ALÉIAS A SEREM ALEADAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA-CERIMÔNIA DO ADEUS




No mais estou indo embora...


Em mim a memória de instantes os mais preciosos, alegrias, sentimentos e mais sentimentos fluindo livres, e tantas aprendizagens outras que modificaram a visão das coisas e do mundo, vislumbrei outros ideais e desejos, alumbrei outras perspectivas de re-fletir as travessias para a vida de querências de completudes, desejâncias das volúpias do prazer. Muitas aprendizagens sim.


Se senti a presença da vida com as aprendizagens assimiladas, experiências e vivências que des-abrocharam outras idéias e pensamentos, por que ir embora? Não deveria desenvolver e amadurecer o novo homem que se presentificou? Inscrever a felicidade no tabernáculo dos verbos eternos?


Por mais que hoje seja outro à luz do vivido, estou contente, mas além há outra vida, novas perspectivas, novas sorrelfas de vontades, novos projetos para a realização de quem sou. Não diria que nada me satisfaz, o pouco é tiquinho, pensar grande é o tesouro da plen-itude; digo sim que viver está sempre além, quanto mais se vive mais se tem para viver, é nunca perder a ousadia de se entregar a outras buscas, nunca perder a volúpia de outros conhecimentos.


Além voejadas as querenças e devaneios, as asas abertas, inertes, deixando-se levar pelo vento, o humano-águia esvoaça suas desejanças e vontades, abraça-se a elas, esvoaça alto em direção ao infinito da utopia do ser, ganha altura e resgata, recupera a integridade e liberdade. A mistura de vento e brisa, de orvalho que mescla a noite aos esplendores à luz das estrelas, contribui para dar a mim a medida de minha identificação com a solitude e o silêncio do campo, das montanhas. Através desta magia posso modificar os sonhos que não passam de ilusões [antes, e de maneira mais pura do que o poderia eu fazer, delineio esboços, o sentido e a imagem de um olhar], entregar-me de corpo e alma aos desejos iluminados em seus valores eternos como imagem e como visão fugaz da própria divindade.


Vêem lúcidos nas curvas de montanhas outras a mão que vibra de sentido, posta livre, e os dedos que se movimentam de um lado para outro comungando os gravetos de verbos articulados em cada sonoridade de língua, um refúgio e uma libertação, como a voz da Terra, que é Tudo e ninguém é ninguém. Um homem pequeno de desejos, tiquinho de vontade, mero grão de sonho é um paradoxo, embora isto é um homem, o oposto do mundo da loucura, devido às moléstias psíquicas tantas, não é a verdade e a certeza, não é a liberdade e a segurança, mas a feitura do destino próprio e o compromisso total, completo com ele. O grande e inestimável trabalho do homem até o presente instante, até este instante-limite, até agora, nas suas algazarras de projetos enxerga seres silenciosos e mágicos deslizarem ao seu lado, anseia pela felicidade e a descrição, verbalização deles.


Estou indo embora...


Mas deixo a minha sinceridade, a dignidade das atitudes e gestos sensíveis: não havia conhecido inda o que é o sentimento de felicidade, sentir sempre o impulso de regar o verbo do tempo com as águas, com as lâminas das águas das esperanças do eterno perene que orvalha a alma de outros confins da verdade, do perpétuo imortal que sensibiliza a memória do verbo-espírito à continuidade do etéreo...


Gotas de orvalho ou chuva adornam as ausências que se elencam no vidro da janela em procissão, ao estilo e linguagem de diadema de diamantes puros, como se elas, as ausências, fossem as princesas da noite.


A brisa da manhã, fresca e agradável, balsamiza-me o corpo inovando e renovando a carga de oxigênio, de palavras fora das amplas janelas, para viver.


O frio da noite, refrescante e simples, oferece-me calma, compensando-me as palavras que não pude pronunciar, os desejos que não pude realizar, os sonhos que não pude concretizar, sabendo que outros irão surgir e, maduro, ah, isto estou, para buscar a síntese de todos os outros que se foram e virão, a roda-viva continua, o catavento no alto da serra continua girando ininterruptamente. A memória de quão careço eu do sonho além da vida, da liberdade além da magia, utopia do verbo-de ser, ação à distância.


Aqui conheci as dimensões da alegria, os volos do prazer, a felicidade dos ideais e sonhos, acima de tudo a sin-estesia da vida que se compõe com idílios son-éticos do amor aos ritmos e melodias da canção do sublime, e esta sinfonia só se presentifica com a lírica das andanças, hoje aqui, amanhã ali...


Não me entende, compreende por estar indo embora, que saltito de felicidade e alegria com as conquistas e realizações compus, versifiquei, versejei, poematizei, continuo as andanças, o grito da querença de resposta para as magias do nada e vazio, retinem as badaladas do pêndulo do relógio de parede. Dentro da caixa de correspondências, alumiados e tépidos, os testemunhos verbais dos sopros robustos prestes a silenciarem, solidão e calma e vazio, silêncios e leveza e nada, outras aléias a serem percorridas.


Além aleadas quimeras e fantasias em cujas sinuosidades, ziguezagues de per-curso, de-curso, as dialécticas do devaneio e a perquirição chamejante das intenções e desejos das utopias e verbos, a fome dos seres esvoaçantes em seus voos nos ares, itinerário, deixam-se ir livremente, sentidos, significados, situações patéticas, circunstâncias enternecedoras, de luzes que não ofuscam, não cegam e brilham, cintilam através das gotículas de água esvoaçando no ar, gotículas que as mais revoltosas marés sarapalham, desejos e esperanças são sêmens da liberdade ser em questão, estar sob investigações assíduas pelos tempos e épocas; são sinos à Hora do Angelus badalando nas catedrais, igrejinhas, matrizes, ouvir o cântico do anoitecer sensível ao ritmo das perquirições e e sonhos talvez o silêncio dos mistérios e enigmas revele o som do pulsar do coração, o coração pulsando sob as chamas ardentes da liberdade, na ousadia o mundo re-começa. Além aleadas as trilhas por onde traçavam os passos, deixando as marcas, certas páginas são sensíveis, certas ideias e ideais, certos papéis e representações possuem a mim, arrepio de violino ou vento, mister a continuidade, o ser verbo-da liberdade carece das atitudes e ações, de patentear a verdade das contingências, carece do destino próprio.


Sou um homem tão estranho que a felicidade no de-curso, per-curso, trans-curso do tempo acaba por me nausear, angustiar, sentir-me entediado, sempre senti que o silvestre das sendas e veredas são feitos de contingências e buscas, dores e angústias, e sempre a imagem da vida re-fletida no espelho do além, cumpre torná-la a face do espírito, semblante do ser, fisionomia do verso-uno, gruta do sentir as gotículas de água caindo das estalactites na lagoa, caverna do pensar o pensamento que pensa o que há-de ser. Vou pegar o meu presente em cada frase que morre, em cada oração que re-nasce das cinzas, o que um indivíduo na loucura de suas contradições e nonsenses diria a si mesmo, quiçá dissesse com toda a empáfia:


"É preciso ter coragem para ser livre; é preciso ser livre para ter coragem." Vertigem de me perder, de tudo negar, de não me assemelhar a nada, de quebrar para sempre o que me define, de oferecer ao presente a solidão e o nada, de encontrar a única plataforma da “Estação Liberdade”, onde os destinos podem re-iniciar, asceder. A tentação é perpétua. Não acredito que possa mentir com o silêncio. Penso não Ter dentro de mim o necessário para dizer uma mentira e dizê-la bem.


#riodejaneiro#, 29 de maio de 2019#

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