RINCÃO ISOLADO DE IDÉIAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




Precisaria, quem sabe, de tempo a mais a fim de me imbuir de idéias que expressasse em estilo transparente o que pensei abordar, sem isto de insinuar aos gênios, com toda a gentileza e generosidade. Aos outros, não seria mister fazê-lo; logo perceberiam nas linhas as intenções, cada um ao seu modo e estratégia.


Se assim fora decidido iniciar, num espaço mínimo de chão de terra, molhado por ter chovido um pouco durante a madrugada, antes do precipício se anunciar, nem mais um passo, a queda é inevitável, aconselhável voltar alguns passos, pois não saberia quando a vertigem acontecesse, as vistas turvas, o corpo enlanguescido.


Esqueceu-me o termo a ser usado. Ao pontuar, lembrou-me, mas, de imediato, surgiram dois, “vestígio”, “vertigem”; este último era o de que necessitava. Não dei prosseguimento à primeira frase escrita. Retornei e terminei o que havia deixado suspenso com os retrógrados “três pontinhos”, de cujo nome técnico me esqueceu. As retrógradas reticências. Efetivamente, para agradar a gregos e troianos, todos os que seguem o rebanho, veem no final da frase três pontinhos, chamam de "três pontinhos". A linguagem popular é a súpera, pois que todos entendem. Fico eu com a culta. Trata-se tão somente de ser a minha identidade. Vou deixar a mim próprio em detrimento de seguir o rebanho dos três pontinhos?... Jamais o faria.


Interessante haver surgido duas palavras, não tão semelhantes quanto as outras, “aspas”, “reticências”, sendo esta de que necessitava.


Necessitando de mais tempo, elaborasse as idéias, estilo, estética, beleza, melhor seria registrar em pedaço de papel qualquer – aliás, tenho à direita, sobre a mesa empresarial, cor azul, um bloco de notas de restaurante.


Por-me-ia a escrever outra coisa surgisse de imediato, e só interrompendo ao sentir nada mais haver que registrar. Algo que já “nasce pronto”, a inspiração pura. Não iria adiantar insistir nisto. Aparece sem mesmo um aviso, um toque de leve.


Experimento acessar o som, ouvindo música. Em verdade, só agora, após uns dez minutos, ouço. É parte de mim fazê-lo, o que me auxilia no estilo de dizer as coisas que me perpassam por inteiro. Gastar três minutos e meio para registrar estas palavras é muito tempo para dizer que estou inspirado.


Esqueceu-me estar com sede assim que me sentei à cadeira de balanço, pondo-me a escrever sobre a necessidade de mais tempo para elaborar no espírito o imbuir de idéias, quem sabe me perdesse na ribanceira que se anuncia a pouca distância. Levanto-me, indo até a torneira, em cuja pia está um copo de vidro, tomar água, saciar a sede que me tomara estando a abrir a porta.


Adquire-se certos hábitos. Ao entrar no escritório, dirijo-me à biblioteca ou me sento à cadeira de balanço. Esquecer-me de beber água. Isto é sério. Digo isso, interrompendo-me, passando a cofiar a barba. Decidi-me passar o ano inteiro, a última vez que a fiz fora na passagem do Ano Novo. Estava tomando banho, antes de sair de casa com a senhora, indo comemorar nalgum restaurante, tomando cerveja, comendo algum petisco.


Sinto dificuldades de continuar. Nada estou entendendo do que escrevo, confundo “alhos com bugalhos” ou misturo água com óleo, óbvio sendo que este último estará na superfície. Perdi-me nisto das entrelinhas, trancafiei-me no interdito, e não há distinção entre as letras e a vida, o limite de uma e outra transparente, lúcido e consciente.


