**O DISCURSO HIPOTETICAMENTE CORRETO DO SÁBIO BARION ESCARAMOUCHE NA DIVERSIDADE DA FAUNA - II PARTE** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Assim falava Barion Escaramouche, perambulando pelas ruas e avenidas da cidade em companhia de seu fiel e leal amigo, o seu jegue Toquinho, pré-pangaré, mas ainda com os instintos em pauta e cláusulas: “Mantenha os olhos sempre abertos, pois que outra oportunidade não terá!”
Bem-aventurados os figurões, adquiridos pelo coronel em famosos leilões, tratados com ração de finíssima qualidade, com direito a consultas veterinárias semanalmente, enquanto as vacas que estão na cozinha preparando o almoço estão em absoluto desnutridas, restam-lhes apenas o coro e os ossos, emagreceram os chifres, as veias rebentadas estão por todas as pernas, murcharam-lhes os úberes, há sinais de estrias por toda a sua extensão;
Bem-aventuradas as vacas, que afiaram os cornos dos bois carreiros em presença dos figurões, enquanto estes de tanto ruminarem as estradas percorridas, esqueceram-se de mastigar o capim, definham a cada instante, não demorará muito para se despedirem do mundo, e as saudades das vacas queridas não levarão para o intestino dos urubus;
Bem-aventurados os sistemas falidos de todas as nações, enquanto os macacos fazem a sesta dos caturrões, hurras e aleluias foram todas esquecidas, curtem apenas os prazeres da boa alimentação;
Bem-aventurado o calor escaldante do verão, enquanto os porcos de colar de pérolas ou diamantes, rebolam e dançam com a água fresca, sabão em pó de última geração que lavam o chiqueiro, deixando-lhe limpinho e cheiroso, o brilho das pérolas ou diamantes resplandece aos raios do sol;
Bem-aventurado o odor genuíno dos princípios da falta de senso e razões, enquanto o gambá está deitado na poltrona da sala-de-visitas, entre a vigília e o sono, a madame saiu para mais um banquete, retornando altas horas da madrugada, cheia de novidades para o café da manhã com o amado marido e filhas, quando todos rirão a deus-dará, o gambá soltará a sua manifestação de alegria e júbilo, com a harmonia e sin-cronia da familiar relação;
Bem-aventurados os lucros pomposos das nações, com a exportação de milho e capim para alimentarem os galos e touros dos estrangeiros burguesões, enquanto os urubus já esfomeados sobrevoam a serra à cata de outro prato delicioso, o crepúsculo se anuncia esplendoroso;
Bem-aventuradas as esposas que fazem o toalete para o jantar suntuoso no Botequim do Alemão, com as amigas e conhecidas de noitadas de prazer e ilusões, enquanto as estratégias e artimanhas de seus maridos estão voltadas para a exterminação dos ratos e a conservação dos queijos suíços, as suciedades estão agendadas para outra ocasião;
Bem-aventurados os cavalos que desembestam pelo chapadão, correndo da serpente, procurando uma caverna para se esconderem e descansarem para a viagem do capataz levando o gado para o abatedouro do Zé Tameirão, enquanto a fome da serpente foi saciada com uma apetitosa ovelha e de saída, sobremesa, o vão de um cabrito, guardara o resto para o desjejum da manhã;
Bem-aventurada a festa das famílias em pleno domingão, com o delicioso galo a molho pardo, enquanto as galinhas ciscam, comem ração no galinheiro, tranqüilas e serenas, enquanto outros galos não são adquiridos para substituírem o outro, enquanto não recomece todo o ritual das perseguições e dos cantos da madrugada para a saudação da lua e das estrelas;
Bem-aventurado o papagaio que debulha o seu terço de palavrões pela manhã, enquanto a família sentada à mesa da cozinha toma o seu desjejum de ovos e bacon, muzzarela, leite diretamente da caixinha desnatada de brilho e esplendor, conversa sobre as mazelas e pitis da vida alheia, de seus lucros demasiados, planeja uma viagem a Paris nas férias de inverno, visitar o Museu do Louvre, Torre Eiffel, almoçar no lado direito do Sena, enquanto o pintassilgo trina o seu canto em louvor aos raios de sol que batem em sua gaiola;
