**PARADOXOS QUE SE COM-PLETAM** - TÍTULO E ESCULTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto


Os deliciosos riachos, salvos dos devaneios esquecidos num canto – recebem a confidência daquilo que carrego de mais humilde, de mais ignorado, no fundo de mim mesmo -, penetrando na alma das coisas que fizeram a alma desta minha casa interior.
Nas águas de um rio sem margem? Águas que se deslizam em alegrias, felicidades, cristalizam Sou em caminhos sinuosos horas que soube viver na minha perversidade, nos redutos polvilhados de nostalgia, escapadas dos tortuosos, retos, dolorosos, em declive contínuo, águas não sobem montanhas ou serras ou mesmo pequenas subidas ou grandes que temos de caminhar nelas em nosso quotidiano pela cidade, as águas que seguem o seu itinerário. Quem já não viu em alguns rios em que neles já esteve a longitude de nosso olhar ao seguir em realizações, tristezas, em saudades, em nostalgias, em sonhos, sonhos que há no amor, na entrega. Pode-se fugir delas sem esperança de retorno, mas a curva amada tem os poderes das origens: é um apelo ao conhecimento e ao sonho de entendimento e abertura.
São olhos, mas não vêem, porque estão na luz. É tudo, em mim e à volta, tão obscuro!... Há muito tempo que pensava em esclarecer o que há de tão in-inteligível a olhos nus, desejava enxergar através de meu pinceneurfs, se não me engano quanto à pronúncia deste termo. E talvez mesmo, já que a hora é propícia a con-fidências e con-fissões, me digne a res-ponder a esta pergunta: “Por que, no de-curso destes anos todos, não usei de minha inteligência para dissipar as trevas, para me libertar espiritual e intelectualmente?” Oh, não é a qualidade de minha alma que está em causa. A minha profundidade é in-alcançável, mas fulgurante de segredos e gargalhadas, de mistérios e ouros, de enigmas e risos, sobretudo da certeza de que sofrimentos e dores são a pedra angular da busca da majestade do crepúsculo, são o que engrandece a alma e o espírito humano, são a nossa redenção, ressurreição. Sem eles, tudo é um vazio sem eiras, sem beiras.
O verdadeiro conhecimento não se descreve; sente-se, e sente-se tanto melhor quanto menos se pode descrever, porque ele não resulta dum conjunto de fatos, mas de um estado permanente.
A princípio, e apesar de todos os absurdos, asnices, um esplendoroso festival de paradoxos, impossíveis, sinto-me defraudado. Antes me havia questionado, até ameaçando os instintos frios de uns bons petelecos, se não me legassem o direito de saber porque são tão poucos os homens que conseguem viver por um ideal. Agora, mortinho da silva, percebo que todos os homens são capazes de morrer por um ideal. Mas não por um ideal seu, livremente escolhido, mas por um ideal comum e transmitido. Creio já haver relinchado isto, e jamais poderei saber se o dissera antes ou depois de minha morte, a eternidade vai muito longe.
As mãos desenham uma nuvem, um barco aberto ao céu por sobre as florestas, um nome que o silêncio e as paredes me destinam uma estranha casa que se mantém na minha voz e que o vento habita. Sigo a vereda sob um véu de chuva, a casa parece elevar-se por sobre a gaze mais transparente, uma gaze tecida num alento que tinha expirado. Vocação de felicidade, longe de ser nociva à vida prática, alimenta-lhe os atos.
Antes que a chama dourada possa arder com um brilho firme, deve a lâmpada estar guardada num lugar livre de toda a aragem. Exposta à brisa volúvel, a chama tremerá, e, tremendo, lançara sombras enganosas, negras, e sempre variantes, sobre o sacrário branco da Alma.



(*RIO DE JANEIRO*, 08 de dezembro de 2016)


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