NAS ÁGUAS BAIXAS DO SONO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO @@@


Obtenha eu a coragem e a perspicácia de descrever o que me roçaga a alma, deixando-me, às vezes, ensimesmado e taciturno, sorumbático e irônico, buscando algo em que possa apoiar-me, sem que sucumba a mim, enfie-me por um buraco sem fim, levando-me à depressão, e imediatamente deixo de ter necessidade desta coragem. Que me importaria ter de andar aos encontrões pelos passeios, ou atravessar as ruas, patinando na lama, para me acautelar dos carros. Alegrar-me-ia a consciência de quem sou e represento alguém no mundo. Sabendo que me seria possível construir os caminhos do campo, esburgaria voluptuosamente um osso de presunto, o sabor é indescritível em palavras.

@@@

É preciso viver à deriva em plena consciência. Em direção à morte ou à vida? Avançar para a morte é viver ainda, a morte, supremo enigma, procurando reduzir a parte des-conhecida de meu destino, DESTINO DA HUMANIDADE, SE SE TEM A CORAGEM DE ASSUMIR AS COISAS DO MUNDO E A RESPONSABILIDADE DOS QUESTIONAMENTOS À BUSCA DE OUTRAS VISÕES. Não visões sem quaisquer sensos, mas reconstruir o mundo e a existência, com ideais e esperanças arrancados de dentro da alma.

@@@

Seria um nunca acabar o dobrar do destino às avessas. As Parcas são mito simplificador. Atalham até onde? Será possível, vivendo, não o sentirmos correr através de nós, não nos sentirmos suspensos nele. Alguns tentam-no. Procedem “como se o mundo tivesse principiado com eles, segregado por eles como a teia pela aranha”. Sem razão de censura esta atitude aos jovens o mérito. É a oportunidade que têm para avançar. Aos mais lúcidos pouco importa que saibam que a teia que tecem é frágil. Continuam a estendê-la. Estendem cheios, derramando gentileza e generosidade, investigar-lhes a miúdo faz-se mister.

@@@

Talvez possa des-lizar nas águas baixas do sono onde os fantasmas acabariam por afogar-se. Detesto encontrar-me com essas estratificações do ser que são as lembranças. Desejaria esgotar toda a sensação no mesmo instante para que não tivesse a mínima oportunidade de voltarem a surgir. Esquecer a vida para viver de lembranças, isto é mais do que ininteligível, simplesmente incognoscível.

@@@

O riso nunca dirá adeus, se o disser, os sonhos hão de estrangular as volúpias inebriando a consciência, a ironia, sarcasmo, cinismo  habitam-lhe profundo. Engastanhado que sou no ácido crítico, não devo me furtar esse prazer. Fora-me legado investigar a síntese da estética e da ética, proporcionou o “Engastanhar”. Conjugar viver no infinito da primeira pessoa. Talvez o nada podendo ser tudo e o tudo jamais será nada.

@@@

Tenho profundo amor e ad-miração pelo cheiro e pela flor. A flor tem pétalas lindíssimas, um caule forte, dona da raiz. O cheiro, o melhor sentido, exala, sublime, o doce perfume da compaixão e da solidariedade entre os homens. Nasci num hospital cercado de rosas brancas e amarelas no jardim. Pergunto a mim onde nascerão as flores, frutos e, sem resposta, dou um trago no cigarro, expelindo a fumaça levemente, onde se ouve o silêncio e o sibilo de vento, manuscrevo na agenda, amo a “manuscrição”, assim conceituo o ato, sente-se a palavra saída da alma, estão impressas através de uma língua cuja amplitude atende às intenções e utopias, faço sonhos na condição de semente.

@@@

Reconheço o tempo, não como justificativa, explicação, mas tão somente porque intenciono ser conhecido de mim, de conhecer-me nos outros, a quem dedico amor, e mesmo pelo ideal de humanismo e humanidade, de transformação e metamorfose. Nem sempre isto é presente no meio das coisas, dos objetos, dos homens, diria tão simples assim “bastante grosseiro”, ando no meio dos homens, não aprecio rebanhos nem ovelhas solitárias, a sociedade dá-me nos nervos.

@@@

Indico as íntimas possibilidades. Não devolvo as coisas, não as modifico: de as esquecer seria o caso. Se busco des-vendar os acontecimentos, surge-me verificar a dúvida, de conhecer o sentido das atitudes, com o fundo do pensamento deparar-me. Se quero investigar as circunstâncias, surgem-me os equívocos da in-vestigação, as moléstias psíquicas desvirtuam a visão, apelo pela visão de esguelha da língua, a sua amplitude de visão, o intelecto florando na floração da expressão, o riste afiado, tão afiado que a lâmina não apenas corta, ela ceifa.   

