#AFORISMO 919/ A PALAVRA É O ESPÍRITO DA EC-SISTÊNCIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
EPÍGRAFE:
#O desejo de amor só vive de entrega, onde têm raízes a iluminação e a
redenção, cujos frutos são os sonhos que alimentamos e AFAGAMOS, e quem a
outrem, que en-vela e re-vela, não poderá, Señor, alguma vez, desalgemar de mim
as mãos rápidas de gestos, deixando-me-ser aos olhos e ouvidos atentos e à
minha nítida simplicidade de Alma?# (Manoel Ferreira Neto, Ópera do Silêncio.
Armazém de Idéias. 2000. Belo Horizonte)
“Há procissão de águas na moldura da vidraça”.
Iluminação.
Amor.
Misericórdia.
Ágape.
Deus.
Nous.
Inner.
Numinoso.
Assunção.
Theos.
AMOR.
É glorioso para o amor ver cair as folhas à medida que amarelecem. A
rocha, sobremaneira nivelada pela erosão e coberta de espesso leito, forma
vastas pradarias inundadas, sobre as quais se estendem, quase sempre, reduzidas
ondulações.
A chuva, quando a chuva é precisa, não sentimos solidão, medo, tédio, a
falta de algo a fazer, uma lembrança de tempos idos e de tempos que estão indo,
uma memória de prazeres e satisfações, angústias e medos, uma melancolia,
nostalgia. Sentimos o vento, as tempestades, às vezes, as árvores que continuam
a florescer, a darem inúmeros frutos, o rio que rola suas águas continuamente,
as estações do ano se unem e se afastam, se ligam e se separam...
Luz da maturidade, caminho para a velhice, para a morte, as cinzas
acompanhadas de alguns ventos de lembranças, de alguns outonos e invernos de
esquecimentos... Esta Luz mostra-me os devidos caminhos para sacudir a todos,
arrancar-lhes de dentro, jogar-lhes na sarjeta de suas misérias, e encontro os
modos de atingir estes objetivos, ainda que, no fim, seja condenado como alguém
constantemente em busca de escândalos, de auto-afirmação.
Deus.
Com o correr do tempo, quando a fé primitiva me modificasse pela
experiência, os sentimentos todos não sofreriam súbita revolução. Teria inda fé
no destino brilhante e, talvez, amasse mais a vida, ao reconhecer que pouco
posso fazer em benefício próprio. A altivez ceder-se-ia à humildade, quando
conhecesse distintamente os elevados ideais; talvez percebesse claro, por
qualquer dos sentidos, onde caem as sombras o terreno é sagrado; talvez
apreciasse o pensamento sábio e meditado; talvez distinguisse que nenhum
escrúpulo me impediria de sondar toda a profundeza da alma; talvez
discriminasse o verdadeiro valor estaria no reconhecimento da força interior
que transforma as vicissitudes; enfim, talvez discernisse os melhores esforços
do homem são uma espécie de sonho, enquanto Deus é o único construtor de
realidades, o único revérbero de outonos e memórias.
Apenas o silêncio de perto e os rumores ao longe, distantes, podem ser
belos: quem isto não consegue compreender – o que quer que digam, que dirão,
que tenham dito – não me atacam em nome da Arte, mas em nome de seus segredos e
fugas particulares.
Travessia do dia e noite, o sono que me vem revelar o desejo de sonhos
que se manifestam em imagens.
A palavra é o espírito da ec-sistência.
Iluminação.
Morrer no inverno. À hora absoluta, delírio de luz. Não no outono, de
monco caído. Ou no verão, quando se está sem qualquer coberta ou cobertor,
inteiro nu. Mesmo na primavera em que tudo está ainda para ser. À hora máxima,
os olhos em chamas, mesmo fechados, a luz estrídula em todos os interstícios da
vida. É para isso que vim, não tenho interesses em ensinar, em aprender, o que
isto pode significar nesta derradeira hora? Vim para ser todo onde for. Até já
me disseram, e confesso haver ficado orgulhoso, que não vim para aprender, e
sim para ensinar. Passado o orgulho, perguntei-me o que teria para ensinar. Não
encontrei qualquer resposta, e isto foi o melhor, pois que se houvesse elencado
o que teria para ensinar não encontraria verdade alguma. Creio sim que atingi
um nível bem diferente do que era esperado.
Descobri que devo continuar exercendo a função – se não a exercer como
estabeleci, nada terá sentido.
