#HEI MONTADO DO AGNOSTICISMO O CORCEL# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ----


Quero o agnosticismo às avessas de seus princípios eruditos, sem perder os seus caracteres imprescindíveis à saúde dos jogos do intelecto, não podendo acreditar ser eu agnóstico devido ao sentimento de alma que se manifesta de sua presença, a Esperança presente em todos os instantes. Quero até pensar que isto de "desse mato não sai coelho" é conversa fiada, o que há de coelhos neste desejo que ora murmura nos ouvidos, é só enfiar a mão no mato, colhê-los-ei de roldão.

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Quero a lei moral seja, na realidade crua, uma lei da causalidade por liberdade e, portanto, da possibilidade de uma natureza suprassensível, assim como a lei metafísica dos acontecimentos do mundo sensível era uma lei da causalidade da natureza sensível. Quero ser entendido e compreendido que não estou ironizando o racionalismo ou coisa parecida, apenas quero jantar suntuoso de cositas que a hodiernidade nem sabe por onde passa, não lhes conhece o sabor de pitanga colhida no pé - quer coisa mais gostosa do que esta lei moral, quanto mais no alvorecer o fruto molhado do orvalho noctívago?

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Quero que o pendulum do relógio suspenso na parede silencie as batidas no instante supremo de minhas angústias, tristezas, desesperos, fases de impaciência com as coisas do mundo, pior ainda com as cositas dos indivíduos, de mim quem dissera a diferença entre os homens e as mulheres é que estas só elas mesmas entendem a si, aqueles não entendem nem a si próprios quanto mais aos outros, anunciando a solidão de minha alma nos auspícios da colina, observando o entardecer, o vazio de meus pensamentos, idéias sobre o mundo e suas viperinidades e pernosticidades.

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Quero que a areia da ampulheta na passagem dos segundos faça-me sentir profundo, abismático nada haver-de retrogradar, postegar, protelar o nada que resplende no topo da montanha, eivando-se dos raios numinosos do sol, a nonada que esplende suas centelhas, suas prospectivas de passagem à travessia para o Vedas Grand do Silêncio.

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Quero que os pratos da balança da moral e ética mostrem-se-nos em toda a glória, equilibrando-se nas conjunturas das ideologias e dos interesses, das corrupções e dos tráficos de influências, e que os valores e virtudes da humanidade do ser sejam protelados para a consumação dos tempos, nestas conjunturas de fato é impossível qualquer sensação do que possa ser. Des-virtuados e des-viados, desfilamos nas passarelas do caos.

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Hei montado o corcel do agnosticismo, e não posso admitir que as rédeas me escapem das mãos e que o corcel me leve para onde bem entenda. Estou pronto para travar a batalha. Hei efetivado os liames entre a bastardia e a rebeldia, e que os ácidos críticos da revolta corroam os dogmas e os princípios da burguesia, os preceitos da Constituição e do Evangelho.

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Quero que os amores mais trágicos do que risíveis não desçam nunca a níveis profundos de comunicação, e por isso sejam vulneráveis a qualquer situação que coloque sob um novo ângulo as pessoas amadas.

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Quero que as contra-dicções além do bem e do mal negligenciem os detalhes insignificantes do exterior, explodindo num riso tão inconveniente que me veja obrigado a retomar a palavra, ornamentá-la, arrebicá-la cujas intenções são observar os risos, as dialécticas aquém da liberdade e do rebanho de parasitas ponham em evidência um presságio anunciador de advento de alguma coisa grandiosa e fora do comum, que superem meus sonhos.

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Quero que os sinos no domus da igrejinha não repiquem no instante da comemoração da Independência do Brasil, os botequins não fechem as portas na passagem da marcha do exército, o comércio continue funcionando, o público presente entre em completo desvario e saia pulando carnaval, gargalhando doidivanamente atrás dos militares todos num lay-out de cair o queixo, ordem e progresso.

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Quero que a massagista da academia avise-me que a banheira está cheia, saia exibindo orgulhosamente o umbigo e estenda-me com prazer o sabonete na banheira, diga-me ela em tom de voz sereno, sorrindo, que pareço ter o corpo muito sensível, deveria ser explorado, daria só prazer e felicidade. Quero assistir pela televisão o Presidente da República dizer que jamais houve na história um governo que tenha se entregue por inteiro às causas populares, e a massagista dobrando-se de tanto rir para não chorar de desespero, que Política é a ciência da canalhice, corrupção, todos estão conforme os princípios do figurino, todos os seus exércitos de renas estão indo embora.

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Quero o pintor de mãos vazias das ruas, becos, alamedas esteja fazendo desenhos malucos nos lençóis, surpreso consigo mesmo com tamanho talento, o céu se dobrando abaixo de mim que jogo paciência, sentado à janela da choupana, de quando em vez olhando o oceano, o céu nublado.

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Quero que o escritor quebre a expectativa do leitor, afirme pelo avesso e devolva a auto-imagem distorcida, ressaltando o grotesco de uma sociedade e seus membros, conjunto que se pretende um modelo a ser cultuado, sacramentado, divinizado.

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Agora estou com fome, comi apenas pão francês com presunto, xícara de café extra-forte pela manhã, fome inteira que abriga o todo e as migalhas. Quem bebe Ballantine´s, com os olhos toma conta do leite. Quem lento bebe o leite, sente o Ballantine´s que o outro bebe.



#RIO DE JANEIRO(RJ), 14 DE OUTUBRO DE 2020, 14:22 p.m.#

 

 


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