**VENCIDOS/VENCEDORES: EU E A RAZÃO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/TEXTO: Manoel Ferreira Neto


Por vezes busco com-preender, entender o porquê de a razão não aceitar, con-sentir as euforias, entusiasmos, exultações com revelar alegria e felicidade por definir e conceituar algo como expressão da beleza, do belo. A razão é exigente, prepotente, intransigente. Para ela, pinguela é pinguela, pinga na goela é pinga na goela, tomar uma coisa por outra e apologizá-la é atitude de tolo, é tolice de bobo. E quando ela canta a plenos pulmões no terreno baldio da alma, dizendo o definido e o conceituado não é o belo, não é a beleza, sinto-me lesado, negligenciado, e rumino altissonante, até fora do mundo sou ouvido: "Quem és tu, Terezinha? Tu não significas nada, apenas um grão de areia na praia arenosa. Só a sensibilidade pode dizer se algo é belo, se algo é a beleza, se algo é a beleza do belo. Seja humilde, aceite a sua pouquíssima significação." Solta ela aquela gargalhada estridente, dizendo: "Como é tolo!". Nada res-pondo: não sou homem que dê milho para bodes.
Quanta vez pensei em dialogarmos a respeito do conceito, definição do belo, da beleza, sendo ela a razão, sendo eu a sensibilidade, diálogo que se tornaria póstumo pelas posturas e condutas da busca da verdade, mas sempre desisti de fazê-lo, devido ao fato inconteste de suas intransigências, megalomanias, jamais admitiria certas perspectivas e pontos de vista, e poria em cena todas as verborréias racionais, intelectuais, lero-lero sem eiras e nem beiras. Assim não pode haver diálogo.
Nesta manhã, assim que acordei, deparei-me com uma palavra, de imediato dizendo: "Esta palavra é linda, deveria ser considerada uma das maravilhas do mundo". Título de um poema. A palavra é DEAMBULAR, o título do poema é DEAMBULANDO. Significa; VAGUEAR, PASSEAR. E a razão já gritou imperiosa: "Não é a palavra que é linda, você definiu como linda. Foi o poema que lhe tocou profundo!" Dei-lhe aquele sorriso amareliçado. O que a razão pensa ou deixa de pensar pouco se me dá. Aliás, muito antes de conhecer este poema, amei de paixão esta palavra, Definia com esplendor e excelência, digamos assim, as características de minha existência, sempre vagueando, passeando à busca da verdade. E desde então tornei esta palavra "Lema" de minha existência.
A palavra tornou-se a expressão máxima do belo e da beleza para mim, quando, no poema, o tema é o passeio, o vaguear no tudo e no nada, aspirando, desejando, sonhando a plenitude. Há coisa mais linda, mais maravilhosa que ambicionar chegar ao pleno, nisto de passear no tudo e no nada, sabendo, de antemão às revezes, que se mergulha no nada? Aí está a expressão da sensibilidade: mergulha-se no nada, mas o passeio, o vaguear, o deambular continua irreversívelmente. A razão depôs a sua prepotência, ser ela a última palavra da verdade, e entra em cena a sensibilidade, Rumo ao pleno é a sensibilidade que revela, manifesta, mostra as sendas e os caminhos. Jamais a estagnação pres-ent-ificar-se-á. Sempre deambulando estará a sensibilidade.
A palavra foi-me linda, expressão do belo e da beleza, desde o nosso encontro, tornando-a lema, o poema veio pres-ent-ificar, esclarecer o que é isto - deambular no tudo e no nada à busca do pleno.
A razão re-colheu-se no seu cantinho, creio estar re-fletindo, não nas suas intransigências, orgulhos, vaidades, pernosticidade, mas no fato inconteste de ter de tirar o chapéu diante de mim, sou osso duro de roer, vencer-me é preciso muita lábia, não só faço da palavra o que quero e desejo, faço de meus sonhos a minha entrega ao deambular no mundo à busca da Verdade.



(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE DEZEMBRO DE 2016)


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