#LIMIAR DAS ORIGENS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




À janela do meu vazio, eu. Nítido nulo horizonte linear. Imperceptível une-se ao azul do céu, in-fin-itude ab-soluta in-eks-sistente, na linha in-eks-sistente da separação que os une, da união que os separa. A vida toda está aí. Os meus olhos passam por tudo, mortos que falam ainda, escrevem suas memórias póstumas, vozes nítidas e absurdas no ar, imóveis instantes de outrora... Penso as dores no instante da feitura da consciência - sou alegria estonteante, estou-me distanciando da vigília. À varanda de minhas fantasias, quimeras, deitado numa rede, as rosas no jardim des-abrochando viçosas e ternas, manhã de novo dia, estendendo-me além das metafísicas da esperança e da fé, tentando encontrar um lugar no auspício de uma montanha, olhando o panorama do mundo, os olhos perdiam-se na frincha das folhas de um flamboyant do outro lado da rua, o in-finito se mostrando inteiro, nítido nulo o horizonte e já frio, um deus crescia dentro de mim.
----
Estava só, tão cheio de meu nada. No ponto nulo que separava a vigília que se esgotara e a que re-nascia... Mas agora, à distância destes anos, ou à distância nula da morte, agora tudo se amassa em encantamento ou em indiferença ou em absurdo - agora a rua está deserta.
----
...A não ser que re-torne para plantar na terra a semente que gerei... Meus sonhos são tão poucos, os meus sonhos. Minha alegria é tão pouca, a minha alegria. Tão pouco é o meu prazer. Não sou mais que uma combinação incerta de dúvidas e certezas, de acasos e encontros, de amor e de ódio, de encontros e de des-encontros. Em busca de um momento, em busca de uma flor, hei-de fazer-me verbo como se fosse palavra, dar sentido, ser esperança de encontro, colher a mensagem que a primavera deixou. Ombros frágeis são os meus para adormecer no tempo a graça da Criação de Deus. Eis o homem!... Eis Deus!... Eis-me in-verso, eis-me re-verso, eis-me ad-verso para tecer o verso verdadeiro.
----
... A não ser que busque a semente que pensei plantar e a guardei, dizendo que não era inda o tempo de os frutos nascerem, era preciso esperar o tempo. Quem sabe?!... Uma vez dissolvidas as tensões e livre a alma de suas angústias, depressões, fracassos, remorsos e culpas, pode-se usar tudo o que existe na literatura para mantê-la livre, e talvez até uma forma abreviada de psicanálise, na poesia para conservá-la sensível, e talvez até uma forma sinestesiada de movimentos da memória. Cada alma desesperada possui um útero de esperança que está pronto a lutar pela realização dos desejos e sonhos, pela sobrevivência e imortalidade...
----
Só eu e a luz do dia, só eu e os raios incandescentes do sol. Uma alegria nula. Indício fala no limiar das origens. Fulcro, certeza fora de mim, por mim escolhida, mas ec-sistindo na realidade, conferido com ela, ordenando-a, fixa e apesar de tudo mutável, limite máximo da minha direção, do meu impulso cego e absurdo.
----
Acendo outro cigarro. Trago a fumaça à revelia do que me trans-cende dos sentimentos de tempo e verbo de ser, expilo-a ao deus-dará de todas as con-tingências, recupero o lince de meus olhares à distância que vêem miríades de imagens que ensaiam as perspectivas da plen-itude branca da vida, iluminando-a de desejos e vontades do verdadeiro verso do espírito do eterno. Tomo um gole de vinho, sinto-lhe o sabor, um brinde às imperfeições que luzem as perfeições de alhures.
----
Alguém, à janela de suas verdades insofismáveis, sabe a minha linguagem final, a que aflora num susto a aparição do silêncio, a que sagra e a-nuncia os fachos de enigmas.


#riodejaneiro#, 31 de julho de 2019#

Comentários