Ana Júlia Machado ESCRITORA POETISA E CRÍTICA LITERÁRIA ANALISA E INTERPRETA O POEMA Entre O... E o Entre ####



No sublime poema do escritor Manoel Ferreira Neto encontro como palavras-chave para a sua composição, Destino- sombras densas- morte fracassos e frustrações, dores e remorsos, o vir a ser, amor, autor - descendeu aos infernos, está sentado ao lado de Mefistófeles - a vida e a morte. As fantasias do amor eterno dispõem que poesias e coplas da eternidade - religião...
###
No entanto quando vi o nome de Manuel Bandeira vi que tinha muito em comum com o mesmo. A intenção da pessoa escapulir-se para uma outra realidade.
Quando refere Pasárgadas de Manuel Bandeira retrata a evasão é no sentido da proeza, da autonomia, direcção à distração sem términos e sem sequelas.
Pasárgadas converteu –se em um símbolo da independência, do local onde consegue-se fazer tudo aquilo que se pretende na existência verdadeira.
###
Esse ímpeto de ir embora não foi um pensamento registrado só por Bandeira, já outros escritores tinham analisado esse tema. Os escritores do romantismo, por exemplo, quando amargavam com um amor não simetrizado, costumavam escapulir-se para locais remotos ou abrigavam-se no pensamento do fenecimento para que conseguissem prevenir amargar das mágoas do coração.
###
Situações idênticas encontradas no escrito do escritor - que frisam a morte e os amores.
Já os escritores do arcadismo, movimento literário que surgiu na Itália no séc. XVII. Seu nome deriva de Arcádia, área da Grécia antiga, ocupada particularmente por pastores. Os árcades, membros das arcádias, expandiram muito a poesia bucólica, género cujo assunto é a existência no campo, onde, para eles, encontrava-se a real dita. Agrupavam-se em academias, elegiam pseudônimos latinos e eram tratados de pastores. Por sua vez, abalavam para campos, panoramas desertos e agrários - nesses campos eles sentiam que existia genuinidade e diligenciavam formas de númen.
@@@
Que posso concluir que seria um cenário procurado pelo escritor quando verbaliza” Entre o alvorecer
E as utopias do sertão mineiro,
A mulher de camisola azul transparente,
Calcinha vermelha,
Prepara os pãezinhos de queijo
No fogão de lenha para o marido e as crianças!...
Já em Bandeira o sujeito antediz que encontra-se de mudança, informa que vai sair de onde encontra-se para se estabelecer em Pasárgadas.
Local, que está na sua ideia, ele acha que irá achar domínio porque é “amigo do rei”. Ser amigo de alguém possante é o seu raciocínio mais enérgico para alcançar aquilo que pretende.
###
Em Pasárgadas existe uma expectativa de se ter tudo aquilo que não se tem usualmente, como por exemplo:
Lá possuo a mulher que deseja, no leito que elegerá - situação muito falada igualmente no decorrer do poema do autor Manoel. O amor está bem patente e o deleite.
O lugar que Manuel Bandeira enaltece no seu famigerado canto de facto houve. Pasárgada foi uma cividade persiana famosa como a capital do Primeiro Império.
@@@
Na obra de Manuel Bandeira existe uma confissão com o ledor e o sujeito revela-se que não sente-se animado onde reside... Não sentia-se ditoso onde vivia e por isso foi à busca da proeza de modo imponderado.
Nota-se nitidamente uma mágoa contrária à existência que o sujeito aguarda descobrir em outro local (nesse caso Pasárgadas).
O que o alicia na terra onde o aliado é soberano é precisamente o acessório do incógnito, o potencial de façanha e de inopinado que pode achar. Esse local deslumbrante é o antagónico do que ele possui na existência verdadeira, por isso existe uma intenção tão grande de se cambiar. Em Pasárgadas ele pretende depois de antedizer a mudança e decifra a sua opção, onde sujeito decide descrever como será o seu dia a dia no território longínquo.
###
Aqui discursa a consonância com a essência que irá descobrir em Pasárgadas e das reminiscências do pretérito que o consolam.
O regresso à puerícia é muito assistente na sua vida e encaminha a ideia do fascinante. O sujeito assegura imergir no transcorrido com a auxílio da progenitora de lágrimas, que é uma pessoa assombrosa, que aparenta ter tido consideração na existência do menino. Durante a infância, e com a comparência dessas entidades feminis, o sujeito se sentia amparado e é para essa circunstância de solidez que ambiciona regressar.
