SEM PEIAS DA LIVRE CALIGRAFIA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@


Pernas finas varando o tempo,

Sol no rosto e um fardo colorido de intempéries,

A hora que chega e se perde

No labirinto do nada, ziguezagueado de ocos,

Mas retorna com novas energias e forças.

Barro de terra na sola de meus sapatos,

Poeira no peito deles advinda das vias

Insólitas do bosque,

Onde navios estrangeiros, próximo a ele,

Gostam de deitar ferro,

A bordo que se faz ao mar,

Abandonando a ilha bem-aventura,

Só se vive a experiência de si mesmo.

@@@

Sílaba do que digo se des-garra,

Rolando pelo chão que não é de giz,

Que não é de pedra-sabão, poeira do sertão,

Mas de grafite em pó,

Gota de sangue derramado

Que não voltará à veia,

Lágrimas tristes descendo a face

Por a solidão da vida refletir o vácuo.

Imagino-me numa estelar distância,

No branco da lua longínqua,

Nos raios fortes do sol,

No final do arco-íris

Sobre o tesouro inesquecível.

Ensaio o som universal de um sorriso

Aberto de alegria,

Performo de mimeses e katharsis

O cântico global

De uma sílaba do ritmo do perpétuo,

De uma palavra-melodia sem quaisquer

Vestígios, vertentes poéticos.

@@@

Sou voz de olhares efusivos,

Ímpetos de pensamentos de ser

Nada no nada voando livre,

Liberdade de espírito.

Sou desejos de encontro,

De sonhos e utopias do imortal,

Quimeras do há-de revelar o interdito

Nos desejos e vontades

Do espírito das linhas.

Sou espera,

Movimento,

Atitudes, ações, gestos,

Gota de chuva,

Lufada de vento batendo na vidraça da janela,

Lua boiando na noite de dança e festa,

Constelações reverberando átimos do celeste,

Risco de estrela cadente a leste do céu

Pelas bandas do Mississipi,

Sou a mão que burila e delineia letras,

Sílabas,

Sons e metáforas,

Que desenha símbolos, signos com esmero.

@@@

Ando em busca da estrela que brilha

Na madrugada do galo e do lobo

Executando seus cantos,

Do sol que raia na manhã de nuvens

Brancas e enigmáticas,

Da faísca de raios que ceifam árvores

Mortas e secas na floresta.

@@@

Caminho pisando campos,

Trilhando veredas e semeio em cada um

A verde esperança da flor de cáctus,

A cinza ilusão do vazio de nadas,

O branco da flor da orquídea da felícia.

Dos múltiplos úteros do chão,

Apanho o cristal que germina.

As mãos unidas

Colhem água fresca em qualquer fonte

E afagam o broto de limão que nasce

Nessa fixa floração.

@@@

Escuto o cantar de galo, o cão ganindo no entardecer de Sexta-Feira da Paixão, pio de pássaro nas moitas de Domingo de Páscoa. Descubro no boi berrando no matadouro à espera de sua vez de a guilhotina cortar-lhe a cabeça, no zurro dos jegues subindo ruas íngremes, puxando carroças de cascalho, no coaxar dos sapos, lobo uivando na serra, um som recente, neste tempo que varia como vento mudando o rumo quando a chuva anuncia ser forte, as ideologias não servem mais aos propósitos do poder e glória. Vou aprender no campo o ofício das mãos que lavram as letras e verbos que prefiguram e representam a vesperata do vácuo em tempo de desejos de existir, e vão perpetrando as fantasias desvairadas do sublime, a vontade do perene perenizado de idílios, a esperança do imortal.

@@@

O poeta borda a palavra verso a verso,

Alinhando as estrofes perdidas

Na enxurrada de outroras,

Os ritmos de sentimentos de amor, fé,

A musicalidade de dialécticas e nonsenses

Da liberdade de ser,

Do ser-com o outro,

Do ser-para o outro,

Do si mesmo.

O escritor tece com o amor de tecelão

Os fios no tear dos sonhos e ilusões

Numa inventiva criação

De idéias e pensamentos.

Trabalho eu, escritor-poeta,

O sonho imortal do espírito

Que me faz transeunte

Sem peias da livre caligrafia,

Algemas da ortografia inconseqüente.

O poeta pesca a palavra da própria entranha

Como se o corpo fosse o açude,

E o peixe, o verso.

@@@

O escritor expele a palavra

A todo sentimento e idéia

De versus-uno de liberdade e consciência,

A toda emoção e pensamentos

De horizontes de encontro

Com a Vida e Amor,

Abrindo “asas para o renovado/e usufruir

da melodia”

De penas que se movem harmônicas.

A palavra e o poeta

Germinam da mesma caverna,

E, juntos,

Vão no mesmo passo ad-verso de intenções,

Por vezes em veredas diferentes do deserto

De angústias, tristezas, alegrias, prazeres,

Às vezes em caminhos mesmos,

Porque um no outro se completa,

Multiplica-se, esvazia-se.

RIO DE JANEIRO(RJ), 11 DE MARÇO DE 2021, 12:31 p.m.     

 


Comentários