LÉCTICAS DIA DE FOGO FORA META DE ÁGUAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@



Águas de março
Fechando o verão
Fogo incinerando folhas secas
No chão de florestas e bosques.
As águas, aos poucochitos, poucochitos
Perdem a circulação que vivificava a terra,
Perdem, perdem, perdem.
As montanhas – não é espetáculo mágico
Ao alvorecer estarem cobertas de neblina?
Abatem-se e diminuem,
Os rios carreiam,
O mar enche-se e eleva-se,
As ondas terminam na praia,
As gaivotas alimentam-se das iguarias.
Tudo,
Insensivelmente,
Tende ao nível,
Contudo a mão do homem retém
Essa tendência e retarda esse progresso,
Sem esses, tudo,
Quase tudo, não o sei,
Aconteceria com uma rapidez sem precedentes
E a terra já estaria quiçá
Sob as águas.
O antes fascina, excita, extasia.
E como foi antes?
Quisera responder, mesmo equivocado,
Àquele equívoco similar,
Quase tornando-se verdade inconteste.
Ousar, aventurar: eis o segredo.
Antes do trabalho humano,
As fontes,
Mal distribuídas,
Espalhavam-se mais desigualmente,
Fertilizavam menos a terra
E saciavam com maior dificuldade
Os seus habitanes.
Os rios frequentemente eram inacessíveis,
Com bordas escarpadas ou pantanosas;
Como a arte humana
- a arte não é o espírito das transformações,
a transparência dos mistérios e inauditos? –
Não os retinha nos seus leitos,
Comumente abandonavam-nos
Extravasavam para a direita e para a esquerda,
Mudando a direção e o curso,
Dividindo-se em inúmeros braços.
Às vezes, secavam,
Às vezes, areias movediças
Impediam de abordá-los e,
Assim, morria-se de sede no meio das águas.
Morrer de sede no meio das águas?
Isso é inconcebível.
Fora ousadia, aventura,
Imaginar o antes,
Burros e carroças na areia movediça.
Se se morria de sede no meio das águas,
Forçoso é pensar que se morria de fome também.
Como cozinhar os alimentos?
Alguns não são comidos crus,
A carne, por exemplo,
O estômago e o intestino humanos
Não são feitos para digerir carne crua.
E com que se cozinha as coisas?
Nada mais, nada menos que com o fogo.
O fogo, além de ser útil
Para cozinhar alimentos,
Ainda apraz à vista
E seu calor é agradável ao corpo.
Que esplendor,
Que magia a visão das chamas,
Fazem animais desembestar na corrida,
Fugindo,
Mas atrai o homem.
Atrai?
Como atrai?
A água sempre foi livre,
O fogo teme a água, apaga-o.
O fogo atrai os homens
No sentido de reunirem-se em torno
De uma fogueira comum,
Aí se fazem festins,
Aí se dança,
Aí se falam de idéias, negócios,
Especialmente da vida alheia.
Cozinhar sem água é impossível,
Mas assar plenamente possível,
Carne assada, churrasco – quê delícia!
E a sede depois da gula?
Os agradáveis laços do hábito aí aproximam,
Insensivelmente,
O homem de seus semelhantes
E, nessa fogueira rústica,
Queima o fogo sagrado
Que leva ao fundo dos corações
O primeiro sentimento de humanidade.
Infelizmente, há-de se remontar
Isto de o fogo levar ao fundo dos corações
O primeiro sentimento de humanidade ao passado.
Ao redor de uma churrasqueira,
Carne e bebida à revelia,
Os homens se comem com os olhos,
Recitam e declamam as mazelas dos outros,
Dão escândalos,
Quando não termina em pancadaria.
Hoje, então, o fogo desperta
Os instintos das desavenças humanas,
Atrai mazelas em confronto?
O fogo é o elemento de transformação
Que opera sobre as duas outras massas
Formadoras do mundo – o mar e a terra.
As coisas se consomem no fogo
E se criam a partir dele,
O fogo e as coisas se permutam
Como as mercadorias e o ouro.
A natureza do fogo parece dotada
De um princípio diretivo em
Relação à matéria(corpo),
Uma vez que é capaz de moldá-la;
Além disso, o corpo vivo é quente,
Ao passo que um corpo morto é frio,
A alma despreende-se dele.
As almas virtuosas tem destino diferente
Do das almas comuns:
Enquanto estas se diluem em água
Com a morte do corpo,
Aquelas sobrevivem para unir-se
Definitivamente ao fogo cósmico.
A obsessão pelo elemento fogo,
O que vai iluminar a metafísica poética.
É noite lauta para fomes definidas,
Para sedes inauditas e ininteligíveis,
Para carências seculares,
E outra lauda desfia-se incongruente
No teclado surdo,
Na caliência das utopias,
Numinam de cores lívidas do arco-íris
Os auspícios da colina,
Onde os lobos uivam livres e serenos
Uivos que são suficientes para todos
Os ouvidos humanos saberem o que é perfeição,
Uivam os mistérios ímpares
Às derivações da essência.
Incessantemente em regeneração genuína
Concebo um adulterado termo
A esta existência
Onde as serpentes perscrutam as adjacências
Do bem batizado nas águas paradisíacas,
Do mal jogado no fogo do inferno.
Tempo de re-colher do incógnito
Flashes de inspiração
Para a balada da liberdade,
Tempo de acolher nos recônditos dos sonhos
Que conduzem à caverna dos ideais e idéias
O que solsticia horizontes.
RIO DE JANEIRO(RJ), 26 DE MARÇO DE 2021, 08:32 a.m.

 

Comentários