DO TÉDIO À ESPIRITUALIDADE GRAÇA FONTIS: FOTO Manoel Ferreira Neto: ENSAIO



Em artigo outrora publicado, dissera estar preparando ensaio sobre o “tédio” na obra de Antônio Nilzo Duarte – obra que continua me fascinando, amando, a cada vez que a releio, li-a quinze vezes até o presente momento, neste ano que tive o imenso prazer e alegria de conhecer o homem e a obra. Na minha visão-(de)-obra-literária-filosófica, a mais importante que veio à luz na literatura curvelana nas últimas quatro décadas.
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Espaço de artigo para publicação em tablóide é bastante exíguo, mas aqui intenciono acenar para o que estarei discutindo no ensaio que me levará uns dois a três anos para a sua confecção. Assim, acredito que os leitores terão oportunidade de mergulho profundo na obra, de reconhecer-lhe os grandes valores, encontrando modos e estilos de superação de seus próprios conflitos, dores e sofrimentos.
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A moldura da narrativa nas três obras do escritor Antônio Nilzo Duarte é dada muito mais frequentemente pela angústia, tristeza, ansiedade, tédio em razão da viuvez de sua amada D. Neuza – a vida que ele com-parte com as letras, consigo mesmo, com os seus prováveis leitores, com a coletividade.
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Mister ressaltar que as obras não foram escritas com propósitos literários, sim como Katharsis, noutras palavras, um modo de superação das dores e sofrimentos, de reencontro com a identidade, de atingir a espiritualidade. O momento essencial e determinante para o homem alcançar a espiritualidade é justamente na dor, nos problemas e conflitos. Em Sentimentos da esperança, último volume da trilogia publicada, quase que constantemente, Antônio Nilzo Duarte fala do tédio que sente com a perda de sua querida esposa: “A vida que estou vivendo, muitas vezes sem querer viver, é triste, melancólica, tediosa e sem nenhum sentido” (Antônio Nilzo Duarte, Sentimentos da esperança, pág. 106), moldura que cerca e constringe.
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O homem, diante de todos os sentimentos e emoções que se lhe apresentam no quotidiano, encontra-se vivendo uma vida cheia de tristeza, vivendo de uma “consciente animosidade”, a pedra angular em que se funda para superar as dores e sofrimentos são as letras, a narrativa “verdadeira” e real de suas memórias.
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No tangente à “utopia”, seria melhor nos perguntar “O que é o amor?”. A resposta a esta questão é determinante. Dependendo dela, o cristianismo poderá ser coisas muito diversas entre si. Uma resposta idealista, que não leve em conta a contingência histórica, que pregue um amor total, absoluto, não como uma realidade utópica para a qual tendemos, mas na qual ainda não chegamos, e sim como algo que, como a uma lei, temos que obedecer aqui e agora, sem discernimento, torna-se ineficaz ou mesmo ideológico, como já foi apontado por muitos: “Este amor bem verdadeiro que existe em mim não se trata de uma conjetura, de um sentimento infundado. Ele possui os caracteres de legitimidade, dotado de uma beleza muito pura”. (Ibidem, pág. 188). Para ser força criadora através da história, o amor tem de ser busca constante de novas respostas, respostas que não eliminam eventualmente, nem mesmo a violência, como uma necessidade histórica inevitável: “Com o passar dos tempos, posso, sim, dizer que pouco a pouco estou me sentindo livre do sentimento de solidão” (Ibidem, pág. 189).
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A fórmula antropológico-fisiológica para o segredo da arte é, pois, nesta obra que estou analisando, a sublimação do tédio, a mãe das artes. Nessa formulação, o pathos da arte realmente desapareceu. O chamado mistério da arte poderia ser mais trivial que isso? O êxtase do entusiasmo pela arte esgotar-se-ia realmente em ser refúgio do deserto do cotidiano, pobre em excitações? Com isso a arte não se reduz a mero valor de entretenimento? Nietzsche coqueteia com esse ponto de vista desmistificador e redutor do pathos.
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Mas também o tédio tem seu mistério e em Nietzsche assume um pathos singular. O tédio para o qual a arte é refúgio torna-se o abismo escancarado do Ser, algo pavoroso. No tédio vivemos o instante como passagem vazia do tempo: “O meu olhar está negro e vazio como o próprio abismo sem fundo, embora pretendesse estar com ele fixamente voltado para o céu, este céu imenso, rogando a Deus paz nos meus pensamentos” (Ibidem, pág. 106).
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Nesta passagem, Antônio Nilzo Duarte não nos diz nas linhas estar olhando a vida no horizonte de sua memória, das recordações e lembranças do vivido, o amor real e vivido, mas vemos o seu olhar distante, melancólico, triste, perdido no tempo, meditando, refletindo, reunindo cada momento de sua vida – aquela mesma atitude de alguém que reúne os pedaços do espelho quebrado, buscando a sua reconstituição, a imagem volte a ser refletida, e desta vez seja ela não simples re-presentação, mas a verdadeira, a que “id-(ent)-ifica” o íntimo, o Ser que se faz continuamente. É justamente nesta passagem que inicia a passagem do tédio à espiritualidade, momento de libertação, de encontro com o espírito, espiritualização.
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A fórmula da arte como sublimação do tédio é muito significativa desde que se entenda o tédio como uma espécie de experiência do nada. Mas com isso, por sua vez, se realiza de novo a troca da fisiologia da auto-excitação para a metafísica do “horror vacui”. Nietzsche é um virtuoso dessa relação fronteiriça entre física e metafísica. Ele sabe conferir um novo encanto metafísico aos seus desencantamentos fisiológicos. Nada existe nele que no fim não se tornasse novamente inaudito.
Nada existe nas três obras de Antônio Nilzo Duarte, especialmente no último volume, Sentimentos da esperança, que não se torne a cada palavra escrita, a cada experiência narrada, que não “de-monstre” a “nossa imaginação, criadora de nosso espírito”, que não seja o desejo, a vontade de superação das dores, sofrimentos, do encontro com o espírito, a espiritualidade, que não seja a imagem do “verdadeiro amor”.
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Nas três obras, nada existe que não seja “O amor puramente verdadeiro, este nasce espontaneamente de nosso coração e se sentirá resguardado em nosso peito, por tempo ilimitado.
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Possivelmente, eternizar-se-á em nossa mente sem qualquer subterfúgio, porque nele se concentra toda a nossa devoção, convulsivamente, com toda voluptuosidade, de uma forma pessoal, completamente individual, imposta pelo instinto primitivo inerente ao ser humano”.
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A espiritualidade se mostra limpidamente no Amor sentido e vivido realmente, e assim o escritor se real-iza em absoluto, real-izando a nossa busca eterna que é o sentimento verdadeiro da Vida, o Amor.
#RIODEJANEIRO, 07 DE MARÇO DE 2020@
Jussara Duarte

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