ALÉM DA AUSÊNCIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA



E como doce orvalho a pingar do coração rumo a todos os mares na escura selva do mundo; por quanto um reger harmônico quase celeste de todos os sons que se encontram no espaço, feitos orquestra sideral, trans-cendentalizando em plenitude a Sinfonia Cromática dos tantos desejos aos presságios nos lívidos relâmpagos de corações assustados e que a mão num derradeiro afago no rosto cansado e olhos de compaixão, mais bocas de sinistros gritos a ecoarem nos precipícios ondas de misérias e angústias aos arquivos lacrados desta corte-mundo na largura de todas as dores e o ranger das almas ao ansiarem a eternidade antes de serem reduzidas a pó, assim acocoradas na claridade turbada da meia-noite.
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O erro mudou.
Mudaram as palavras de reminiscência
A louca fé vive o sonho do culto.
Tudo é oculto.
Pouco a pouco outra consciência colho,
Re-colho o segredo
Puxo a língua
A voz....
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Eis que nada sou,
No verbo de ser do nada
Reergo o desejo,
Vontade,
As esperanças,
Alevanto vozes
Sonhos e utopias
Em outro barco outra vez só,
Recomeço a ansiedade terna,
Ser o Outro.
Que de nada me darei,
A parte de nonada,
E que nada, porém o nada
De que me sou,
Me há de ter desenganado?...
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Eis que sou - nada!
Se gritasse altissonante, de por baixo
Das vozes, nada haveria de sons inéditos,
Ritmos futuristas, melodias imortais,
Tudo é justamente o mesmo,
Justificaria e explicaria a ausência de criatividade,
Se gemesse a dor incessante de não atingir a palavra
Que emite a musicalidade do nada,
Frustrar-me nesta dimensão seria doloroso,
Nada haveria pudesse enxugar as lágrimas eternas,
Se tocasse valsa vienense no violino no leito dos sentidos,
Significados, significantes, no sonema do silêncio do bosque,
Pontes móveis, "associações de idéias" da memória,
A escuridão não eliminariam o sucedâneo
De estrela nas mãos...
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Veio e foi-se o crepúsculo – Veio e não trouxe
A noite enluarada, sem estrelas, a lua escondida,
Qualquer lua;
E os homens esqueceram as paixões, nas tremedeiras
Dessa desolação; e os corações esfriaram
Numa prece egoísta que implorava luz.
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Que sou - eis nada!
Abluções visam por inter-médio
Da purificação à eliminação do pecado,
Pecadilho, moléstia psíquica,
A eliminar a própria memória do tempo
Em favor de uma temporalidade mística,
Ritualística, pura lenda,
O pecado-queda dera origem ao tempo,
Há sempre uma passagem da treva à luz,
Superar o tempo pela etern-idade,
Temos neste instante-limite uma nova Etern-idade!
Suprassumir os ventos que levaram sonhos
Pela imortalidade das utopias,
Liberdade posta em questão,
Através da dialéctica da existência dialética,
Verso antes do canto, re-verso pós o cântico,
Coro no ínterim das lacunas, ad-verso às almas
Que rogam o perdão por suas contravenções imorais,
Vozes uníssonas,
Do verso in-verso, uni-verso, latejante
No silêncio da imagem re-fletida na superfície lisa
Do espelho, na passagem infinita das notas,
Compondo a música,
Encontro de mim:
Silêncio...
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Veio e foi-se o anoitecer
E re-velara o que é isto saber existir
Voz escrita, imagem intelectual;
Outrora, quando fui verdadeiro aos sonhos,
Utopias, eram grandes os idílios,
Quê náusea da vida!
Que sono este ver-me e estar sem mim?
Isto não re-velara o anoitecer,
Ao longo da madrugada sob o tic-tac do
Relógio suspenso na parede,
Entre o que a vida fez de mim,
Na vanguarda de que noção alguma tenho,
As sombras tardam em ser levadas
Pelo vento audível
