**PAIXÕES SOBREPUJAM A VOZ DA IMAGINAÇÃO "SONHOS/UTOPIAS"** - Manoel Ferreira


O amor, arrepia-me os pelos ao longo da medula espinhal, só eles se arrepiam, tratando de relinchar a respeito do amor... O amor faz tudo parecer real, dizia alguém, filosofando, parceiros de xadrez, todos de fraque, bem penteados, toque de perfume francês, rosa na lapela, donos de seus narizes, o que era merecedor de muitos relinchos. Na espiga de milho, o amor é um negócio complicado.
Conheço a arte da conversação mundana, essa arte que consiste em parecer perfeitamente simples e sincero e em manifestar ao mesmo tempo, pelo próprio aspecto, devo isto relinchar com ênfase, que se considera o auditório também perfeitamente simples e sincero. Aquando é preciso, represento muito bem o papel de asno alegre e feliz com a minha natureza animal, melhor dizendo ásnica natureza.
Se é que se pode acreditar – e quem duvidar é suficiente consultar o dicionário; única letra, se se quiser, fonema, em qualquer posição, muda o sentido – seja possível saber única solidão é não ser perspicaz de definir emoções a perpassarem a alma, desejos de expressão, definição das idéias, sei como hei de chamar a esta tarde, sei como hei de dar-lhe pouco de poesia, declarar a vida, lastimar não haver intuído os sentimentos em flor que me tomam.
A única solidão que se pode crer exista, deixando a língua inerte, secura nos lábios, silêncio da garganta, é quando a arte de traduzir os sonhos se torna insípida, o mais impossível de combinar imaginações e utopias, lágrimas fáceis e silenciosas.
Inicia-se, nos mistérios da paixão, alma virgem, nova, dando ao coração algo da volúpia da inveja e voluptuosidade da compaixão. É verdade, há ocasiões em que parece enorme tristeza irá tomar-me, assim a preocupação fundamental é cuidar das revelações de presença, saber e conhecer o sentido misterioso e esquisito que irá estabelecer no íntimo, e daí a quase nada penso justamente o contrário, o in-verso; penso vou receber notícias das mais prazerosas e que irá tornar-me homem feliz, e fico alegre como um pintassilgo, quando, logo pela manhã, não importando ser inverno, primavera ou outono, entoa canto maravilhoso. Coisas de homem que, em primeva instância, está conhecendo primeira paixão.
Apreciara por tocar num assunto polêmico e complexo: a oportunidade; há quem não sabe agir com ela. Surgiu; mesmo não sendo a esperada é aconselhável colhê-la, pode ser a ponte para chegar à esperada ou a outras que trazem muito mais frutos do que a esperada. Não se deve perder o que surge, pode ser que outra não haja. Pode-se ter deixado a felicidade passar por entre os dedos da mão esquerda.
“Quem espera sempre alcança!...”, não é este o adágio que se ouve, que se justifica diante das impossibilidades, com que se foge diante dos medos e sentimentos de fracasso? Sim. É preciso esperar algo lutando pela sua realização, caso contrário esta espera não passará de uma preguiça de desejos e vontades, isto é, anunciam-se nos passos de bicho-preguiça no mundo. Na vida, a coisa não aconteceu, é sempre esperada. Esperar é criar possibilidades de as coisas se anunciarem, e na espera contínua e buscada a vida se revelando nos seus pormenores e detalhes...
Tenho os olhos no horizonte onde as cores do crepúsculo esmorecem de imediato. Contemplo este crepúsculo com inveja e pouco de ciúme por revelar com simplicidade a beleza e resplendor e, muitas vezes, não sou capaz de ao menos sentir o simples de uma palavra e gesto.
Compreendo os primeiros sobressaltos desse coração em flor, não forçando a mão “desse coração na idade da flor”, e digo a mim haver sensações e emoções o tempo leva para não devolver mais, o inverno sobreleva nos caminhos de luz nas trevas, o in-verso sobrepuja na voz da imaginação.
Penso o amor verdadeiro, ou, ao menos, o melhor, é o que não vê nada ao redor de si, enxerga nada a distância mínima, o que não pensa, o que não lembra de instante de outrora ou de ontem, e caminha resoluto e feliz aonde o leva vontades simples, sonhos e utopias ingênuos. Para que serve a língua sirigaita.



(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE DEZEMBRO DE 2016)


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