#CROCHETEIO O BALDIO DE EFÊMERAS SENSAÇÕES# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA



Se todo mundo vivesse ex nihilo, todo mundo se acabaria ex aliquo.
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Sinto a ânsia de me situar no infinito, o próprio infinito é tão vago, limitado e não-matéria. Procuro a matéria, concreta, precisa, como eu. Impreciso, in-explicável, sou no anti-átomo e, na ânsia de me explicar, não me realizo tão alto como o voo de uma gaivota. Queria, no momento, nem procurar explicação para a minha inquietude. Quero ir, além do conhecido, quero ultrapassar o tempo, ser melhor nos sonhos, melhor em tudo, som e luz num momento de começo ou de fim.
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Estou estático,
sou a vil matéria,
sou resíduo,
sou inconsequente
em mim mesmo.
Perco-me no ponto que sou:
de partida ou de fim,
metamorfoseando-me na busca do ser,
da auto-explicação.
Lá fora, de dia, arde o sol; de noite,
a luz e as estrelas
com a vacilante luz.
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Se eu fosse luz, apagaria o inferno.
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Quero voar acima destas nuvens brancas
- as nuvens já são brancas.
Voar bem acima delas.
Voar como o condor, voar como a águia.
Não tenho asas.
Se eu fosse vento, sopraria o meu ser, esvoaçaria livre.
Soube que nada era.
Soube que nada tinha.
Soube que nada podia. Não importa o que fizeram de mim:
eis os testemunhos dos valores,
voo além disso e o mais que se a-nunciar à frente.
A música entrelaça aos milhões os sons aos sons
Para varar, lado a lado, a alma humana
E de todo a afogar em eterna beleza.
E a brisa
- não sei se ela soprou -
faz-me voar.
Dentro da brisa
É o melhor lugar do mundo.
A gota de orvalho faz-se imensa,
sacia-me a sede.
E o néctar de flor,
onde pouso suave como uma borboleta,
desfaz sempre suave a minha fome.
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Rio sem luz, carrego nos meus braços a cruz.
Resquício de ad-jacentes espectros.
Quero imaginar o mar ondulante,
Re-fletindo raios de sol,
O melhor lugar do mundo.
Inquietude do futuro, nostalgia do presente.
Que eu esteja banido de toda verdade.
Sentimentos se re-velando livres, fluindo-se serenos.
Do silêncio in-fin-itivo, o húmus para a luz do verbo,
Para o som rítmico e melodioso do ser.
Encontro de volúpias e êxtase do que é eterno.
Ouço os ventos que, silenciosos,
Despertam as vozes dos outros seres, soprando neles.
De toda fresta soam altas vozes.
Silêncio de mim... silêncio de mim... silêncio de mim...
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Palavras dispersas flanam no espaço, sinto-as, não as traduzo, esquecem-me os vernáculos linguísticos e semânticos, sentidos que não precisam nem de portos, nem de mares, sentidos que con-templo, sentidos que não verbalizo, sentidos que não in-fin-itivo. Olhando circunspecto, introspectivo a solidão do tempo, quero o verso-uno do in-finito trans-itivo de paisagens, sinto-me distante, tão longínquo, a inspiração falha-me, falta-me, componho fragmentos de pensamentos, as emoções não fluem livremente, teço o nada de vazios da alma, crocheteio o baldio de efêmeras sensações, versifico as nonadas, versejo as sorrelfas eivadas de travessias, metáforas e sin-estesias não se movem, deixo o silêncio falar como quiser.
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Eis-me aqui sentado próximo do deserto
e já novamente longe do deserto,
sem futuro, sem lembranças,
nenhum vento úmido, nenhum orvalho de amor.
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Despido de mim,
despido de in-congruências do ab-soluto e do ab-surdo, simplesmente nu à passagem do tempo,
nada penso ou penso o nada que me pensa,
baldio de palavras,
fresca alma da noite.
#RIO DE JANEIRO, 10 DE MARÇO DE 2020#

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