IMAGEM E POESIA NO ESPELHO DO NADA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA POÉTICA SATÍRICA



Sei cá palavrear de sóis! de mundos!
Toda a minha sabença é perder homens.
É ganhar mulheres nos salões de arrasta-pés.
----
Pedras rolam montanha abaixo,
Falsidades sobem picos e colinas
Hipocrisias, farsas e falsidades desfilam em praça pública.
Ventos sopram poeiras das estradas de terra a fora,
Cretinices sibilam na superfície do mundo.
Orvalho toca as folhas viçosas e vivas de rosas, samambaias
Caguinchices acariciam com ternura, amor a pele dos verbos do não-ser.
----
Voluptuosos, ardentes, efusivos
Profusos sentimentos eivados de origens do nada
Nada se me anuncia além das dúvidas
Existir é pensar? O que penso de existir?
Pensaria de existir ser algo de importância que nada se lhe figurasse, não fosse possuir de mim coisa alguma, de mim soubesse o essencial para compreender, entender a razão de sombras e risos que valor teriam. Existir por tempo, emaranhado, agrilhoado a sofrimentos, dores, por átimo de instantes prazeres, nada de respostas para as dúvidas da verdade, devaneios, existir importância não tem, nada penso de existir, existir nada(isto penso, afianço com categoria).
----
Nada se me revela além dos medos,
Nada me persuade a morte ser da vida
Ambiguidades insolentes se apresentando
À revelia de perquirições:
O nada anuncia?
O nada revela?
O nada persuade?
Ou:
O que existe além dos medos?
Existiria algo que fosse da vida,
Fosse-lhe constituinte, consubstanciasse-lhe?
----
As letras ocultas nas tristezas, desolações, insatisfações, nada há que possa dar-lhes um incentivo, tapinha nas costas de credibilidade, acenda ínfima chama, melhor assim, não estarão expostas a gafes, ridículos. Contudo sentem angústias, pretéritos são os tempos em que dançavam, bailavam à mercê de baladas de estilo e linguagem blues, performando os mais íntimos e profusos ideais dos sonhos, arrastavam os pés de alegria e felicidade. Nada hoje. Recolheram-se. Ocultaram-se. Até as suas ciências se apagaram. Tristes, sorumbáticas, não deslizam suaves nas linhas de poemas de papel, insatisfeitas por não terem ritmo, sonoridade, não pontearem as cordas da arte e da vida, não há mais a viola dos desejos de perspectivas outras do ser. Ciências apagadas. Letras ocultas.
----
O candelabro à porta da taberna fazia parar toda a gente, tal era a lindeza das cores, parava, olhava, decidia por tomar um bom vinho. Mas a sensibilidade, a espiritualidade não existiam no interior da taberna. Terminando o vinho, com um marca-páginas, fechei o livro, disse boa-noite, fui-me embora.
----
Aquando Terpsícore dançava a canção do silêncio, a canção que o silêncio entoava no seu interior, tergiversei o olhar para o público, desejei perceber em suas fisionomias os sentimentos, prazeres, emoções, êxtases, que habitavam seus íntimos, nada percebendo, quem sabe estivessem apenas analisando a representação dos atores, e o que havia em suas entrelinhas, o questionamento de nossas dores mais íntimas, os sonhos e ideais que se encontram perdidos, esquecidos. O mais impressionante é que havia um grupo de adolescentes conversando, sem prestar a mínima atenção ao espetáculo.
----
Sorri, dizendo-me que o medo e a fuga são sentinelas das idéias, dos sonhos, das utopias. Assim, é que ouço a canção do silêncio, inspirado nestas sentinelas da estesia e esperança.
----
Não acredito que as dores, os sofrimentos a que presenciei no íntimo, olhando através do vidro do carro de amigo e escritor memorialista, em que retornava a minha residência, sejam mais verdadeiros que a canção do silêncio que me habitou o mais profundo de mim, aliás, creio, foram eles que me conscientizaram ser verdadeira a canção que ouvia, que ainda ouço nesta manhã, quase onze horas.
----
Todo este ritmo, melodia, notas soam bem aos ouvidos dos meus ideais, sonhos, utopias. Tudo parece criado para os êxtases do espírito, da alma, da sensibilidade. Miro e remiro o quarto solitário, torno às consolações da esperança, à análise das notas, ritmo, melodia que me pedem que as viva com todo o furor de minha alma, de meu espírito, não me pedem mais nada.
----
Em sintonia e harmonia com estes momentos curtos e profundos, ouvindo a canção que o silêncio entoa para mim, vivo com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-me a tudo. Faço parte do verdadeiro mundo e estranhamente tenho-me distanciado dos homens.
----
Milagrosamente vivo, liberto de todas as lembranças, recordações. Todo o passado se esfumaça. E também o presente são névoas – a chuva que cai na cidade desde anteontem cessara, a tarde está neblinada. A única verdade torna-se esta canção que o silêncio entoa para mim. Todo o meu corpo e alma perdem os limites, misturam-se, fundem-se numa só estesia e esperança, suave, lendo, movimentos vagos.
----
É a renovação perfeita, a criação.
----
O que foi, torna a ser. O que é, perde existência.
O palpável é nada. O nada assume essência.
Neblinas cobrem os abismos, flanam sobre a água dos rios
Mentiras velam os medos da morte, a inconsciência da verdade
Neve respinga suave no silvestre da floresta
Simulações, dissimulações escondem as carências da alma
Chuva cai molhando o solo, a grama dos campos e pampas
Condutas de má-fé tecem raios numinosos de glórias
A lareira de achas aquece o frio noctívago
Ódios, ressentimentos, mágoas apagam as luzes do sublime
Horizontes, uni-versos esplendem os brilhos do eterno
Nonsenses sarapalham mistérios, enigmas do belo,
As paisagens do in-finito ornamentam os confins do perpétuo
As telas vazias de arte e poesia re-fletem no espelho do nada
As páginas de letras apagadas, ciências ocultas
Enobrecem, glorificam o descaso com o futuro da vida
Ritmos, melodias, acordes musicalizam o espírito da sensibilidade
A lírica subjetiva a presença da ausência de ideais, esperanças
As harmonias, sin-cronias, sin-tonias da verdade e da busca
Do outro do verbo que diviniza as contingências e trans-cendências
A cegueira da visão nadifica e nihiliza o amanhã de outras utopias
Pintores, músicos, compositores, escritores, poetas
Projectam as constelações do espírito de ser atrás da lua
Homens comuns jogam nas cartas o destino do poder
As mãos fabricam, tecem, fazem os objetos, utensílios
Os instintos dançam a coreografia das maledicências, imoralidades
Moral, ética desenham na tela do vir-a-ser as dimensões
Da felicidade,
Da alegria,
Do contentamento
Dogmas, preceitos escrevem no mármore branco da cripta
O apocalipse das trevas, dos crepúsculos, das sombras, das brumas
A coruja canta o saber, a sabedoria, a res cogitans
O sapo coaxa à beira da lagoa o ignaro, a sandice
A águia voa em direção ao in-finito, ao in-audito
O jegue empaca na travessia da ponte
Para a visão do panorama campesino
O boêmio dedilha as cordas do seu violão endeusando a amada
O bêbado cata os cavacos nas alamedas, ruas, avenidas
Vociferando suas revoltas, incapacidades, incompetências
Os mestres ensinam as regências e concordâncias verbais
Os alunos conjugam os verbos com o pronome oblíquo
...
...
...
#riodejaneiro#, 21 de agosto de 2019#

Comentários