Sonia Gonçalves ESCRITORA E POETISA COMENTA A SÁTIRA /**AOS BASTIDORES ADMINISTRATIVOS: “QUEM COM FERRO FERE COM FERRO SERÁ FERIDO”/


Outro longo e primoroso texto Manu... Muito bom ler sobre o prefeito Tarso, seu prefeito?rsrsr parece-me que não, mas o fato dele se vestir despojado não é bom? Apesar das roupas de grifes o que pode ser dispensável, lógico, mas você mencionou que ele se modernizou tanto que desmiolou, acontece isso com muitos malucos que na verdade querem passar uma coisa para o povo, mas no fundo são completamente diferentes, ele é bem moderno mesmo pelo que relatou, cabelão e bota de cano alto? Algo um tanto inusitado para um político creio eu rsrs, mas as roupas nada significam o que importa são as ações, como falou não temos uma bola de cristal quando votamos em alguns, compete ao povo vigiar e botar a boca no trombone sim, se preciso for...Concordo que o povo está sem voz e sem autoridade, mas sabemos que é por que assim querem, preferem ficar se dividindo feito torcida de futebol e usar gíria essas do "vai se ferrar" e outras que incluem palavrões...Cada vez mais te admiro! Grata meu querido...Crônica espetacular! Bjos...



Sonia Gonçalves(Soninha Son)



AOS BASTIDORES ADMINISTRATIVOS: “QUEM COM FERRO FERE COM FERRO SERÁ FERIDO”
TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto



Aqui e ali, neste tempo, naqueloutro, surgem expressões, gírias, ditos populares, para expressarem situações. Faz algum tempo outra gíria foi incorporada a milhares de outras. É tempo de “ferrado”, “ferrar”. “Estou ferrado” é o que mais se ouve dizer, significando estar numa situação complicada, difícil. “Vá se ferrar”, significando “vá se complicar”..., substituindo os palavrões. "Vá se complicar" dito a plenos pulmões, vozeirão de cantor de ópera, as estutilces do caráter e personalidade anda a freios soltos, precisando, com aquela urgência do para ontem, quando se fantasia, imagina com todas as volúteis volúpias dos desejos inúteis - então, o que há a ser dito que possa suscitar algum sentido é que o supérfluo com o tempo torna-se numa coisa inestimável, pois que a sua serventia, servilidade foram a vida em brancas nuvens, nada há de mais delicioso e apetitoso - e neste sentido se for mesmo de interesse in-vestigar nas prefundas, se convier, lembro-me de estar numa sesta do almoço pensando como o vale do onde é muito longe. Tão longe que cadáver algum sobreviverá para esperar os vermes que irão roer-lhes as frias carnes, muito menos à ansiedade de tornar-se cinza. Seguindo a tênue linha dessas cositas outro pensamento não se poderia ter, utilizar-se dele, senão o questionamento: onde o supérfluo com o tempo torna-se numa coisa inestimável? onde a coisa inestimável torna-se tempo com o supérfluo?
Mister estar em dia com as gírias para se comunicar. Há quem de tão moderno não vai ficar apenas dizendo a gíria a torto e a direito, é preciso ir além. O prefeito Tarso Furado um dos mais modernos que já surgiram na história política de nossa comunidade, veste-se de acordo com o figurino do momento, usa cabelo grande, rabo de cavalo. Só roupas de grife, compradas nos melhores shoppings da capital. No verão, usa os famosos bermudões, camiseta de-cotada. Dificilmente se lhe ver de terno e gravata. E no inverno. calça jeans, bota de cano longo daquelas de abotoar, um longo capote russo mais velho que a cidade de Braga. Um peça inestimável Tarso Furado.
Estava precisando modernizar-se ainda mais. A gíria do momento é “ferrar”, “ferrado”. O que fazer para não ficar apenas dizendo, ouvindo? Alguma coisa. Mas o quê? Convocou o secretariado para discutir o que poderia ser feito para encarnar o “ferrado”, o “ferrar” na realidade do município. Disseram-me que a reunião durou umas três horas, não havendo quem tenha tido uma idéia supimpa, só despautérios foram ouvidos, dentre eles, o secretário de cultura, inteligentíssimo que é, sugerira que a prefeitura deveria dis-por de uma verba para comprar ferraduras e serem distribuídas ao povo, para colocar atrás da porta de suas residências. O desejo nas entrelinhas desta atitude, o que significa colocar ferradura atrás da porta, deixaria a comunidade feliz, satisfeita, não haveria duvidar. Muita grana seria gasta: distribuir ferraduras para cem mil pessoas. Absurdo. Fora de cogitação. Além do que os ferreiros teriam de trabalhar vinte e quatro horas sem descansar continuamente, teria até de incomodá-las nalguns municípios e distritos vizinhos.
Espremeu os miolos por alguns dias. Esteve por desistir, do jeito que os espremia iria ficar sem eles, um prefeito desmiolado não é negócio para a vida política, o que contra-cena com a política no sentido de nela quanto mais sem miolos mais os laços de ideologias e interesses se a-nunciam, cata-lhes às pencas. Seria objeto de mofa de todos, procurou modernizar tanto sua gestão, ser diferente de todos os prefeitos, que se desmiolou com a ferradura. Estava distante nos seus pensamentos, quando inconscientemente dera uma daquelas freadas, quase atropela um cavalo à porta da Prefeitura, o senhor da carruagem da Primeira Dama que estava nas compras. Despertou: "...quem usa ferradura é cavalo." Os donos não têm o mínimo cuidado com os animais, deixa-os pelas ruas da cidade. A maioria sem ferradura, outros com a ferradura na hora da morte. Mesmo os donos das carroças de fretes, de leite, não os têm ferrados. Estava des-coberta a modernidade de sua gestão, as pessoas não ficarem só dizendo “estou ferrado”, “vá se ferrar”. Iria mandar que todos os proprietários de cavalos os mandassem ferrar, os cavalos que estiverem circulando pela cidade sem ser ferrados, seriam levados para serem ferrados.
De imediato, a lei foi votada. Outras leis que beneficiam o povo chegam a mofar nas gavetas, mas lei para ferrar cavalos é de imediato votada unanimemente. Tenha dó! Votada, alternativa não há senão ser obedecida.
Quando soube deste despautério, logo pensei no passado. Se isso fosse há quarenta, cinqüenta anos, época de um Zé Cartucho, de um Virgulino Serra..., com quem con-vivi na minha infância, queria ver fazerem isso com os animais deles. Com certeza, o prefeito seria levado para ser ferrado, como estes homens eram, ele seria mesmo ferrado, os pregos bem grossos para não gastarem com o tempo. Não iria adiantar esgoelar de tanta dor, molhar e sujar as calças de grife, seria ferrado. A modernidade do prefeito seria mais que inusitada, roupas da moda, cabelo grande, rabo de cavalo, no lugar dos sapatos a solene ferradura.
Um dos tablóides em circulação em nosso município, escrevera tais palavras numa matéria: “será que não tem autoridade para olhar esses maus-tratos com os animais?”. Pergunta mais que imbecil, foram as autoridades que votaram a lei de ferrar os cavalos; eles votam, eles olham os maus-tratos. Não foi o povo que votou, o povo não tem voz ativa nenhuma. Modernizaram o município, depois des-moderniza, só vai ficar mesmo a gíria na boca de todo mundo. Não, de jeito nenhum. Os cavalos continuariam a ser ferrados.
Se tomei a pena para escrever-lhe, leitor, este “bons dias”, não é que minha intenção seja que os meus leitores ponham a boca no trombone, exija que a lei seja banida, pois que sei o povo não tem voz, as autoridades fazem o que bem lhes aprouverem, mas por um leitor haver-me dito que viu um carro levando um cavalo arrastado para o almoxarifado; o leitor pediu-me que não o identificasse, se acaso escrevesse algumas linhas a este respeito, estaria prejudicado, está precisando muito que a rua de sua residência tenha energia elétrica, está havendo muitos assaltos, estupros de mocinhas novas. No meu bairro, está havendo estupros de senhoras na flor da senilidade, oitenta anos. Há luz nos postes, mas becos sem saídas com matagais. Dizem os estupradores panela velha é que faz comida boa.
Bem, há muito o tempo do terror é passado, não existem aqueles homens destemidos, como fora Zé Cartucho, Virgulino Serra, Gregório Pena, e outros. Muita gente não os conheceu, poucos se lembram deles, eu vivi no meio deles, sei de que eram capazes. Os açougueiros de nosso tempo são de calças curtas, não metem medo a ninguém. Basta que os seus pepinos sejam descascados com incisividade que calam o bico, correm e se agarram às saias da mamãe ou da esposa. Mas isto não quer dizer que outros não possam surgir, ainda mais bravos e destemidos do que os do passado. Na outra encarnação do mundo, vale ressaltar!
Não sou nenhum visionário, mas não vai demorar muito algum proprietário de cavalo vai subir nas tamancas, a coisa vai ficar preta. Desprovidos de equilíbrio psicológico e do menor lastro intelectual ainda existem.
Zé Cartucho, Virgulino Serra, Gregório Pena, qualquer um destes seria mesmo capaz de ferrar o prefeito sem dó nem piedade, só para ele sentir o que é isto ser ferrado. Alguém pode fazer isto mesmo. O que o prefeito vai poder fazer?
Prefeito, que o senhor seja um homem moderno, use suas roupas de grife da moda, use rabo de cavalo, botas de cano longo das de abotoar, capote russo, acho até interessante, muito interessante, mas largue mão de mandar ferrar os animais, tenha dó deles. Ao invés deste despautério, por que o senhor não passa a “ferrar” a política de interesses espúrios e ideologias chinfrins, os corruptos? Se para o senhor o nosso tempo é de ferradura, de ferrar, pratique com incisividade esta atitude, não deixe por menos as coisas, assim o senhor será bem beneficiado, as desconfianças que rolam em nossa comunidade quanto à sua gestão irão passar! Ao longo do restante que ainda falta para administrar crescerá seu renome, poderá ainda ser citado na História de nosso município como um dos grandes prefeitos, o maior já existe, e existirá para sempre, que é Ninguém de Oliveira Três Quartos. Sendo o senhor um homem de inteligência e sensibilidade inestimáveis, tenho certeza de que vai re-fletir sobre essas palavras minhas.
Mando-lhe um daqueles abraços grandes e cordiais, desejando-lhe muitos sucessos com a sua modernidade. Continue sendo um homem moderno, usando rabo de cavalo, usando a gíria “estou ferrado”.



(**RIO DE JANEIRO**, 12 DE DEZEMBRO DE 2017)


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