Bem-aventurados os joões-de-barro que desfrutam a alegria e felicidade ao lado de suas companheiras, criam os seus filhotinhos com todo amor e carinho, a porta de suas casinhas sempre aberta para os raios de sol, enquanto os empresários e autoridades planejam amarrar suas digníssimas damas e esposas no pé da cama para não irem se encontrar todas as noites com as amigas e conhecidos na Lanchonete da Iracema;
Bem-aventurados os discursos das personalidades e autoridades na UNESCO sobre as vantagens do turismo sustentável, sobre lucros suntuosos à custa da alienação do povão, da sucatagem da história, enquanto o passado de pizza italiana em todos os seus rigores e tradições, desejada encontrar pelos vira-latas será mais um dos sonhos das personalidades e autoridades, será mais um objeto para as estratégias e artimanhas para a corrupção ainda mais deslavada, alfim não sabem passar sem ela, como ninguém sabe viver do presente;
Bem-aventurados os pangarés que andam para trás, a carroça sobe a ladeira, puxada pelo carroceiro, e no topo dela enquanto ele descansa, recolhe o bofe que saiu pela garganta a fora, o fígado pelas ad-jacências, o pangaré toma a sua água no córrego, enquanto a história dos fretes segue o itinerário das suntuosas construções;
Bem-aventuradas as gatinhas de top-less que tomam água de coco, cerveja de latinha, enquanto trocam dedos de prosa sobre conquistas prazerosas advindas de todas as corrupções, enquanto os tubarões voltaram para o oceano, estão livres dos olhares sedutores, podem retornar tranqüilas para o quotidiano de suas vidas, curtirem ainda mais suas aventuras e seus lucros fáceis;
Bem-aventurados os sapos que coaxam à beira da lagoa, loucos por um furtivo moscão, enquanto os veados passeiam pela floresta em segurança e tranqüilidade, o céu estará coberto de lindas e maravilhosas estrelas, a lua será cheia, na aurora o leão será o café da manhã da serpente;
Bem-aventurados os escravos da senzala que vivem de chibatadas e comem os restos do patrão que só pensa em diversão no bordel da Mota, enquanto as cigarras cantam desatinadamente, enquanto as formigas trabalham para o sustento de suas vidas em pleno inverno, enquanto os faisões voam livres e descontraídos pelos abismos e descampados do sertão, retornam à contramão dos pés virados à luz da razão;
Bem-aventurados os olhares de todas as classes sociais, resplandecentes de todos os brilhos e seduções, todas as laias e estirpes de homens, desde os idôneos aos cafajestes, prato-feito para as colunas sociais dos tablóides sensacionalistas, para a satisfação dos tesões e alívio das tensões, pois a Fonte Luminosa será ligada e não haverá qualquer bode fazendo o “footing” corriqueiro, não haverá ninguém, estará em absoluto deserta, os pingos dágua irão encharcar as roupas que são de última grife, todos tomarão os seus drinques, acompanhados de salgadinhos deliciosos, no Restaurante da Sheila;
Bem-aventurados os mini jegues que sonham com uma carrocinha, puxar-lhe pelos becos e alamedas da cidade, levando de porta em porta saquinhos de estrume para a criançada brincar de preparar a terra para a plantação de rosas nos jardins de suas casas, para a plantação de árvores que sombrearão a janela de seus quartos, enquanto os adultos lavam a área da casa para colocarem seus carros de última geração, para a apreciação das visitas de amigos e familiares;
Bem-aventuradas as corujas que desfrutam da noite serena e tranqüila, cantando as esperanças do conhecimento e da razão, sonhando com a sensibilidade dos corações, com a espiritualidade dos íntimos, a razão plena de caminhos de paz e solidariedade, enquanto as traças corroem as obras dos universais e imortais nas estantes da biblioteca pública, das bibliotecas particulares de quem ainda tem a ilusão de algo na vida ser diferente;
Bem-aventurados os tamanduás que, no ímpeto de seus instintos, abraçam os humanos com calor e euforia e, através das narinas, com a lingüinha, chupam-lhes os miolos suculentos de neurônios, enquanto os humanos não encontram nada que possam chupar para lhes desenvolver a inteligência, os instintos já alimentam das iguarias da hipocrisia, farsa, sonham com a perfeição;
