PÁGINAS DE SABOR CLÁSSICO III (?) - SUBLIMES BEM-AVENTURANÇAS - REVISADO - Manoel Ferreira


Bem-aventurados os que foram a pé, numa charrete, numa caravana, cavalgando um corcel - e não mais voltaram - catar coquinhos nas pre-fundas do nada, por lá poderão degustar com prazeres e volúpias o gostinho supimpa da felicidade plena, da alegria absoluta, do gozo eterno, das volúpias inestimáveis;
Bem-aventurados os que voltaram de avisão, de carro particular, montados num pangaré - e não tiveram mais que ir - das bocas de lobo dos princípios, morais e éticas démodés, porque terão oportunidades maravilhosas de re-apreenderem o que abre janelas para além dos olhares, para além das dimensões sensíveis possíveis de sentir, de assimilarem com excelência o que significa a independência das viperinidades da sociedade, imbecilidades das religiões, cretinices das ideologias, idiotices das ciências apagadas;
Bem-aventurados os nus com as mãos no bolso, porque no inverno adstringente aos ossos não terão de usar luvas para esquentarem as mãos vazias de amor e amizade.
Bem-aventurados as tranças dos carecas, porque as "rapunzéis" da vida terão oportunidade de nelas subirem até as grimpas dos miolos e alimentarem-se do néctar de todas as des-razões, nonsenses das inteligências, nonadas da cultura;
Bem-aventurados os que às cavalitas vão postegando a escravidão à mercê da ditadura dos poderosos, coronelismo dos vencidos, por serem sem ousadia e força, porque, assim, terão chance de conhecerem o nada absoluto e a inutilidade eterna, morrerão algemados e acorrentados, conhecerão o Reino de Deus;
Bem-aventurados os que ornamentam os porcos de pérolas e diamantes, porque nem os porcos vão se sentir negligenciados de bens materiais e luxúria, nem ninguém poderá dizer que tais homens têm as mãos vazias de solidariedade com os "emmes" da vida;
Bem-aventurados os que saciam a sede dos pinguços, com a Vila Velha, oportunidade de conhecer as zagaias do tempo, a fome dos maconheiros, porque receberão dos céus as dádivas que só são entregues àqueles que ajudam o próximo;
Bem-aventurados os podres de instintos, porque jamais poderão ser acusados pelos sem senso e razões de desnaturados e abaixo dos equus asinus;
Bem-aventurados os que sobem e jamais descem a Alameda dos Proscritos, porque assim poderão sentar-se nos auspícios da Montanha dos Des-ajustados e con-templarem o Chapadão dos Des-validos, o Pampa dos Hereges;
Bem-aventurados os que descem e nunca sobem o abismo, porque nas suas prefundas não terão quaisquer oportunidades de vislumbrarem a cintilância das estrelas, porque ela lhes turvava as vistas;
Bem-aventurados os que só se alimentam do bofe das ovelhas perdidas, à farofa com cebola e cebolinha viçosas, porque assim saberão com percuciência o que é isto - pastar num vale de capim meloso;
Bem-aventurados os loucos e alienados das dores e sofrimentos da con-tingência, porque nos manicômios em plena interação com os capachos, cúmplices e álibis se divertirão com a felicidade e alegria da posteridade, nem terão de subir aos céus e passearem no paraíso celestial;
Bem-aventurados os lúcidos e racionais de orelhas grandes, porque não as terão de conservar em pé e inertes com os despautérios e mesquinharias do novo século e milênio;
Bem-aventurados aposentados alcoviteiros de esquinas e portas de cine teatros, botequins, porque ocuparão as cadeiras do Olimpo dos Deuses com a razão pura e prática do conhecimento da condição humana neste vale de misérias e mesquinharias;
Bem-aventurados os que andam de ponta-cabeça, porque assim só criarão calos no topo da cabeça, os pés continuarão lisinhos, lisinhos, não se sujarão com o lixo deixado nas ruas, becos, alamedas, avenidas pelos servis dos princípios morais, éticos dos poderosos.



Assim, recitava, declamava, cantava o mendigo Jô Duas Orelhas todas as manhãs, ajoelhado frente à igreja Matriz, num banquinho de mármore, quando todos os funcionários das lojas comerciais estavam chegando para mais um dia de labuta, e todos ajoelhados às portas dos estabelecimentos faziam o nome do Pai munidos de toda a fé.



Manoel Ferreira Neto
(27 de janeiro de 2016)


Comentários