarios das percepções, devaneios do intelecto.

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O eco significa bastante. Indica que a humanidade se renega e os homens não podem sair nem atingir os limites. O sussurro fornica com todos os dons, talentos, para cacarejar liberdades.

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Olho um papel amassado no chão. Estou bem só, sozinho da Silva no bosque sob as luzes do entardecer, deambulando, perambulando à toa. Virado para o futuro. Não dou por mim que enxugo mal os sonos no ouvido. Enxergo mal ao longe. Miopia. Vejo coisas nubladas de perto. Astigmatismo. Às portas dos shopping centers, supermercados, restaurantes, nas rodovias, estradas, não sou nada, quero ser nada. Atiro navalhas aos fingimentos. Se me sentisse apenas feliz até ao absurdo e aos viscosos. Dúvidas. A descrença cobrir-me-ia de vergonha.

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Irrisórias in-verdades de instantes-limites do verbo de tempos pretéritos - angústias, tristezas, acompanhadas de insônia, embora sonemas, sonéticas ruminam nos instintos de outras utopias medos, inseguranças do porvir. O que era sonho tornou-se pesadelo, originando desespero, era outro e nem imaginava, quaisquer noções. Ad-verso aos preceitos, dogmas, princípios. Andar solitário por entre os homens, sem a carta de motorista, documentos do carro, nas condições psíquicas quotidianas, triviais de con-sentimento das idéias, pensamentos, valores e virtudes mundanos, à busca de quê, desejando o quê, esperança em quê, carece de rasgar as entranhas, espremer os miolos, para saber algo, por que algum indivíduo escolheria isto, em nome da liberdade de não ser ovelha de rebanho. Ah, se pudesse ser, nas mãos, só o símbolo da liberdade e da harmonia.

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O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso.



#RIO DE JANEIRO(RJ), 17 DE AGOSTO DE 2020, 13:51 a.m.#

 

 

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