Bem-aventurados os crocodilos que derramam lágrimas pujantes, de alegria e contentamento, quando a presa é o caçador que queria o seu couro para os tambores da Escola de Samba da Mangueira, enquanto os humanos deixam mares de lágrimas rolarem por suas faces no velório dos inimigos congênitos e capitais;
Bem-aventuradas as palavras lindas e culturais no alto-falante, pronunciadas pelas autoridades e personalidades, por ocasião da Parada de Sete de Setembro, enquanto as éguas eram aplaudidas pelo rebolado estético e ético ao lado da marcha de seus companheiros pelo povão, pois isso será passado, a nação retornará ao seu trivial, nos quartéis a mesma lição será ensinada, de viver pela pátria e morrer sem razão, se me lembro com carinho e amor dos versos de Geraldo Vandré, os interesses escusos estarão em pauta, as ideologias seguirão o trajeto desde a eternidade traçado, as corrupções intensificar-se-ão, o amor à pátria amada e idolatrada será esquecido, os militares curtirão o sono em seus deliciosos e agradáveis berços esplendidos;
Bem-aventurado o caminho da humanidade em plena época de mudanças e transformações de todos os valores e virtudes, em pleno tempo de violências e corrupções, em esplendoroso instante de transição, pois os sábios retornarão aos seus afazeres quotidianos, a corrida em busca da sobrevivência será a mesma, enquanto os camelos que atravessaram o deserto do Saara, levando seus donos à feira árabe, foram vendidos, o banquete com as amantes e concubinas demorará semanas;
Bem-aventurados os rabos presos nos buracos do poder aleatório, da justiça ad-jacente, nos buracos da Granja do Torto, nos buraquinhos da esperança de 50 anos em apenas cinco, nos buraquitos deixados pela ditadura militar, espiritualmente chamada de Revolução, pois torcerão do lado contrário, anti-horário, anti-histórico, e o tatu não vai deixar o seu de fora para os cães abocanharem e puxarem para fora, ficará de focinho olhando os cães que darão um passo atrás, o rabo lá dentro inerte e tranqüilo;
Bem-aventurados os direitos inalienáveis dos cães militares de se alimentarem da boa e apetitosa ração beneficiada pelos cofres públicos, para ostentarem no pescoço coleira de ouro ad-vinda da escravidão, pois os bandidos adquiriram a serpente anaconda e os militares perderam a coragem de vez, temem o helicóptero ser engolido por ela e o prejuízo será enorme, o Estado reclamará de gastos supérfluos;
Bem-aventuradas as ilusões de poder e glória ad-vindos da alienação do povo e das multidões, pois os interesses de luxúria e ganância, os fogos da liberdade foram apagados todos, reina a perfeição dos sistemas, reina a paz das nações, reina a globalização, os escorpiões não mais se matarão, serão eternos e imortais, enquanto outra época de transformações, mudanças, de transição não se a-nunciar, enquanto a história não se cansar do mesmo;
Bem-aventurada a tranqüilidade do sono das galinhas nos paus dos poleiros, a manhã de ovos frescos para a alimentação da família, de todos a plena satisfação, durante o dia apenas o assédio dos galos de afiados esporões, pois os alçapões armados nas calçadas das ruas e avenidas foram armados a critério e rigor, aquela que ousar, será galinha a milanesa para os sem-teto, não vão mais querer fugir dos galinheiros;
Bem-aventurados os pavões que desfilam suas lindas penas, orgulhosos de tanta beleza, lisonjeados dos olhares humanos, alegres e felizes, enquanto os homens trocaram suas cabeças pelos pés, trocaram suas salivas escorrendo pelos queixos, quando con-templavam as coisas lindas e maravilhosas da vida e da natureza, pela bílis dos valores éticos e morais, pelas virtudes do coração e da sensibilidade.



(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE JANEIRO DE 2017)


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