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Nada - eis que sou!
Expelir a fumaça do cigarro
Assistir o seu esvaecimento no ar,
Iluminura de manuscritos e vitrais,
A eternidade tem sua coroa de ouro,
Certos mortos estão mais vivos
Do que quando habitavam o mundo
Marginal às ambições dos homens comuns,
Acalentar sonhos in-compactíveis
O belo raramente é algo ao alcance
Da época em que surge.
A morte não vence a arte,
A arte não vence a morte,
Imortaliza os ideais, utopias, sonhos,
O tempo flexibilizando-se
E emprestando à figura forma de
Acentuada sinuosidade.
A morte e o eterno estão
Demasiadamente ligados,
Pela representação e pela realização,
Ao conjunto da construção para dele
Poderem ser separados.
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Se a liberdade não re-colhe e a-colhe os mistérios e enigmas dos sofrimentos e dores, jamais será capaz de deixar suas asas flanarem no ar à mercê dos ventos vazios ad-vindos das percuciências mais íntimas do abismo que vai muito além da ausência de seu fim, onde as inspirações e intuições são fontes da verdade nas ad-jacências do inaudito e desconhecido, onde bebem o cristalino e límpido vinho das glórias supremas, elucubrando os ápices da perfeição.
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Quê nada!... - eis-me sou!
Sou-me auscultando longínquos ritmos, melodias
Sou-me ouvindo distante notas se des-fazendo,
Criando outras dentro de outras,
Sonoplastia, efeitos acústicos da palavra recitando
Declamando as dores e sofrimentos d´alma
Engaiolada nas intempéries do quotidiano.
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O verbo amar dos sonhos
Só ipsis-literaliza o sublime,
Quando a liberdade se re-vela
De con-sentir a vida nas suas "litteras"
Do absurdo e meiguices das
Palavras silenciosas que o espírito concebe,
Cria, dá a luz, joga espontânea e levemente
Os ases da ternura, nos seus liames brilham,
Os naipes do pôquer, nos seus jogos de perspicácia,
O encontro espiritual do sublime e etéreo
Dos efêmeros da beleza e maravilha
Do que trans-cende,
Trans-eleva,
Trans-substancia o nada grávido do vazio,
Que será a miríade desértica
Da perpetuidade além das nadificadas
Sorrelfas des-sublimes do ser
Que há de eterizar as verdades,
Que há de esvaecer as in-verdades
Não há-de se saber o que opõe à verdade
Não ser a mentira, sim a "in-verdade"?
Do cântico apocalíptico de arribas
E nenhures se comungarem,
Serem versos-unos do amor
Intransitivo do sujeito que se esplende
Ao longínquo dos confetes
Que carnavalizam prazeres, êxtase,
Gozos, clímax,
E são o divino de todas as buscas
E querências de a vida ser vida,
O ser-{da}-vida...
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Sou quê? - Nada eis-me.
O uivo noctívago das silenc-itudes,
De algures e alhures se entre-laçarem,
Serem sem palavra, sem filtro, sem opala:
há um som, uma imagem, luzes, contra-luzes,
Sombras, artifícios, sabemos-lhes nos olhos,
Contemplamos-lhes, saciamos a sede de saber,
Reter na chuva, na neve, na neblina, no espelho,
Na memória, e todavia perdemo-la no ziguezague
De estradas, campos, vales, curvas e aclives,
Fazendo roda, viagem pelo tempo,
Imagens se conversam, palavras floram livres,
E tudo se resolve numa efusão de entrega e recepção,
Poder das cores e imagens, das palavras e sons,
Ao fim de um silêncio, a boca aberta
Em ira justa, questão de semântica unicamente,
Ditas noutros tons e sons, noutras melodias e metafísicas,
Noutros ritmos e sonemas,
Crispação do ser humano
Nas trilhas de pós e poeiras,
De pós e utopias da
Liberdade...
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Sou eis "me" - o quê, nada?
Quanto maior o aclive terrível é o declive em que
O coração sente as vertigens
Nas dúplices vontades!


#riodejaneiro#, 29 de agosto de 2019#

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