**QUIMERAS DA ALMA** - Título e Pintura: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto


Enquanto espero que me apresentem, ofereçam de coração e espírito, recuso-me a tomar uma estrebaria por um palácio de cristal. Isto até por bom senso: a estrebaria é estrebaria, palácio de cristal é palácio de cristal, a menos que esteja afastado de minhas faculdades mentais, seja insano.
É sim possível que o palácio de cristal não seja senão um mito, as leis do ponto e natureza não o admitam e que eu o tenha inventado, criado, para satisfazer os desejos de pilhéria e cinismo deslavado, impelido por certos hábitos inconscientes e irracionais da geração, não creio os tenha trazido de outras.
O que importaria, aqui e agora, que o castelo de cristal seja inadmissível, ininteligível? Que me importa, pois que ele existe nos meus desejos – construindo ou não construindo, em verdade -, ou, ainda para ser mais profundo, mergulhar na semente de mamona, pois que o castelo de cristal existe tanto quanto existem meus desejos?
Se me apresentarem meios e estilos de o construir, se me oferecerem as oportunidades reais e concretas de fazê-lo, agradecerei a todos e oferecerei as mãos para o sacrifício, sentir-me-ei feliz e realizado, construí o castelo de cristal de meus desejos.
Penso e imagino que os vivos estejam caindo na gargalhada pela pilhéria sem limites, numa linguagem e estilo clássicos, eruditos. “Ride até mais não podeis. Ofereço-me a interromper por alguns segundos até que possais continuar a ouvir-me. Ride tanto quanto vos faça felizes”. Não me sentirei responsável quando o riso cessar, revelar-se o choro, manifestar-se a angústia ou depressão.
Se me desnudo diante de vós, apresento-me a vós com estes e aqueles desvios de toda ordem e qualidade, ofereço-me numa taça de cristal para saborear-me num “à nossa”, aceitarei todas as pilhérias, admitirei todas as zombarias, recusar-me-ei, contudo, a declarar-me saciado das fomes milenares, sedes seculares, quando ainda tenho fome e sede; não me contentarei com uma responsabilidade, com um zero cada vez mais inclinando para a esquerda, renovando-se indefinidamente, pela única e exclusivíssima razão de que está conforme as leis da diplomacia, estratégia, os bons princípios.




(*RIO DE JANEIRO*, 07 de dezembro de 2016)


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