A POESIA ÍNTIMA DO FOGO EM GRAÇA FONTIS - #IMPREVISIBILIDADE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira: MINI-ENSAIO FILOSÓFICO -----


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Graça Fontis não se apaixonou de amor somente pela Literatura e Poesia. Está extasiada pela Filosofia, encontrando-se a ler A PSICANÁLISE DO FOGO, Gaston Bachelard. Palavras dela lendo: "Nunca li obra tão maravilhosa quanto esta. Fosse a três anos, não entenderia bulhufas. Você, Manoel Ferreira Neto, está me ensinando a pensar." Este ensinar a pensar é que fica em suspenso. Não se ensina a escrever, não se ensina a pensar. Doa-se, entrega-se a semente, a plantação, o regar, o cuidar é de quem recebe a semente. Mas ela compreendeu e entendeu isto de modo que por vezes perquire algumas questões ou descreve o que está colhendo no pensamento do filósofo. É o fogo do desejo do conhecimento. O mestre não ensina, entrega as sementes a serem cuidadas. É cuidando das sementes que o discípulo supera e suprassume o mestre, torna-se ele próprio. Então, escrevo um mini-ensaio filosófico, tendo em consideração o que vem assimilando da epistemologia, psicanálise do fogo, o seu poema que isto retrata com esplendor e maestria.

Manoel Ferreira Neto

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O fogo é o elemento da transformação que opera sobre as duas outras massas que formam o mundo – o mar e a terra. As coisas se consomem no fogo e se criam a partir dele, o fogo e as coisas se permutam como as mercadorias e o ouro.

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O tema sine qua non do poema #IMPREVISIBILIDADE" de autoria da poetisa Graça Fontis é o "fogo", e neste âmbito encontramos versos que expressam a poética do fogo ou a poesia do fogo.

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Para perscrutarmos o poema da poetisa é mister sentir o fogo que a queima no desejo de mergulhar nas artes, na poesia, na literatura, na imagem. Assim pensemos algumas diferenças de idéias que habitam o interdito de sua obra.

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À diferença do que significava a água para Tales, o fogo segundo Heráclito é antes a fonte contínua dos processos da natureza que propriamente sua matéria-prima original. A imagem do fogo inspirava aos pré-socráticos essa dupla fabulação: de um lado, o movimento das chamas parecia dotar o fogo de uma natureza cinética, de um poder de transformação sobre os demais elementos; e, de outro, a busca pelo constitutivo material originário reconhecia o fogo como o mais sutil dos elementos.

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O rio é a ancestral metáfora do tempo, por isso a morte heraclitiana, que a poética de Bachelard valorizará, é "tornar-se a alma em água", isto é, dissolver-se na matéria do tempo. A água corrente ilustra a sensação de perda e dissipação: "Que chore as águas...". Sua natureza fluida – a impossibilidade de captar as coisas em estado de imobilidade – é representada, por exemplo, nos relógios derretidos pintados por Salvador Dalí, e essa fusão com a imagem de objetos palpáveis, dando-lhes uma aparência deformada, serve, ademais, para aludir à corrupção da matéria no tempo.

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O próprio processo de combustão, em que a emissão de fumaça parece guardar a medida da matéria consumida, podia simbolizar a regra de proporção das mutações da matéria e, por extensão, a conservação da unidade a partir da guerra dos contrários. "Evanescentes as chamas de arrosto/A funesticidade íntima e silenciosa/Das almas tremeluzidas"

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Nenhum outro elemento é tão nitidamente capaz de receber duas valorizações tão contrárias, a ponto de simbolizar, ao mesmo tempo, o bem e o mal, e que essa contradição fazia do fogo um dos princípios de explicação universal. Heráclito supõe que o fogo, elemento cósmico, devia compor também a alma dos homens, e aduzia, para tanto, duas explicações: em primeiro lugar, a natureza do fogo parece dotada de um princípio diretivo em relação à matéria (o corpo), uma vez que é capaz de moldá-la; além disso, o corpo vivo é quente, ao passo que um corpo morto se torna frio porque a alma se desprende dele.

