#ESPELHO RETROVISOR DO NADA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: BALADA DE VIAGEM $$$

 

Sei cá palavrear de sóis! de mundos!

Mundos sem fundos, abismos sem mundos.

Toda a minha sabença é perder homens,

Toda a minha sapiência é "plantar maxixe" no deserto,

Todo o meu saber: "O ermo vento no campo

Traz a inteligência no bolso"

Toda a sabedoria que me reside profuso:

"Deixar-me livre para outras visões do oceano,

As águas me levarem às vozes do eterno..."

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Pedras rolam montanha abaixo,

Falsidades sobem picos e colinas,

Ventos sopram poeiras das estradas de terra a fora,

Hipocrisias sibilam na superfície do mundo.

Orvalho toca as folhas viçosas e vivas de rosas, samambaias

Farsas acariciam com ternura, amor a pele dos verbos do não-ser.

Banhistas curtem o sol escaldante, tomando geladinhas,

Mergulhando no mar.

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O candelabro à porta da Cabana X4 fazia parar toda a gente, tal era a lindeza das cores, parava, olhava, decidia por tomar um bom vinho. Mas a sensibilidade, a espiritualidade não existiam no interior da Cabana X4. O gerente não devia deixar essa gente frequentar o ambiente, não merecem a menor atenção, só veem o que lhes dizem respeito, causos ridículos, sem quaisquer fundamentos com os acontecimentos reais. Terminando o vinho, com um marca-páginas, fechei o livro, disse boa-noite, fui-me embora.

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Aquando Terpsícore dançava a canção do silêncio, a canção que o silêncio entoava no seu interior, tergiversei o olhar para o público, desejei perceber em suas fisionomias os sentimentos, prazeres, emoções, êxtases, que habitavam seus íntimos, nada percebendo, quem sabe estivessem apenas analisando a representação dos atores, e o que havia em suas entrelinhas, o questionamento de nossas dores mais íntimas, os sonhos e ideais que se encontram perdidos, esquecidos. O mais impressionante é que havia um grupo de adolescentes conversando, sem prestar a mínima atenção ao espetáculo.

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Sorri, dizendo-me que o medo e a fuga são sentinelas das idéias, dos sonhos, das utopias. Assim é que ouço a canção do silêncio, inspirado nestas sentinelas da estesia e esperança.

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Não acredito que as esperanças, utopias a que presenciei no íntimo, olhando através do vidro do carro em que retornava à minha residência, observando a paisagem, o panorama, lendo sinalizações da rodovia, sejam mais verdadeiros que a canção do silêncio que me habitou o mais profundo de mim, aliás, creio, foram eles que me conscientizaram ser verdadeira a canção que ouvia, que ainda ouço nesta manhã, quase onze horas, pós viagem para espairecer os pensamentos, arrepiar os ideais de outros dizeres, seivando as idéias a outros voos pela imensidão oceânica.

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Todo este ritmo, melodia, notas soam bem aos ouvidos dos meus ideais, sonhos, utopias. Tudo parece criado para os êxtases do espírito, da alma, da sensibilidade. Miro e remiro o quarto solitário, torno às consolações da esperança, à análise das notas, ritmo, melodia que me pedem que as viva com todo o furor de minha alma, de meu espírito, não me pedem mais nada.

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Em sintonia e harmonia com estes momentos curtos e profundos, ouvindo a canção que o silêncio entoa para mim, vivo com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-me a tudo. Faço parte do verdadeiro mundo e estranhamente tenho-me distanciado dos homens. Disseram-me peremptórios que deveria ser homem de condições financeiras elevadas para não me inteirar com os homens, de nada precisar deles, o que respondi: "Caráter e personalidade que me habitam não precisam de finanças para se sustentarem." Milagrosamente vivo, liberto de todas as lembranças, recordações. Todo o passado se esfumaça. E também o presente são névoas – a chuva que cai na cidade desde anteontem cessara, a tarde está neblinada. A única verdade torna-se esta canção que o silêncio entoa para mim. Todo o meu corpo e alma perdem os limites, misturam-se, fundem-se numa só estesia e esperança, suaves e lentas, movimentos vagos. É a renovação perfeita, a criação.

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O que foi, torna a ser. O que é, perde existência.

O palpável é nada. O nada assume essência.

O visível é vazio. O vazio artificia outros mundos,

As quimeras são inversas e reversas

Para re-colherem das contingências o húmus do Ser.

Inversas e reversas são as utopias que alimentam

Sonhos, fantasias...

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Neblinas cobrem os abismos, flanam sobre a água dos rios

Mentiras velam os medos da morte, a inconsciência da verdade

Fofocas garantem o sentimento de superioridade, poder,

Neve respinga suave no silvestre da floresta,

Simulações, dissimulações escondem as carências da alma,

Chuva cai molhando o solo, a grama dos campos e pampas,

Condutas de má-fé tecem raios numinosos de glórias,

Poderes, louvores,

A lareira de achas aquece o frio noctívago,

Ódios, ressentimentos, mágoas apagam as luzes do sublime,

Horizontes, uni-versos esplendem os brilhos do eterno,

Nonsenses sarapalham mistérios, enigmas do belo,

As paisagens do in-finito ornamentam os confins do perpétuo,

As telas vazias de arte e poesia re-fletem no espelho do nada

As páginas de letras apagadas, ciências ocultas,

Enobrecem, glorificam o descaso com o futuro da vida

Ritmos, melodias, acordes musicalizam o espírito da sensibilidade,

A lírica subjetiva a presença da ausência de ideais, esperanças,

As harmonias, sin-cronias, sin-tonias da verdade e da busca,

Do outro do verbo que diviniza as contingências e trans-cendências

A cegueira da visão nadifica e nihiliza o amanhã de outras utopias,

Pintores, músicos, compositores, estilistas, escritores, poetas,

Zuzu Angel cria no ateliê outro figurino da alta costura

Lúcio Cardoso, impossibilitado de escrever,

Desenha na tela as suas emoções e sentimentos,

João Ubaldo Ribeiro rasga os verbos:

"O escritor que não é polêmico, é um imbecil",

Machado de Assis,

Na sua mesinha na calçada do Boteco do Quinzinho,

Escreve o segundo volume das Memórias de Brás Cubas...

Projectam as constelações do "espírito de ser" atrás da lua,

Homens comuns jogam nas cartas o destino do poder

As mãos fabricam, tecem, fazem os objetos, utensílios

Os instintos dançam a coreografia das maledicências, imoralidades,

Moral, ética desenham na tela do vir-a-ser as dimensões

Da felicidade,

Da alegria,

Do contentamento

Dogmas, preceitos escrevem no mármore branco da cripta

O apocalipse das trevas, dos crepúsculos, das sombras, das brumas,

A coruja canta o saber, a sabedoria, a res cogitans

O sapo coaxa à beira da lagoa o ignaro, a sandice

A águia voa em direção ao in-finito, ao in-audito

O jegue empaca na travessia da ponte do Rio Grande,

Para a visão do panorama campesino

O boêmio dedilha as cordas do seu violão endeusando a amada,

O bêbado cata os cavacos nas alamedas, ruas, avenidas

Vociferando suas revoltas, incapacidades, incompetências,

Ruminando fracassos, frustrações,

A meretriz "planta maxixe" no terreiro de seu muquifo

Na rua José Bonifácio,

Os mestres ensinam as regências e concordâncias verbais

Os alunos conjugam os verbos com o pronome oblíquo,

"Mim sou o futuro do mundo"...

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#RIO DE JANEIRO(RJ), 19 DE AGOSTO DE 2020, 05:31 a.m.#

 

 

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