#Por que? – DESTE MATO NÃO SAI COELHO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ====


Por que? Eis a solene perquirição.

E são tantos os “por que” não respondidos, mal respondidos. Acumulam-se. Perdição, confusão. Olhares dispersos, instantes-limites, porventura esperança, porventura sonho? A mente divagando entre o pretérito e o presente as coisas nascidas e mortas, anunciadas e efemerizadas, aqui-e-agora de nada, vazio. Ser, estar, ficar, permanecer alheio, distante com apenas uma ideiazinha medíocre que alenta e afaga o peito, os olhos não vertem lágrimas, a alma re-colhe-se à alcova, dormita o sono dos ventos per-cursando, de-cursando os sítios da terra e do mundo? Seria que a partir desta ideiazinha medíocre... alguma luz nasceria nela/dela? Na pintura, permissível colocar uma cor em cima da outra, a superposição de cores; nas letras, impossível colocar uma palavra em cima da outra, para atingir outro efeito, nelas não existe isto de superposição para atingir efeitos; e na mente seria possível colocar um pensamento em cima da idéia e conceber efeito de luz para superar e suprassumir as dores da ausência de res-postas? Idílio, devaneio, desvario.

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Senhora de olhos tristes dos vales e bosques, onde o Zaratustra de olhos tristes diz que nenhum homem vem. Meus olhos de mercadinho de Ilha, minhas gaitas blues, tambores árabes, devo colocá-los no seu portão?" Por que? Risível: o “que” em cima do “por” para atingir o efeito de qualquer resposta ser ilusão, fantasia. O segredo inestimável da vida, o mais importante dela é não haver res-posta. Se não há, por que perquirir, indagar, questionar, perguntar? As coisas presentes não res-pondem às pretéritas, as futuras não responderão às presentes, tempos que esvoaçam nas asas dos ventos.

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A companheira já dissera, e com aquela categoria, empáfia de que não há o que ouvir de não, contraditório a meu respeito, ninguém melhor que ela para desnudar-me, ser eu um "décadent", em nada vejo cosita inda que pequena de idéia, pensamento positivos, teço infímo reconhecimento a algo neste mundo.

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Sendo eu quem melhor para saber que não deixarei à toa os questionamentos, não haverá respostas somente aquando a velhice tomar-me por inteira, isso não haverá, enquanto as quimeras habitarem-me viçosas e verdejantes a pena não descansará ao lado do vaso de flores sobre a escrivaninha, a companheira em nosso ateliê.

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Ouvir sons que precedem os pensamentos, pensar os ritmos, melodias, arranjos, acordes que estão em cima dos sons ou nos interstícios deles, saber-lhes decifrar, desvendar? Pensar o que vem depois destes sons: sentimentos, emoções, sensações, desejos, vontades? Nesta trilha do que precede e do que vem depois, como educar a língua para expressar o que perpassa a alma, e ser a resposta por exemplo do que precede é a luz do que vem depois, o que vem depois é a treva do que precedeu? Perguntas, perguntas, perguntas... Fumaça do cigarro esvaindo-se no ar, dor pujante no peito, a alma encolhida, goles de vinho após goles de vinho, expectativa do prazer universal de sentimentos e emoções serenos, suaves. Ficar recostado à cadeira giratória, pernas cruzadas, os olhos fixos na parede frente, permanecer no tempo que segue a trajetória para o sítio de lugar algum, afago sensível, alfim o vazio é o que encobre, sudariza os sofrimentos de seguir os caminhos sem documentos no bolso, as ideiazinhas medíocres serem remédios para os males das con-ting-ências, antes da vida era o nada, após a vida trechos de ideiazinhas medíocres...

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Se ajo de modo menos correto, seguindo o pensamento dos espíritos grosseiros, apenas faço cometer o pecado que se torna inseparável dos tempos juvenis; para acabar com este pecado, necessário se faz terminar primeiro com a própria mocidade. Quisessem os velhos lembrar-se de que já foram jovens. Por que a velhice não precede a juventude? A juventude hoje é o sabor dos sonhos esboçados, esperanças traçadas, a liberdade reverberando a continuidade do tempo, amor à felicidade de viver a utopia do eterno em companhia do amor, da amada, construindo outras visões do mundo e do pensamento.

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Ser

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Tempo

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O ser sobre o tempo, apenas uma sorrelfa, deste mato não sai coelho, mas a inércia, ser, estar, ficar, permanecer no mesmo lugar, cria estas cositas para tripudiar as tristezas e desconsolos de não haver resposta para coisa alguma, mesmo que colocando o tempo sobre o ser, a digníssima superposição das cores para os efeitos da imagem e do belo, uma coisa é uma coisa, outra coisa, outra coisa, que magnífica, esplendorosa escapadela para a ausência de continuidade do pensamento – seria “pensamento” mesmo ou outra cosita que o valha? -, deste instante de consciência de a vida ser "arrebitar o rabo e sair na carreira", sem olhar para trás, esquecendo de quê? Da resposta colocada em cima da pergunta. Vice-versa. Brancas nuvens, pura e simples. Ainda se houvessem condições de deitar nelas e ficar observando os homens, rindo desenfreado das quimeras que inventam!

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Perquirição

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Resposta

outra superposição sem quaisquer sentido ou significado, por não saber o que precede o que, se a perquirição, a resposta, se a resposta, a perquirição. Nada precede, nada vem depois. Ventos, neve, neblina, garoas, chuvas, tempestades, terremotos, sol, trevas, brumas, noites, madrugadas...

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Sonho menos zero. Esperança menos zero. Perquirição menos zero. Resposta menos zero. O que restaria nesta prova dos zeros para identificar não haver respostas para as perguntas ao longo do nada ao eterno? Não vou sair na carreira pós arrebitar o rabo por ser “ferreira”, trago nas mãos a chamazinha do fogo da ideiazinha medíocre, quem sabe algum dia possa malhar o ferro do “Por que?”, sabendo que o farei apenas para tripudiar com o tempo.

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O anti-braço sobre o braço da cadeira, mãos pendendo, o cigarro no canto da boca, a fumaça esvaindo-se no ar, o olhar fixo na parede, a música tocando no vídeo.

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Eis que a manhã surge.



#RIO DE JANEIRO(RJ), 21 DE OUTUBRO DE 2020, 12:05 p.m.#

 

 


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