**COM A VERDADE NA MÃO** - Manoel Ferreira


Sebastião Trogo, professor de Existencialismo na Universidade Federal de Minas Gerais, um dos grandes conhecedores da doutrina existencialista de Jean-Paul Sartre - já falecido.
Antes de ser seu aluno no Curso de Mestrado na mesma Universidade, ficara conhecendo uma de suas gafes. Seminarista, e no Seminário onde estudava era proibido ler Sartre, especialmente O SER E O NADA. Assim, um grupo de seminaristas entraram em contato com o livro. Decidiu desfacelar a obra. Cada um ficaria com uma parte. A de Trogo era A Psicanálise Existencial. Começara aí a trajetória de Trogo no Existencialismo. Lera sua parte com todo ímpeto e dedicação, apaixonara-se. Saíra do Seminário. Matriculara-se na Universidade.
Na primeira aula, o professor fizera a cada um dos alunos a mesma pergunta: "O que você já leu de Sartre?" Trogo dissera que lera O SER E O NADA. O professor desconfiara. Perguntou então quantas páginas tinha o livro. Trogo dissera o número de páginas da Psicanálise. O professor deixou passar a sua mentira deslavada. No final, chamara o aluno em particular: "Trogo, O Ser e o Nada tem exatamente 765 páginas. Começar uma trajetória filosófica mentindo é um despautério. Seja sempre verdadeiro."
Na terceira aula do Mestrado, O Existencialismo, Trogo fizera-me a mesma pergunta aos alunos. Chegara a minha vez de responder: "Tomando em base que leio Sartre desde 1975, tendo já concluído a Licenciatura Plena em Filosofia na Universidade Católica, já li muitas obras dele, mas a minha paixão é A NÁUSEA, em termos da Literatura, e da Filosofia propriamente dita é O SER E O NADA." Estava com a obra sobre a mesa, abriu-a, apanhou um excerto: "Todo ente nasce sem razão, prolonga-se por fraqueza, e morre por encontro imprevisto. O que significa esta frase na obra?" Já conhecia a sua gafe, estava com intenções de "pegar-me na curva", para justificar a sua gafe no passado. Disse-lhe apenas: "Esta frase é o eidos da obra: sem a compreensão e entendimento dela, qualquer conhecimento e entendimento do existencialismo sartreano deixará a desejar." Só respondera: "Òtima, excelente resposta..." Jamais nos dois anos de mestrado, Trogo comentou comigo sobre o acontecido, a sua mentira.
Em A Náusea, Antoine de Roquentin, o protagonista, se pergunta num momento de extrema angústia como se pode mentir tendo a verdade nas mãos?
Fora-me uma grande lição a gafe de Trogo. Existir é estar de frente com todas as contingências, con-senti-las, assumi-las, vivê-las, o sonho sempre do Ser. A mentira é conduta de má-fé, fuga da responsabilidade com a existência.
Com o Trogo mesmo, durante o mestrado, aprendi com percuciência o papel da "ipseidade" e da "facticidade" na estrutura do nada na consciência, e só lendo Rollo May, psicanalista de origem existencialista, isto pode ser entendido. Vivê-las realmente custaram-me dois processos de terapia, o primeiro assim que terminara o mestrado, 1986, o segundo em 1998, quando entrei no consultório de Dr. David Mendes, dizendo-lhe abertamente assim que me deitei no divã: "Estou aqui para ser escritor". A ipseidade e facticidade foram pedras de toque para a consciência do Vazio que me habitava, como buscar a superação e suprassunção dele na vida e nas letras. Desde então com a verdade na mão.
Apresento a origem. Dissera antes a minha paixão na tenra infância era um pé de jabuticaba no quintal de minha residência: amava ficar sentado debaixo dele, recostado ao tronco. Fora sentar-me lá numa manhã. Antes de chegar, senti uma sensação indescritível, tive medo, corri para o quartinho de costura de mãe-Dinha, vendo uma folha de jornal pedi que me ensinasse a escrever e ler, tinha três anos e oito meses. O que senti fora o Vazio, ali a revelação de meus dons e talentos literários.
Por vezes, Graça chama-me a atenção devido à minha coragem de descrever, relatar, confessar certas situações e circunstâncias, tem medo disto denegrir a minha imagem. Só lhe respondo: "Não sou um homem pronto e acabado, poste de cimento armado. Lindo, gostoso, minhas letras saborosas. Tenho as minhas misérias, orgulho-me delas. O leitor não pode saber apenas dos caminhos na Literatura, precisa saber dos caminhos na vida: só assim irá conhecer o homem por inteiro". Hoje mesmo, ela chamou-me a atenção devido haver cagado na calça na faculdade. Rimos à beça.



Manoel Ferreira Neto
(*RIO DE JANEIRO*, 21 de outubro de 2016)


Comentários