Rimar não seja o verbo melhor a dizer isto de a lanterna numa estalagem
e orvalho entre dedos, na grama, revelam a lanterna e o orvalho, inda
impregnados de luz e sensações, por baixo do sono, a luz, a contra-luz, o
claro, o escuro, o enigmático, misterioso, a alameda do infinito vai além mar,
não palmilhá-la, trilhá-la, perder de não caminhar nesta alameda é perder-me a
mim próprio. Anda comigo algo indescritível. Rimar não o verbo que melhor diz.
A lanterna e o orvalho entre os dedos despertam o murmúrio do sono em marcha no
vão do tempo, resumindo auroras e catarses.
Misericórdia.
Haverá imagem de intimidade mais condensada, mais certa de seu centro
que o sonho do porvir de uma flor ainda fechada e encolhida em sua semente? Se
não há imagem desta intimidade, dizendo que a flor seca perfuma a gaveta em que
murchou, quem sabe fora eu em absoluto infeliz em dizendo assim, quando deveria
dizer que o sentimento ficara na semente, a flor fica sempre na semente aquando
emurchece. Como se há de querer que não a felicidade, mas a ante-felicidade,
permaneça fechada na gaveta.
Theos.
Experimentar a intimidade, uma vez vivida e sentida não se apaga mesmo
que os homens se amesquinhem, ridicularizem-se, degenerem-se. A réstia de luz
que perpassa o tempo, o espaço, envolve um mistério de doação “escondido na
beleza, na volúpia, na quebra da solidão, no a-núncio da esperança, no
afastamento do medo, na presença e re-velação do silêncio”.
Inner.
Instante inesquecível em que torno a sentir! Escuto o riso da ampulheta,
diante do tempo – o vento invade-me a voz que é sonho, o desejo da mente que é
imensidão, a vontade da alma que é eternidade. O espelho procura a imagem,
buscando aprimorar com ousadia o registro de mim – desço pela janela do que já
se tornou inevitável, como a taça que se estiola no chão e eu não quero,
insisto e persisto em não “emendar” – diria ser eu um teimoso, um burro
empacado? A imagem constrói a matula de lacaios, busca a taberna de difusos,
desejando a transparência de cinismos e ironias.
Ágape.
Gravou-se-me na memória a imaginação. Gravou-se nela a flor seca que
perfumou a gaveta em que murchou. As verdadeiras imagens aprofundam lembranças
vividas, deslocam recordações vivenciadas, para se tornarem lembranças da
imaginação. Interessante isto!... As palavras também são guardadas em gavetas,
esperando de lá serem reveladas ainda com mais sentimentos e emoções, pois que
o tempo as tornaram mais reais, mais essenciais para a vida. Por que relaciono
a flor com as palavras?
Nous.
Amor.
É preciso perder o paraíso terrestre para vivê-lo verdadeiramente, para
vivê-lo na realidade de suas imagens, na sublimação absoluta que transcende
qualquer paixão. É preciso perder o odor frágil e ameno da flor que nasce logo
ao amanhecer de um novo dia para senti-lo verdadeiramente no íntimo, dando
formas e estilos a novas emoções, novos sentimentos e intuições, a verdade
plena vigiando no coração aberto do dia.
E o espírito paira sobre o abismo. Não há de ser por os olhos não se
dignarem a contemplar e vislumbrar neste momento em que o espírito paira sobre
o abismo que perderei a oportunidade de trazê-lo à superfície – talvez tenham
eles alguma vertigem, se olharem com muita atenção e entrega, são capazes de
não resistir à profundidade, respeito-lhes a vertigem, mas não posso deixar de
me furtar ao prazer deste instante de contemplação. Neste caso, não é o
silêncio que é diferente, não é o sublime que mostra suas nuanças, o sentimento
é que é outro. Tal explicação à luz de uma justificativa parece-me viável para
a compreensão: a alma volta à serenidade de antes, de outrora, naquele momento
mesmo em que intuí um sonho muito forte em mim, em princípio vaguei os olhos
pelos horizontes, um vazio sem medidas tomou-me por inteiro, não me pude
controlar, saí correndo, mas após descansar veio-me à mente que o desejo era de
trazer os abismos à superfície.
Numinoso.
Luzes não são suficientes para iluminar a longa área de mato e capim que
se estende adentro mistério entre árvores, galhos, esquecimentos, de alguém
que, sentado no meio-fio, a noite segue seu caminho, se há outra significação
para o pouco ou demais de olhos que desejam com que gestos ou modos de revelar
o erro abstrato da criação, e o silêncio perpassa momento difuso, profuso,
completo de viver tudo de todos os lados.
Assunção.
Creio que diante de tantas dimensões divinas e humanas, a Terra-Mãe está
cheia do Amor de Deus, e por isso mesmo deseja, tem vontade do Sublime e do
Sagrado.
(#RIO DE JANEIRO#, 30 DE JUNHO DE 2018)
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