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Pode-se considerar que as propriedades poéticas do fogo, o fogo é íntimo e universal, vive nos nossos corações e no céu – entretêm forte relação de analogia com o fogo da física de Heráclito. #Na regulamentação dos instantes/Ao entorno que revolve, extorna/Impulsos viscerais de trancar o tempo/Para que não se tornem intermitentes/Dias e noites/No grasnar silvestre da dor/Na selva ocre vertentes de muitas lágrimas/Haja o saber, a natureza expõe.../

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No que diz respeito à constituição das almas, uma coincidência se assinala. Para Heráclito, as almas virtuosas têm destino diferente do das almas comuns: enquanto estas se diluem em água com a morte do corpo, aquelas sobrevivem para unir-se definitivamente ao fogo cósmico. No calor da noite/O vento inesperado da morte/Ao antes fértil/Ora esturricado, sem vida/Sob uma luz morna da tarde/Olhos tingidos pela cor dos desvalidos/Onde o cinza se estende nos sombrios vãos/Do que era abrigo de todos os cânticos e cores..."

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As almas virtuosas, para Heráclito, pertencem aos homens que morrem em batalhas: como suas vidas são ceifadas na plenitude da ação, a constituição de suas almas, no momento da morte, é de fogo intenso.

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Mas o poeta não poderia ser digno dessa morte virtuosa? "O vento inesperado da morte/Ao antes fértil/Ora esturricado, sem vida/Sob uma luz morna da tarde/ Como vira o filósofo Heidegger: ruína e decadência só se apresentam numa luz negativa para uma exposição superficial. A ruína é a contingência que possibilita o Ser abrir-se para a claridade de si mesmo.

Manoel Ferreira Neto

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#IMPREVISIBILIDADE#

GRAÇA FONTIS: PROSA POÉTICA/FOTO#

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Que esta manhã nebulosa

Não turve meus pensares

Nem o olhar vítreo

Vencido pelos signos

Ao declararem angústia e dor

Ainda que haja inspirações suspensas

No varal de meus sonhos inauditos

Com o coração tido em compassos ruidosos

Na regulamentação dos instantes

Ao entorno que revolve, extorna

Impulsos viscerais de trancar o tempo

Para que não se tornem intermitentes

Dias e noites

No grasnar silvestre da dor

Na selva ocre vertentes de muitas lágrimas

Haja o saber, a natureza expõe

Que chore o rio

Lamentem os pássaros

Chore a terra

Suas tetas já murcham

Troncos lacrimejam

Tantos são os emaranhados

Entorsos declinam galhos

Esboços disformes sobrepondo

Difusa nesga do mar

E de encontro ao ciclópico ar maléfico

Que a maresia expele

Deslizante, fétido

Sincrônicas as línguas candentes

Ao crepitarem o verde em desolação

E chore o vento em sua inconstância

Porquanto sol e terra agonizam

Ardem imensurável lamento

Formas redondas entrelaçam-se no ar

Evanescentes as chamas de arrosto

A funesticidade íntima e silenciosa

Das almas tremeluzidas

Nos últimos instantes do presente

Que se tornaram passado

Olhares petrificados conferem

O imprevisível, o caos

No calor da noite

O vento inesperado da morte

Ao antes fértil

Ora esturricado, sem vida

Sob uma luz morna da tarde

Olhos tingidos pela cor dos desvalidos

Onde o cinza se estende nos sombrios vãos

Do que era abrigo de todos os cânticos e cores

Manhãs pintadas de sons

Quando pássaros tinham ninhos

Árvores, suas raízes

Que falem as folhas esmagadas

No abismo da danação

Recônditas lembranças

Simbolos fálicos de cor, sons e paisagens

Fincados na solidão a serem esquecidos

E muitas coisas a serem enterradas

No granítico meio da destruição

Em que o hálito desvairado

Da cobiça oculta crepitou-se como livre dardo

No âmago da terra sem lei.

#RIO DE JANEIRO(RJ), 17 DE OUTUBRO DE 2020, 10:05 a.m.#

 

 

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