###
Abre-se em relação à sua privacidade, na obra que fica-se a saber o que alicia aquele que pretende se mudar para Pasárgadas lá diz ter tudo.
Toda a alegação é apoiada na confrontação entre o que existe onde está e o que há lá (em Pasárgadas).
O sujeito, aos escassos, vai persuadindo o leitor de como Pasárgadas é benéfico, como é um local irrepreensível, como não é preciso se inquietar com processos anticoncecionais e como se experimentaria deveras independente habitando lá.
###
No entanto não deixa de referir que igualmente pode subsistir melancolia em Pasárgadas. Apesar de todas as realidades benignas que acha em Pasárgadas, ainda assim o sujeito aceita que, mais cedo ou mais tarde, pode se sentir infeliz. Mas quando a tristeza bater, ele sabe que residirá no lugar modelar e, por isso, o sentimento funesto cessará rapidamente.
Encerra o poema verbalizando que, como é aliado do soberano, possui a mulher que pretender e, só por isso, merece a pena abalar para Pasárgadas habitar a sua grande façanha.
No entanto, muito dos receios do inerente poeta, que possuía uma atividade muito demarcada devido às dificuldades de saúde que originaram de uma tuberculose mal sarada.
Pasárgadas foi o poema de mais durável incubação em toda a sua obra. Avistou pela primeira vez esse nome de Pasárgadas quando possuía os seus dezasseis anos e foi num autor grego (...) Esse nome de Pasárgadas, que designa “campo dos persas”, originou na sua ideia um panorama alegórico, um país de deleites (...) mais de vinte anos depois, quando encontrava-se só na sua casa da Rua do Curvelo, num instante de penetrante desalento, da mais bicuda sensibilidade de tudo o que ele não havia concluído na minha existência por motivo da enfermidade, saltou-lhe de abrupto do íntimo esse berro excêntrico: “Vou-me embora pra Pasárgadas! Não haja dúvida que há muito analogia deste autor com o autor Manoel Ferreira que viveu igualmente em Curvelo (não sei se será o mesmo local - leva-me a pensar que sim) e que muitas vezes pensou em deixar o local para encontrar a felicidade que aqui aconteceu. Mas, até então vivia triste, muito débil, mas seu amor verdadeiro surgiu e fê-lo feliz na medida do possível. A felicidade em pleno não existe.
E concluo esta análise se é que pode assim chamar-se... São semiologias e filologias
Da indagação da imaculabilidade das sensibilidades,
Pureza das sensações,
Inexperiência do raciocínio,
Afabilidade da erudição e experiência,
Naturalidade do saber...
Ana Júlia Machado
###
*ENTRE O... E O ENTRE...*
GRAÇA FONTIS: PINTURA
MANOEL Ferreira Neto: POEMA
####
Entre o sonho e o destino
Sombras densas refletidas
Nos cantos e recantos do tempo
No cá e lá dos ventos que sopram ,
Na passagem das contradições,
Dialécticas, nonsenses, lógicas,
Tecendo ad-versas dimensões
Do que as circunstâncias, situações
Inscrevem de herança,
A carne e os ossos herdam,
A vida revela de todas as travessias
E a morte inevitável, o reencontro
Do nada gélido e puro,
Do vazio morno e maculado,
A fissura da liberdade com sêmen
De transformações e metamorfoses.
###
Entre os fracassos e frustrações,
O muito pouco realizado e conquistado,
Que não dá para preencher nem o
Buraquito de uma cárie dentária ,
Dores, angústias, tristezas,
Culpas, remorsos,
A lídima consciência de nada alterar o passado,
A única luz é o futuro
Tentar algo que preencha os vazios, lacunas,
O tempo sendo mais exíguo do que sempre fora.
###
Entre o ser e o querer
Uma luz,
Entre as esperanças e as estrelas
Volos de sentimentos utópicos,
Entre o sonho e o universo,
“Causos” de outrora sobre o crepúsculo
Seduzindo o abismo entre serras
Para silvar a música Gita,
“Lorotas” de ontens sobre as trevas do meio-dia
Iluminando as cavernas, convidando monges,
Profetas, gurus para meditação,
Entre o eterno e o silvo dos ventos
A música romântica dos tempos,
“SILENZIO”,
Ritmando o vir-a-ser,
Melodiando o orvalho do alvorecer
Com a garoa do entardecer,
O poeta na varanda de sua choupana
Poetizando missiva para a amada
De sua imaginação fértil,
Modo e estilo de sublimar as carências.
