**NO VAZIO DO SILÊNCIO DERRADEIRA CONSTATAÇÃO** TÍTULO E ESCULTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto



O mundo, senhores, está envenenado de infelicidades, parecendo comprazer-se nisso. Está todo ele entregue ao espírito lerdo. Não devemos dar nenhum apoio a tal sentimento. É inútil lamentar-vos sobre o espírito, basta trabalhar para ele.
Certamente, não se pode relinchar assim e fazer tais confissões senão uma vez na vida, nos seus derradeiros momentos, por exemplo, ao subir-se no cadafalso. Mas isto convinha precisamente ao caráter da prostituta. Era bem a mesma mulher impetuosa que havia corrido à casa de um jovem libertino para salvar seu pai; a mesma que, havia pouco, altiva e casta, sacrificara publicamente seu pudor virginal contando “a nobre ação do amante”, com o único objetivo de amenizar a sorte que o esperava. E agora se sacrificava igualmente, mas por um outro, tendo talvez, naquele instante, somente, sentido pela primeira vez quanto aquele outro lhe era querido. Sacrificava-se por ele no seu terror, imaginando de súbito que ele se perdia com o seu depoimento, que havia matado em lugar do irmão, sacrificava-se a fim de salva-lo, a ele e à sua reputação.
A suntuosidade do esplêndido ápice do prazer a manifestar os espectros eternos e perenes da ternura, tornando o viver um simples ato de credulidade. A formosura cristalina do sentir a presença do clímax imortal a revelar as suas plenas imagens de júbilo, os seus dons de perseverança. A pomposidade efêmera do gozo de sensações da contingência a derramar os risos solenes da esperança, os escárnios polidos da espera, a ironia nobre da intuição. Nobre desejo de sentir as profundezas do coração, em seu segundo mais sublime, ascendendo ao mais longínquo cume da paz o sentimento nítido do alvorecer para o viver. O homem re-cria para dar sentido ao seu instante-já, enquanto Deus cria para se orgulhar de quem re-cria para intuir a Verdade da Vida.
Digna vontade essa de lançar-se nítido e consciente ao fundo de prazeres reais. A fugacidade do olhar inscrita nas atitudes sérias e sinceras faz-lhe recrudescer o sonho de futuro. Sente permanecer num sítio de si e, através de sua percepção e veracidade, envia à superfície as sensações buriladas e polidas.
A emoção é o cristal onde se espelha toda a beleza, todo o esplendor, maravilha e inutilidade do mundo. As flores de seu carinho são aparições fugidias. De sorte que a consciência delas serem apenas aparições fugidias. As palavras sinceras e verdadeiras, humanas e profundas,
são as flores de amor profundo, sujeito à ardente inspiração de um peito mais aconchegante. No vazio do silêncio, destaca-se o respirar cadenciado de um velho.
A carne do mundo abre uma fissura, um corte de gordura, sebo, de gelatina e manteiga, o sangue jorra quente e espumoso. Redescobre a luz dourada que brilha e reluz suave, meiga, serena sobre os altares do nada no fundo da penumbra. Re-acha o brilho cinzento que reluz e brilha dócil, incandescente no mistério do cenário do cheiro frio de lama, quente da poeira e do vazio que reina e impera sob as arcadas sombrias do mundo, visto através da retina dos olhos. A eternidade invadida por uma tenra e pueril melodia do silêncio, da inexistência completa e absoluta do som.


(*RIO DE JANEIRO*, 09 de dezembro de 2016)

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