ARQUITETURA DE SONHOS E ARAMES GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




Pensativo e distraído, tinha aspecto agradável, constituição robusta, pouco além da média. Olhar fixo, o que é peculiar às pessoas distraídas e pensativas. Olhava sem sequer ver. Taciturno e nostálgico, acontecia-lhe, na imaginação e fantasia, mostrar-se loquaz, jovial, rindo só a Santíssima Trindade sabe de quê. Sua imaginação não passava de fogo de palha, assim que se acende logo se apaga.

Há quem acredita que diante de estilo assim, não tenha outro interesse senão mostrar a condição humana, ridicularizar e ironizar tais espíritos. Trata-se de tipo pecuniário à nossa geração de românticos e idealistas.

Interessante observar que suas pilhérias não dão resultado. Não lhes conhece as sutilezas. As bochechas começam a dessecar-se na direção das gengivas. Palhaço autêntico, inato, o mesmo que imbecil e idiota. Não negava que um espírito medíocre e tolo habitasse nele. Se fosse mais educado, não dizendo de cultura e intelecto, ter-se-ia alojado em outra parte. Ele não tem importância alguma. Se me afasto desta descrição, diria: é figura impoluta de caráter sem jaça.

Toda a sua vida, mentira e aparências. Quem mente a si mesmo e escuta a própria mentira, é capaz de gastar tempo em seus silêncios. Não mais distingue a verdade, nem em si, nem em torno de si. Perde o respeito de si e dos outros. Não respeitando ninguém, está inteiramente destituído do amor. E para se distrair, é suficiente entregar-se às paixões e gozos imbecis.

Quem mente a si próprio pode ser o primeiro a ofender-se e humilhar-se. Por vezes, creio ser agradável, deleite para o espírito, ofender a si mesmo, não é verdade? Um indivíduo reconhece e sabe que ninguém o ofendeu, nem teve intenção de o humilhar. Ele mesmo forjou ofensa e mente para embelezar, ser espirituoso, enegrecendo de propósito o quadro, que se ligou à palavra e fez dum montículo montanha.
Tipos assim são bem reconhecíveis em qualquer rincão deste mundo. São inevitáveis até para a nossa referência de figuras impolutas de caráter sem jaça. Cumprimentei-o pouquíssimas vezes, mesmo porque estava em presença de pessoas que sabiam de sua conduta. Gostavam de suas pilhérias, tinham-nas como engenhosas. Admito dizerem coisas similares que atravessam as almas humanas - não são capazes nem de voltar-se para poder analisá-las. Não há qualquer interesse em manter relação com ele. As realidades são bem diferentes. Se me perguntam o motivo porque não nos relacionamos, digo nossos silêncios serem diferentes. Não tenho paciência de gastar palavras ao léu.

Sentir prazer com as ofensas, por sentimento de estética, porque ser ofendido não somente causa prazer, mas por vezes é belo, não encontra qualquer possibilidade de relação com uma pequena utopia que habita o espírito.

Ignoro o que se passa agora entre as pessoas, mas na infância tive ocasião de ver e ouvir estes homens, nas escolas, nas famílias, meios sociais e econômicos. Na igreja, ganiam e ladravam. Recebendo o santo sacramento, a “crise hipócrita” cessava e suas almas se sentiam acalmadas. Isto me espantava e surpreendia. Ouvia certas pessoas dizerem, sobretudo alguns professores: era aquilo simulação e representação para não se dignarem a ser sinceros e verdadeiros consigo e com os outros. Podia-se citá-las como referência de figura impoluta de caráter sem jaça.

Algo de folgazão brilha nos olhos sombrios, de longas pestanas

#RIODEJANEIRO#, 18 DE MAIO DE 2019#

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