Quem sabe se me fosse dado me refugiar num local bem protegido, rodeado de matas ou rios, à beira-mar, circundado de bosque, por algum tempo, pondo-me a pensar neste limite a que me referi letras antes, não sendo o objetivo de criar um som de bronze cristalino, o ressoar de um sino na catedral distante, não tanto que não se lhe veja ostentado aos tempos, através de fomes milenares, sedes seculares! Ao retornar, iniciasse novo estilo de vida, distante das palavras, de sentidos, de tudo que lhe diz respeito. Só se necessitasse de deixar bilhete para a senhora ou uma carta para alguns amigos daqui distante, na memória sempre presentes.


Cruzo as mãos na nuca, os braços abertos, recostado à cadeira de balanço, as pernas cruzadas, olhando o maço de cigarro que se encontra sobre a mesa, pensando o que mais registrar apenas por fazê-lo. Isto registro, retornando ao encosto da cadeira. Difícil. Quem sabe amanhã ou depois se ler o que está escrito aprecie e até pense haver sido vestígio de inspiração que me ficou por dentro nalgum local bem protegido, rodeado de matas ou rios, estivera antes na serra, fazendo caminhada.


A intenção de abordar o tempo que gastaria para me imbuir de idéias o que pensei antes abordar. Pensara abordar o vestígio de inspiração me ficou por dentro, não sabendo quando a inspiração se me revelara e por algum motivo ou razão não a percebi. Ao sentar-me, iniciar a registrar as palavras nalgum segundo se mostraria nítido o que desejava abordar, escondido nalgum recanto seguro.


Interrompi-me por necessitar de fósforo para acender o cigarro, tendo de ir ao ateliê da senhora, onde ela se entrega às tintas, à pena, à leitura, indo à despensa. Esqueceu-me, tomando café, retornando. Chegando ao escritório, lembrou-me haver esquecido do fósforo, tendo de retornar. Poderia arriscar a dizer categoricamente que inconscientemente vou armazenando situações de esquecimento e lembrança para me sentir capaz de realizar o que antes pensei em abordar, mas gastaria tempo longo e a intenção era que fosse escrito de imediato. Tudo isso, se com inteligência e sabedoria, poderia ser utilizado até mesmo para aprofundar a idéia do primeiro esquecimento do termo, haver surgido súbito dois termos semelhantes, guardando as diferenças, “vestígio”, “vertigem”.


Disse-o. Se amanhã ou depois ler possa apreciar, julgar-me ser estratégia interessante de que me utilizei para abordar o que antes pensei, não o sabendo. Quem sabe descubra o que era, deixando-lhe perder-se por não haver observado com perspicácia! Possa então iniciar outro escrito e este de súbito seja escrito como antes desejei com este. Realize-o ainda mais.


Interrompo-me. Dirijo-me à torneira da pia onde se encontra o copo em que nele tomo água. Está evidente que me estou forçando a dar a luz a idéias que só existem a nível de imaginação, de criação.


Sentado à cadeira, aliso a cabeça com ambas as mãos, descendo-as até ao pescoço. De súbito, tomando a escrita com estes gestos, esperando que me auxiliem a deixar a idéia de “vertigem” e “vestígio” cuja presença perpassou todo o texto que venho escrevendo faz oitenta minutos, correspondente a hora e vinte minutos, o que é muito tempo para o criar no desvario de sentimentos e experiências, em cujo rincão isolado de idéias, sinuosas e sem fim, de aclives e declives cheio com um corpo de serpente que caminha e coleia...


Se o que se anuncia nas entrelinhas é o que antes desejava abordar, sabendo iria necessitar de mais tempo, não sei afirmar por não saber o que era. Quem sabe se no futuro indeterminado, não sendo amanhã ou depois, possa lembrar-me desta manhã de sábado e descobrir o que me perpassara por inteiro deixando vestígios de inspiração profunda e misteriosa!... vertigem de deixar-me ser levado espontaneamente ao abismo, consentir a longa viagem adentro dimensões sensíveis, psíquicos, emocionais, alfim o homem há-de ser por inteiro.


#RIODEJANEIRO#, 18 DE MAIO DE 2019#

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