#DA FONTE, A CANÇÃO ONÍRICA DAS QUIMERAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




Tempo demais ardi em anseios - o excesso chegava a doer-me com contundência e quando estava excessivo tinha que dar de mim, livrar-me da pressão e voltar ao estado de indiferença -, perscrutando o longínquo, até que com-preendi o alimento da sabedoria está no aqui-e-agora, o conhecimento está nas dores e sofrimentos, tristezas e desolações. O eco já não cor-res-pondendo ao apelo, e este fundindo-se, a mão tornando-se irreconhecível e des-aparecendo des-figurada, todos os gestos alfim impossíveis, senão inúteis in totum, a não necessidade do canto, a limpeza das cores... a transparência da imagem.

Tempo demais gastei ouvindo as fantasias dos poetas, as crendices das multidões, da plebe. Andam eles na calçada esquerda da rua direita, ando na calçada direita da alameda esquerda. Tempo demais pertenci às algazarras da paz, da solidariedade, da compaixão.

Tempo demais reneguei ser partícipe das finesses, diplomacias, tapinhas nos ombros, atitudes que abriam portas, cancelas, porteiras para as conquistas e realizações as mais diversas, alfim tudo isso não passava de ser capacho das ideologias, princípios, dogmas, tabus, preceitos. A minha natureza de rebelde, revoltado, irreverente, insolente seria a via dos próprios passos.

Pertenço à solidão, hoje. Falsos valores, hipócritas virtudes, palavras ilusórias: são estas as desgraças deslavadas dos mortais, a fatalidade ressona, dorme, tira soneca neles.

O ser verbo de sonhos literaliza a angústia das imperfeições, a náusea das mais-que-imperfeições, o vazio dos limites, o vácuo das fronteiras, trans-literaliza os atos falhos e incapacidades, os lapsos da memória. A essência verbal da carne pres-ent-ifica o abismo das melancolias, a gruta de estalactites das nostalgias, a cisterna de água fresca e límpida das saudades, o nada das ipseidades e facticidades, vers-ejando o nada das esperanças, vers-ificando a nonada das utopias, a travessia das "querenças", a sétima lâmina dos desejos corta simples, em sublimes fatias, as buscas do absoluto, os volos da verdade. Assim é o caminhar de todas as coisas: ordem-desordem-interação-nova ordem. O caos nunca é absoluto e a ordem, jamais estável. Tudo está em processo permanente e aberto, em busca de um equilíbrio dinâmico.

Para estes poetas de hoje, não quero ser a poética do fogo; para estes sábios de hoje, não quero ser a luz, não quero chamar-me luz; para estes sonhadores de hoje, não quero ser raios numinosos. Quero, a estes, cegá-los, silenciá-los. Há uma demoníaca, mefistofélica hipocrisia nos que querem o que está para muito além de suas capacidades, dons e talentos. Nada é mais raro e precioso, aos meus olhos, do que a honestidade, a virtude da integridade, dignidade.

Nos intervalos secretos da alma conjunturas, instantes, vocábulos não fluem expressões, des-apoquentação, carmes, estâncias não asseveram o carme construtivo, incomunicação, renques, alamedas, terreiros, locais interiores, veredas ermais, sendas remotas e retrógrados apetites, no corpóreo a comparência da chama, da brasa, sem desígnio, sem orientação, sem desconsolo, sem moléstia, sem constrição, sem taciturnidade. Nentes. Incomunicação. Ermal.

Sentindo-me distante, deixe-me vagar pelo deserto, onde não há rumo, destino - exuberância do ser libertador. Sentindo-me disperso, deixe-me cantando a canção onírica das quimeras, no canto quieto, inquietas as sensações dos questionamentos sem respostas, perguntas des-conexas, sem sensos e lógicas, sou vazio de id, ego, superego, feito fortuitamente do inacabado frutífero, sou o branco das páginas sem linhas para escrever, sou o "ec" sem "sistência", porfio no que andará pelo espaço, pervago solene pelas nuvens azuis, pelo branco horizonte do infinito.

Deixe-me distante, deixe-me disperso - quiça as ad-versidades do perpétuo e perene sejam a tese, antítese, síntese do nada re-verso na imagem projetada no espelho dos rebos rijos, dos etéreos diamantes que trans-literalizam as insolências do inferno, divinas comédias da poesia sem poiésis, da prosa sem eidética, tudo que cunha e que desabrocha é embrião em prenhez de índole ou Númen, a arte pura da des-fantasia, a metalinguística inócua das trevas do caminho, águas que jorram da fonte a vereda por seguirem.

#RIODEJANEIRO#, 13 DE MAIO DE 2019#

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