@@@

É no cérebro do homem que todo o esparso assume número. O que o indivíduo re-clama deixo impresso. Sinto algo dizendo: “Você irá conseguir saber a sua estranheza!...” O estranho é de outra ordem. Os frêmitos das ondas nada são senão quando recuperados e enquanto os significados disso não fizerem harmonia, sincronia. Outras coisas vão nascendo, surgindo no mundo. O enorme sentimento de carinho e afeição levam-me às alamedas tombadas no litoral. É sobre este sensível espelho que a criação in-fletida se cobre e se comove. E, no silêncio, a esplêndida manhã afigura-se alargar em redor, mais suave e mais calma. O longínquo horizonte resplandece, finalmente recordado na luz, recortado nas bordas da imagem, como se faz para retratos para documentos, com dourados de sol, brilho de rio cristal, fundindo-se na névoa luminosa, onde as vertentes, em tons esverdeados, têm quase transparência, como feitas de substância nobre.

@@@

É para poder mirar-me no seio que a alma protege nela a pureza. Em situações passadas, vislumbro as presentes, busco síntese. Ã espera de um escrever altivo, sigo-me no mundo, única circunstância faz-me desligar de tudo. Empreendo verdadeira Ode à Alma, conhecendo os labirintos. No fundo, amo-a, sem a saber. Há muita verdade nisto. Após um incidente, na garupa de uma motocicleta, por um triz deixou de bater de frente com um ônibus, a morte seria instantânea. Na garupa da motocicleta, retornando à casa, pensando nisto, escrever é isto: Ode à Alma, o susto fora enorme, ainda bem pensativo e sensível.

@@@

Estivera silencioso, nada há que me faça negligenciar a perfídia, esquecer a infâmia, menosprezar o apelo. Alimento-me, inda, de valores encontrados no céu límpido e nítido. Que me importa o que dizem a respeito de não sei que montanhas e serras que se seguem no meio do mar, inspiração de frente ao mar e a memória do Vale. Quando o mundo decide virar vulgar e hipócrita, deixa-se dilacerar e engole o que há de fútil e faminto. As montanhas e serras são no Vale do Jequitinhonha, quantas vezes subi à montanha para olhar a cidade de cima, há obras lá escritas, sentado no chão ou em pedras, numa caverna, lago e estalactites, ouvia os pingos de água na lagoa, semi-escuro, solidão e silêncio se aderiam.  Prolongar-me deste modo é a escolha, os pingos nos “ii” e os “ii” nos pingos. Sinto o silêncio da noite, olhando a claridade da luz.

@@@

As imagens re-tornam a en-cenar frente aos olhos. Assisto ao processo através da intuição e percepção. Estou em outro lugar in-conectado desta missão, desta dimensão, que ora engole as ondas. Olhar mais simples são as emoções mais livres. Vislumbrar mais humilde é a fisionomia mais lúcida e transparente. A respiração menos densa e forte é o corpo mais desenvolto? Um andar mesmo de adolescente na fase de suas grandes conquistas sentimentais e amorosas, o “jingado”, por que não tirar do baú um termo já ultrapassado, na orla do mar?

@@@

O que deveria acrescentar no concernente às descrições de acontecimentos da vida, às imagens e símbolos que empreendo ao longo da escrita, que muito estão a surpreender-me, e até agora não sou capaz ainda de des-cobrir o que seja, não sei o que me impede de perceber? Muito além do desejo e vontade de tocar no social, o que penso-sinto da sociedade, de seus dogmas, preceitos, hipocrisia, farsa e falsidade sendo o prato de todos os dias, fora cumprido, compus poema versando sobre o meu pensamento social. Creio que não sou homem tenso, como em alguns artigos, busquei de estilo e modo identificar, um lema: “Se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também o Ser”, é andando que se move utopias e sonhos.  Também não vou dizer que seja homem calmo, tranqüilo, o que não seria verdade. Careço de sono das oito horas, custa-me a surgir, escrevo, a inspiração é muito mais sensível, para quem por trinta anos ter crises de insônia sérias, durmo, mas tenho de catar o sono onde ele estiver.

@@@

Não há nada a acrescentar. Se houvesse, efetivamente, deixaria em Suspenso. Seria mister colher-me de surpresa e ao reverso, para ser mestre de mim próprio.

RIO DE JANEIRO(RJ), 29 DE MARÇO DE 2021, 13:06 a.m.  

 

 


Comentários