Entre a solidão e o prazer,
O olhar contemplando o domus da igrejinha,
A cruz no cimo da montanha,
A águia voando,
As nuvens escuras ao longe,
Talvez anunciando chuva.
###
Entre o silêncio e a seresta
Executando
Desolation Row na pracinha pública,
O pastor conduzia as ovelhas no serrado,
Rapunzel na sacada de seu quarto
Penteava os cabelos olhando o passarinho
Sugando o néctar das flores
No canteiro do jardim,
Chapeuzinho Vermelho, alegre e saltitante,
Catava jerivá no matagal ao redor do casebre,
Enquanto a vovó mastigava fumo de rolo,
Crocheteando uma colcha para a cama
Da amada e idolatrada netinha.
###
Entre a inspiração e a náusea,
Versos querendo poema com palavras suaves,
Dóceis,
O sino da igreja badalando a Hora do Angelus,
Vira-latas desfazendo os sacos de lixo,
Velhinha atravessando a rua João Pessoa
Sob cuidado de transeunte anônimo,
Ao estilo Bete Davis com a mão no bolso
Da calça de linha larga,
A jovem moçoila conversa com o namorado
Sob as picuinhas do bem e do mal
Na intimidade de um casal,
Para ela, entre quatro paredes, tudo é permitido,
Na esquina da rua Joaquim Felício,
Olhando a vitrine da Sapataria Passo Torto,
A esposa descreve uma cena
Do filme O Corcunda de Notre Dame,
Com Anthony Quinn,
O professor de Filosofia, desvairado,
Corre e grita que Olavo Bilac
Está na Cabana dos Insurrectos
Tocando harpa com um charuto
No canto da boca,
Manoel Bandeira retornou de Pasárgada
Triste, desolado, desconsolado,
Nada encontrou lá que preenchesse suas
Dores, vazios, medos, angústias,
Manoel Ferreira Neto desceu aos infernos,
Está sentado ao lado de Mefistófeles,
Trocando dedos de prosa com Alighiere
Sobre o Purgatório.
###
Entre o alvorecer
E as utopias do sertão mineiro,
A mulher de camisola azul transparente,
Calcinha vermelha,
Prepara os pãezinhos de queijo
No fogão de lenha para o marido e as crianças,
O lenhador põe o machado no ombro
E vai trabalhar,
A jovem adolescente abre a janela do quarto,
Manhã ensolarada, espreguiça-se,
Lembrando-se do sonho erótico com o carteiro,
Passa a mão nos olhos,
Debruça-se no parapeito,
Canta “Tigreza”,
Olhando ao longe a Radiopatrulha
Enguiçada no meio da Avenida Paulo Frontin,
O escritor dorme as suas horas de sono,
Três por manhã,
Desde às oito e meia às onze e meia,
Toma umas doses de aguardente,
Almoça bisteka de porco com batatinha frita,
Está numa miséria de dar dó,
Pensando num churrasco à beira de piscina.
###
Entre a vida e a morte,
As fantasias do amor eterno compõem
Versos e estrofes da eternidade
Plena de carícias, toques
E clímax da intimidade,
As quimeras da glória e poder
Inscrevem com letras góticas
Dogmas e preceitos da mauvaise-foi,
Sonhando tornarem-se reais e verdadeiros,
Com o toque das mequetrefias
Do profeta budista,
As esperanças e angústias da verdade
Rolando à mercê e à luz do tempo
Que silencia o ritmo e a melodia
Da música do ser infinitivo que
Debulha o terço da fé,
Revelam aquela miridiazinha
Da felicidade e alegria
Que compõem o espaço poético
E contingente do uno-verso do Sempre
Sob a luz da metáfora de São Nunca,
Do silêncio que à luz e mercê do tempo
Manuscreve as iríasis e éresis do Ser
No pergaminho da entrega e doação plenas
À melancolia do que jamais há de perecer,
Do que já, mais e mais,
São semânticas e lingüísticas
Da busca da pureza dos sentimentos,
Inocência das emoções,
Ingenuidade da razão,
Meiguice da sabedoria e saber,
Simplicidade da gnose...
RIO DE JANEIRO(RJ), 09 DE MARÇO DE 2021, 23:00 a.m.

 

Comentários