O QUE É ISTO - SENHOR DIRETOR? GRAÇA FONTIS: PINTURA Quinzinho de Parafusos a Menos: SÁTIRA


        

Ave-Maria

Cheia de graça

O Senhor é convosco

Bendita sois entre as mulheres

Bendito é o fruto de vosso ventre

Jesus

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O que é isto? Digo ser ateu, tiro as vestes, piso em cima para categorizar o ateísmo que me habita, e estou rezando a Ave-Maria? Quê hipocrisia deslavada! Não sabem os distintos senhores que a oração do ateu é muitíssimo mais verdadeira, autêntica do que a dos fiéis? Não sabem. Sim, isto porque o ateu nada pede, nada roga, nada reclama a Deus. Reza por rezar; o mesmo que recitar um poema, recita por recitar, nada pede ao autor.

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Se estou rezando a Ave-Maria não é para pedir a Maria Santíssima que me proteja, derrame suas bênçãos sobre mim, pois o que tenho a dizer é seriíssimo, conseqüências advirão de todos os cantos e recantos, e conseqüências duras. Rezo a mim mesmo, pedindo-me perdão por haver jurado jamais levantar com a língua em riste, nunca tratar do assunto. Calar-me, silenciar-me são coisas imprescindíveis. Diz o adágio: “Quem cala, consente.” Nada consinto, nada aceito, portanto tenho de soltar as frangas, dizer na ponta do lápis o que penso e sinto a respeito. Trata-se de minha verdade; não vou escondê-la de mim próprio.

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Vamos à coisa em si. Além da oração, gastei dois parágrafos para a devida explicação de estar rezando, posto que sou ateu. O mais seria encher lingüiça, isto é ipsis litteris condenável num sátiro aristocrata. Não vem por acaso tomar da pena para escrever, há razão.

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Desde os primórdios da Literatura, da Poesia, os escritores jamais foram respeitados, reconhecidos, ao menos considerados. Até por parte de seus companheiros de jornada não há o mínimo reconhecimento, há sim inveja, despeito, para se sentirem no auge, no topo, no Olimpo, negligenciam o companheiro, derramam sobre ele e a obra pilhérias as mais diversas. Por mim, não dou a mínima. Não compito com ninguém: quem escreveria sátiras na minha linguagem e estilo? Não há quem.

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Acaba de acontecer um despautério arrepiante, não havendo único cabelo do corpo sem eriçar. Editor envia-me missiva – que linguagem e estilo vulgares!; nem conhece a Língua Portuguesa, erros gramaticais mais que crassos e ruços -, oferecendo-me um livro que acaba de ser publicado por sua Editora. E vejam isto, senhores: “Digo a “te”, escelentíssimo satiro, que, adquirindo o livro, estara ajudando a mim próprio, a minha Editora.” Lendo isto, a vontade fora encaminhar-me à Editora e enfiar a missiva na boca do editor, fazer com que mastigasse e engolisse a missiva. Neste métier editorial  nojento, não apenas nos tempos atuais, mas ao longo de toda a História, jamais editores respeitaram os escritores, jamais os reconheceram, só houve explorações as mais arbitrárias possíveis. Escritores, inúmeros, centenas, morreram na extrema miséria, as editoras, ao contrário, adquiriram fortunas com as explorações. Atores, músicos sem quaisquer dons e talentos adquirem fortunas e os escritores morrem de fome. Se existe outra estirpe mais vagabunda, arbitrária, viperina, não conheço, mas a dos Editores de Livros existe e à farta. Todos os artistas de outras dimensões das Artes são reconhecidos, desfrutam de seus trabalhos excepto o escritor, o poeta. Isto na História. Agora inventaram o escritor autônomo, aquele que paga a Editora por seus serviços de edição. O trabalho dela é dos piores, a edição deixa a desejar. Fosse apenas isso, mas não há qualquer divulgação, o autor que rebole para divulgar e vender sua obra. Quem realmente dá valor a livros, não vai adquirir, pois a edição algum tem. Essa estirpe não tem a mínima noção do que é escrever, não conhece as dificuldades, as angústias por que os escritores passam para um único parágrafo realizado. E tratam os escritores com desdém, desrespeito, discriminação.

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Dizer o Editor que me enviara a missiva que estaria eu ajudando-lhe e à sua editora, adquirindo o livro que me oferecia. Sou jogado ás traças e ajudo a Editora a crescer, alcançar mercado. Quê despautério? Fico sem publicar única letra por uma editora, mas não entro neste métier nojento. Quando eu morrer na miséria deslavada, vão derramar todas as virtudes sobre a obra, tornar-me-ei um deus, como sempre acontecera com os imortais das Letras. Com efeito, há aqueles escritores que se vendem por terem livro publicado, ajoelham, rogam, ruminam por isto, vendem a própria mãe para realizarem seus sonhos. Isto quer dizer que não valorizam a si mesmos, não se respeitam. Comigo isto não acontece: valorizo a mim e ao meu trabalho que não é fácil, deixei a vida de lado para me entregar às Letras e me rendo às hipocrisias do métier editorial – isso nunca!

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Respondi à missiva: “Excelentíssimo Editor, se eu pudesse, colocar-lhe-ia numa nave espacial e o jogaria em Marte para catar jerivás por todo o sempre. Abraços de tamanduá.” Esse jamais me procurará de novo com oferta tão descabida e injuriosa.

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Ave-Maria

Cheia de graça...

RIO DE JANEIRO(RJ), 24 DE MARÇO DE 2021, 11:56 a.m.

  

 

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