**REVOLTA DO QUADRÚPEDE INVERTIDO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto


Como é delicioso, como é repousante abrigar-me das tempestades nebulosas, das vicissitudes, dos dissabores da vida, embora apenas por alguns instantes fugazes, e passar estes instantes, por mais efêmeros e rápidos que sejam no delicioso, abençoado convívio de um ser cujo franzir de sobrancelhas seria a morte, cuja frieza, a loucura, cuja falsidade, a ruína, cuja farsa, o fracasso, cuja hipocrisia, a insensatez, cuja constância, a ventura, e cuja afeição, a recompensa mais brilhante e elevada que os Céus todos pudessem outorgar a um asno!
Relinchemos conforme o figurino das eternas e imortais posturas de humanos e equus asinus, e vemos com clareza, se o espírito não estiver à altura do caráter, tudo são balelas e contos de fadas de péssimo mau gosto e hálito, mas em se tratando de um equus asinus diferente, inusitado, convenhamos mesmo patético, acontece o inverso. Se o caráter não estiver à altura do espírito, as conseqüências são trágicas, nalgumas circunstâncias, quando os brios e calafrios são frágeis, um dramalhão de oitésima categoria.
Nestas considerações, tendo em vista as idéias, intuições e sentimentos, há-de se equilibrar caráter e espírito, caso contrário terá de ser internado, considerado louco jumentado, podendo fazer companhia a Simão Bacamarte lá na Casa Verde de Itajaí. As línguas sustentam com vigor e rigor a solidão está-lhe sendo em demasia difícil e complexa. A loucura já lhe é insuficiente para esconder as dores e sofrimentos a solidão entrega aos homens.
Quem sabe com a loucura de internar todos que se manifestassem contra os padrões normais da ciência não fosse a busca impulsiva e neurótica de com quem passar o resto da vida, dizendo loucuras, mas expressando algo, do que sozinho na Casa Verde consigo mesmo, suas fugas e tramóias, justificativas e estratégias.
Entender-me!... Se os homens não podem, passam toda a vida desejando e buscando isto, nem mesmo eu posso fazê-lo por única e exclusivíssima razão, visto, além do aspecto crítico não ter fundamento, não há outro asno, não há o outro em quem me referir para in-vestigar o tecimento de entender-me, o que como analiso e interpreto, os pontos de vista em que contrapor.
Só há o coice. O que contrapõe o coice? Um tiro no meio da testa ou surra até morrer; as idéias, pensamentos, instintos, intuição são coisas imaginárias, são fantasias de um equus asinus mais velho que os tempos imemoriais. Contudo, quem negará que penso por mais absurdo seja isto no real. Penso, logo escoiceio em represália à ausência do outro, o reconhecimento de minha intelectualidade.
Repensei os coices diretos e retos que dera, enfiando as patas ferradas, o que me feriu os instintos que relincho supremos, embora saiba ser uma das inúmeras empáfias de meu caráter e personalidade, por me envolver com a vulgaridade e a mesquinharia. Agora, há-de se refletir no espelho, assumindo as dores e sofrimentos da alma e espírito, no sentido de entender as ironias e sarcasmos evidentes e submersos na carne do mundo. Aliás, endosso pela perspicácia do intelecto e instinto de perfeição que me habita as “prefundas”.
Não é aconselhável ser explícito, mas, com efeito, ponho-me a pensar “aos vencedores, asnos, as espigas de milho”. Reconheço ser tomado por um pensamento obsessivo: “aos lilases do campo, as meiguices insolentes do inferno”, desejando ser ainda mais irônico, mas reconheço não levantaria qualquer razão de o ser, nada explica ou justifica. Contudo, desde que relinchei, isto tem um sentido que transcende, e por isso merecedor de ser regado dia a dia para que os frutos não só saciem a vontade, mas incentivem e despertem para outros desejos de frutos mais deliciosos.
Tudo isso são reflexões que iniciei a fazer no sentido de não me perder, salvar-me pelo menos da asniborréia de um quadrúpede in-vertido, se assim posso expressar-me.



(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE DEZEMBRO DE 2016)


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