ÓPERA BAILE DO CORPO QUE PERFORMA O VIR-A-SER# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA


Ando a vagar. Deambulo
por todos os espaços, alamedas e becos,
não à moda, estilo Quinzinho de Parafusos a Menos,
malandramente, tirando lucros,
destilando o seu ácido crítico,
no mundo, na terra,
devoto que é do filósofo Voltaire
sátiro dos valores e virtudes do mundo,
Quinzinho de Parafusos a Menos
esquece-se de que de tanto Voltaire
cheirar a hipocrisia,
a hipocrisia passou a cheirar Voltaire,
olho de esguelha para a distância,
o longínquo com olhos de estar vivendo a liberdade,
solto.
Ventos percebidos no espírito.
Palpitação de asas sobrevive no mistério, enigma.
Dilatado.
Esquecido de mim.
Logo, não além da eternidade.
Milton diz:
"Uma criança descobre o mundo, o homem,
como a manhã descobre o dia..."
Não. Não é a criança que importa.
As imaginações.
Anseios de outro homem.
Aspirações da vida.
Desejos da felicidade.
Vontade de passear no lado esquerdo do Senna,
tomar café nalgum Cafe,
olhar a Paris de todas as luzes e belezas.
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Ponho-me a andar pelo apartamento - do escritório até a cozinha. Faz um calor insuportável e preciso tomar muito líquido. Suco de maracujá é o prescrito: ameniza as tensões,
ânsias, agonias... Mas tomo o "néctar dos deuses" com gelo e rodelas de limão.
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O isolamento entre pessoas de personalidades diferentes é pior que o exílio. O inconsciente. Discorda de atitudes e palavras.
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Pedem-me versar o "Fim"
Sorrindo, saltitando de alegria,
Tecendo palavras que o dignifiquem,
Real-izados foram os sonhos e ideais,
Contudo,
Cont-emplando o "fim" é "início"
De outros desejos,
Outras condutas e posturas diante da vida,
Outras utopias e fantasias frente à querência
De beleza
Verso, então, sobre a esperança
De mãos entre-laçadas, mentes em síntese,
Seguirmos o horizonte
De nossos olhares voltados para
O ESPIRÍTO DA VIDA.
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Verbo do nada de ser.
Coração represo,
silêncio intrínseco do mundo.
Mar branco com ondas nas lentas
dos cerros.
Barcos negros de casas,
mastros de ramos de árvores...
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Sou de verbo o nada de ser.
Silêncio profundo,
silêncio cósmico de astros
rolando pelo espaço vazio,
nuvens desprendem-se de mechas
de neve que arrasam, em planura,
a última arrogância das coisas...
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Ser verbo do nada sou.
Débil lembrança de um momento nunca
abarcado pelos sentidos,
de uma verdade só memória, sem tempo.
Cheiro real do mistério fluído da hora,
quantas vezes evocada saudosamente...
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Oco,
opaco,
seco,
impermeável.
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Letras, palavras, sentenças.
Lê-las, senti-las,
re-colher e a-colher
o que pro-jetam para o futuro,
o que viver,
a inestimável diferença,
o outro de verdades e in-verdades,
mas a vida plena.
Algo no limite.
Sem estrutura na razão.
Sem sentidos na mente.
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Areia erguida pelo vento voraz.
Dispersa mudez do ser.
Dormia. Ressonava.
Senti frio perpassando-me,
aliciando-me,
entrando no corpo.
Entranhas, ossos, carnes, pele.
Árvores de troncos roliços
- imagino haverem sido torneados e envernizados.
Deambulam agonias.
Vales imensos.
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Pós in-versos de versos
vazio inaudito, invisível
presente no saber que
há-de artificiar outros
isto é
a continuidade.
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A luz engolfa-se, condensa-se na borda fronteira do relógio - o mostrador escoa-se. No escuro, disco suspenso no nada. Caos. Som imerso no primitivo. Alucinante. Ritmos que não podem ser pensados. Melodias que não podem ser cantadas, dançadas no baile do corpo que performa o vir-a-ser.
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#RIO DE JANEIRO, 12 DE MARÇO DE 2020#

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