REVERSA CONFISSÃO DE CORAGEM GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA @@@@



Viver a vida é mais um recordar-se dela do que um viver direto, reto. Recordar que amplia as perspectivas da língua por sonhar novos caminhos para a oceanização das dimensões da alma. Recordar que desperta a coragem da sede e do hálito abrasado de saciar o desejo do Amor à busca do Ser.

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A vida oblíqua é íntima. Parece uma convalescença macia, tranqüila de algo que, no entretanto, poderia haver sido incompreensível. Convalescença de um prazer... de um prazer frívolo? Não sei o que diga, se mesmo há o que dizer, ser dito: creio de modo ímpio, e não me questionem os doutos dessa impiedade – elucidá-la requeriria tempo demais, não iriam dispor-se a ouvir-me, até libertar a palavra para as controvérsias -, quero apenas enfatizar as veredas de como realizá-la, o que impulsiona, mas o termo melhor é frígido, “modo frígido”, comunga mais com a idéia que venho laborando, desenvolvendo para expressar a ausência de talento para escrever a vida? Dever-me-ia sentir envergonhado ou inferior por não possuir esse talento? Quem o possui? Quem o possuir tome-me a palavra e expresse com todo engenho. Serei todo ouvidos e considerarei com dignidade o que merecer ser considerado, reconhecer-lhe-ei a sapiência, a ciência de seu saber.

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Só para iniciados, a quem a pena não revelou ainda seus limites, mesmo intentando com todas as forças, energias espirituais serem mestres das virtudes, os que vivem nas nuvens do orgulho e da lisonja, das saltitâncias do sucesso, rebolados da fama, performances teatrais da arte da representação da glória, a vida torna-se fragilmente verdadeira... O tempo incumbe-se de mostrar-lhes as ineficiências no conhecimento da vida, por mais conheçam, pouco, mui pouco conhecem.

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Será que não sei mais do que estou dizendo, o que digo? Sou curto de pensamentos, nada sei dizer. Sinto-me muito bem com o meu silêncio. Perdi-me no veio dos sentidos, agora é escrever sem metas e diretrizes, sem propósitos e campos do caminho, deixar a pena deslizar na linha sem eiras e beiras, até não me importando com a caligrafia, ler quando terminar e intuir o que provavelmente intuí, a intenção tivera, o que talvez haja querido significar. Por que insisto em escrever, se não sei fazê-lo, e mesmo que isso acontecesse, soubesse-o, a escrita fosse objeto de investigações de suas mensagens, solo de reflexões e meditações, teria algum valor? Sei que não teria. Um homem não peca por ser ingênuo, inocente; aliás, sê-lo, é uma virtude, dependendo do ponto de vista por que olha e analisa.

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Que hipocrisia deslavada acabo de registrar! Terminado o escrito, jamais releio, não por saber que não vou aprovar, não satisfaz as intenções, estar mal escrito, haveria de elaborar mais a estrutura das idéias, aquelas cositas da “neurose de perfeição”, mas por a jornada das letras impressas continuar o seu itinerário, análises e interpretações dos ledores, tenho, sinto medo indescritível delas, tornar-me mal visto pelo que penso e sinto, nada do que digo tem mínimo valor, o melhor seria ficar calado, sou zero à esquerda, desvairado, louco de pedras.

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Tudo se me escapou sem eu sentir. Não sarrabisco mais uma hipocrisia, far-me-ia sentir tão desprezível, dizendo haver na escrita momento em que a pena toma a mão e escreve por si mesma, metáfora das letras transcenderem as contingências quotidianas, embora isto seja real. Escapou-me a razão que direciona os interesses, intenções e propósitos. Escapou-me a sensibilidade que mostra os sentimentos a habitarem-me do vivido e do desejado, das experiências e do querido viver. Aliás, nada do que desejei foi realizado. A tragédia do vazio extraviou os rumos e diretrizes havia traçado, restou-me inventar, criar, artificiar o que daria continuidade à existência, constituiria o meu destino. Escapou-me o intelecto que tece os pensamentos e as idéias com as linhas dos sentimentos e emoções, habitando os sonhos e utopias. Escapou-me, sobretudo, o desejo de confessar-me, dizer uma verdade mui íntima. Mas que verdade é esta? Existe verdade íntima, uma apenas responsável pela minha existência, constituindo valor, virtude inconteste? Posso inventá-la para me justificar. Justifico-me, mas permanecem as fraquezas e as impossibilidades do saber o que há de vida em mim. Acabar de preencher a página em que escrevo custa-me nada.

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No rosto in-concreto do sonho e do ideal, na face irreal da utopia, varando o espaço da mente que pensa e questiona, sento-me, mesmo que inquieto, na quina de um pensamento destemido, ousado, o que me surpreende em demasia, deixando-me suspenso na realidade das coisas incompreensíveis do mundo e da vida, noutra palavra mais condizente, séria e sincera com o que, em verdade, sinto-penso, “VALENTE”. A valentia decanta sábios de suas cátedras, não conhecem nenhum melhor sentido da vida senão olharem as contingências de viés, habitam a essência da vida. Aniquilo a transitória, mas poderosa matéria, e detenho-me pena! Esse disparate da pena é o mais digno de uma decisão de prévia virtude a ser conquistada – só o tempo identificará ser verdade ou um impulso, no momento crucial de solidão e angústia, de quem nada é no mundo, apenas um “ninguém”, só pensa-sente, mas é nesse silêncio que mais me mostro, olho as coisas como são. Não é a mesma coisa sincera, séria, descrever com sangue e ímpeto os sentimentos que escrevo com tinta azul claro a alma que delineio com a acuidade da caligrafia o mais legível, o espírito que inspiro além do bem e do mal, além das intempestivas considerações de uma re-versa – quiçá in-versa, bem não o sei – de uma confissão notória de um homem quem descobre nada pode des-fazer os mistérios de existir, considerações do quotidiano da verdade e da in-verdade.

RIO DE JANEIRO(RJ), 18 DE MARÇO DE 2021, 14:40 p.m.          

 

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