#DOMINGÃO DO ATOLEIMADO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AUTO-SÁTIRA




Acordei com o sentimento de estar sendo consciente de minhas tolices, a mulher levou-me na cama a xícara com porção do Extra Ordinário, assim denominamos o café que a vizinha nos presenteou, eita cafezinho desgraçado de ruim, um perfeito tolo, e sendo domingo tive a breve ideia de lhe dar um título à categoria e pompa: "Domingão do Atoleimado"
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A intimidade nua, a mostrar-se sobremaneira, sente as sensações mais singulares de inteiração e desvencilhamento do gozo e prazer, os delírios põem-se na pista das vaidades, van-glórias, hão de ser famosos, conquistar todos os corações.
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Transcorro-me em termos afetivos, íntimos. Concilio a intimidade com a imanência, num fervor de renovação, degusto uma taça de vinho sentindo-lhe o sabor, devagarzinho, quase parando, num domingo carioca chuvoso como este, que inusitado desvario, só faltando os ovos de codorna que tanto aprecio com vinho. Insuflando interiormente, sinto-me estar. Não consigo deixar de reconhecer existe neste sentimento de liberdade qualquer coisa de inteiramente espontânea, às vezes gratuita e irrevogável, que caracteriza o encontro de percepções novas e escapa a qualquer fantasia, idílios sacudidos de tanta saúde e vigor. Só caindo na gargalhada. Imagino aquele indivíduo sem noção de que mulheres não gostam de ser chamadas gordas, muito menos de "sacudidas", com este termo então soltam os cães no engraçadinho, odeiam isto, para que este indivíduo sem noção agrade as mulheres gordas é só chamá-las de idílicas. Se a moda pega!...
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Postergam-se as emanações contingentes do absurdo e, encontradas as idéias de sossego e silêncio, extravio as sensações de perda, calafrios instintivos dos equívocos.
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Há consolo no espírito branco da eternidade. Tenho uns desejos vagos e incompletos, uma moleza voluptuosa e agradável que me obriga, inerente aos desejos, a fechar as pálpebras, respirar suavemente. Parece-me, a princípio, haver sentido uma eclosão, bem para além do inteligível, e sou uma ironia mesclada de cinismo, a sentir os pensamentos, sarcasmo jungido à seriedade de olhar de esguelha as coisas, a perquirir os sentimentos, vulcão em erupção, a Itália se cuide, as lavas cobrirão a cidade, a hora da auto-sátira. Reconheço o tempo, uma sensibilidade no seu âmago, transpareço em nível das palavras. Quem sou? Uma gota de mais e/ou de menos na taça de minhas ausências, medos - surge de verificar a distância de mim a estender-se ao longo da alma, fluindo-se espontaneamente, as coisas longínquas que me habitam e não as conheço a sarapalharem-se no berço esplendido das terras baixas, das terras tupiniquins, quem dera apenas uma pequena visão!
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O exílio de agora não será apenas manifestação, ser-lhe-ei os êxtases das ondas. A dança de uma evidência que se escova todas as manhãs. Conciliam-se raízes que se afloram no fundo do tempo e da terra à beleza muda, silenciosa. A fisionomia de uma ingenuidade proclama um silêncio indisciplinado, e o rosto da inocência perspicaz lança na consciência a sombra clara do indivíduo, as fuças da tolice quase despencando as rugas depositam, nos medos do instante derradeiro, aquele sabor amargo na boca, mas a língua jamais esmorece, há-de esgotar as suas regências e concordâncias, declinações, genitivos. Quê prato saboroso: ingenuidade, inocência, tolice habitando um indivíduo, regado do sabor da Flor Do Lácio, latinorum de primeva instância.
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Penso as contingências todas do passo sombrio - uma nitidez de ar sem poeira, sem a vibração de raios tensos e densos. Intuo as arestas da consciência, os resquícios da razão, vestígios da indagação: sou a mesma abertura de silêncio. Brilha mais puramente a brancura da realidade. Lá das profundezas da solidão, não devolvo as coisas nem as modifico, sou-lhes indiferente e também dou-lhes as costas. Um vento brando reflete no coração. A fumaça do cigarro habita o escopo da intimidade, esvai-se suavemente, tenho até tempo de versar-lhe os esvaimentos.
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Fundo-me e me absorvo na humanidade prolixa. Olho a claridade da luz. Afigura-se-me a imanência seria... uma ausência lenta. As imagens retornam a encenar frente aos meus olhos. O retorno nítido de uma cumplicidade com o sentimento do eterno agrilhoado à consciência da alma e suas voluptuosidades e volubilidades, devaneios da canabis perpétua promovida à junção da sativa e das metáforas e metafísicas e suas alucinações.
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Não posso, em verdade, considerar infantilidade o gosto estranho que sinto pela inquietude do questionamento, nem mal-estar não obter quaisquer respostas, mas considero tolice pensar o pensamento que pensa, mistérios e enigmas se multiplicam, do modo que as tolices se refletem no espelho vou acabar andando pianinho, acuidade será mister, vão-me reverenciar com chapéus em mão.


#riodejaneiro#, 04 de agosto de 2019#

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