**LATENTICIDADE CIRCUNSTANCIAL DA ALMA PRESENTIFICA A CAPACIDADE DA AUTO-RIDICULARIZAÇÃO QUANTO AO SER/INDIVÍDUO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Aquilo mesmo de: se for cantar de galo, seja galo de grande porte, seja galo de longa espora, crina considerável e linda de extasiar quem a observa de fora do galinheiro, seja galo de verdade, pois que cocó-ri-cocó não faz galice, nem a esboça o valor da forca onde Judas perdeu as suas digníssimas botas, a mínima que tiver perderá com distinção por vezes em menos de vinte e quatro horas, no máximo que durará será mês ou dois, por não se sustentar, não haver quem, no reino dos homens de condutas idôneas ou culturais, mesmo intelectuais, que irá acreditar, tecerá encômios mesmo que hipócritas, não re-conhecerá apesar da falsidade e farsa, não haverá única galinha ou franga, galinho ou franguinho que não vá cocó-ricar, não vá alçar as asas, fazer estripulias no pau do poleiro, como se fosse trapezista, mostrando o senso de riso e gargalhada, como os humanos fazem quando alguém ostenta valores e no frigir das claras e gemas não há único, caiu-se no ridículo, tornou-se objeto de escárnio, embora isso do riso não lhes diga quaisquer mínimas, não estão tais humanos nas tintas, pois que nos tempos atuais tais comportamentos e atitudes são valores, virtudes, ouvi dizer que alguns intelectuais e filósofos estão com a pena em mão escrevendo ensaios sobre a importância das farsas, falsidades, hipocrisias para o encontro do verdadeiro verbo do ser, alguns já estão famosos e eternos, desfrutando os prazeres e volúpias da vida, aliás estão bem satisfeitos e realizados, pois andam na contramão dos conservadorismos e preservadorismos.
Pode-se ad-mitir, considerar que a única coisa que o cocó-ri-cocó pode trazer de benefício e reconhecimento é a gal-idade, isto é, a idade do galo, quando o cocó-ri-cocó começa a enfraquecer, diminuir, mostrando que ele está ficando velho, doente, morrendo sob a presença dos galinhos e galinhas, enfim vão ficar livres de sua prepotência, hora de ir para a panela de ferro para o delicioso galo a molho pardo, quiabo com chuchu, depois de algumas horas cozinhando, alegrando o domingão, saciando o desejo dos mineirinhos, regando o delicioso bate-papo à mesa de causos e mais causos, nunca deixando de contar a história de alguém que montado em seu alazão atravessou os mares, levando o ouro para a lusitana terra de Camões, regado na residência dos sem-condições de uma cachacinha da roça, dos que são poucochito mais beneficiados financeiramente com um delicioso vinho de mercearia, dos eminentemente beneficiados com uma champagne, servida em taça de cristal, com todas as etiquetas. Cultura é cultura, não se discute, e quem de outras culturas não aprecie os nossos pratos, especialmente o frango a molho pardo, pé de porco com jiló, suã ou mocotó de boi com jurubeba, maxixe com costeleta de porco?! Afianço que os paulistanos são os primeiros a adorá-los, embora sempre critiquem os mineiros, desde o “devagar e sempre”, crendo eu ser manifestação de inveja e ciúme, pois esse devagar e sempre acaba eternizando as coisas pelo seu nível de perfeição, a arte sublime e bela requer tempo e muita labuta, tempo esse que faz doer todo o corpo, carne e osso, na hora de espreguiçar, depois do sono profundo, na aurora do novo dia, o rápido e ligeiro não deixa nem pegadas, rastros, efêmero e fugaz, sem nível algum de perfeição, apenas que podem as coisas ser usadas por algum tempo, não sendo apenas descartáveis, ao “trem” para nomear todas as coisas.
Contaram-me, não posso afirmar com categoria haver sido verdade, lenda, mentira, se bem que amplia muitas situações e circunstâncias quotidianas vividas e experienciadas pelos homens, mostra de que é capaz o homem, a que nível de arrogância e ridículo pode chegar, prepotência e pernosticidade podem rebolar nos sapatinhos de salto de agulha de quinze centímetros, como tudo é possível nesse velho mundo sem porteira e cancela, até mesmo o re-verso ser o in-verso, vice-verso, o verso verdadeiro ser a emenda que se tornou pior no poema ou soneto.
Particularmente, conheço uma que ec-sis-emplifica ou ec-sis-amplifica com perfeição isso de cocó-ri-cocó não fazer galice, aliás a inspiração surgiu dela, agradeci cordial e espiritualmente aos astros e cometas por ela, outra oportunidade de ser inédito nesse mundo de mesmidades em todos os níveis, inclusive nas pás que lavram as litteris da novidade e re-fazenda, e prometi aos dons e talentos que iria real-izar os sentimentos e emoções que se me a-nunciaram, fazer ou construir cultura ou história é ser inédito, a novidade se re-vele por vezes latente, por vezes manifesta, dependendo da corrida do quotidiano e da história. Referir-me à coisa mesma, servindo de linguagem e estilo nos trinques, não me pareceu interessante, não despertaria os sensos de riso e galhofas outros tantos que o normal de meus conterrâneos, que são mestres e doutores no riso das ostentações que caem qual folhas secas das árvores, pitangas que apodrecem nas galhas e despecam-se com solenidade, ouve-se a altissonância na Cochinchina.
O galo habita o inconsciente dos homens, símbolo e signo do poder e vaidade, explico-me, de madrugada o seu canto acorda quase a cidade inteira, e quem não acordou ouve os comentários, mesmo em se tratando de algumas piadas picantes com o famoso galináceo – aqui no Brasil, eles cantam entre quatro e cinco e meia da manhã, não sei a que horas cantam na Alemanha, em Hiroshima, no Vietnãm.
Caseiro de uma rocinha em nosso município criou um pinto que encontrou na estrada para a cidade, tornou-lhe galo de briga. Aos domingos pegava a estrada a pé, não era longe, no trajeto cantando músicas de Rio Negro e Solimões, sertanejos de sua paixão e amor, levando o Manesito para a rinha. Voltava para a rocinha todo feliz, boa quantidade de dinheiro no bolso, se nalgum dia da semana precisava vir à cidade, dava-se o luxo de comer um self-service delicioso lá no Restaurante e Churrascaria Espaço Livre, do Joãozinho, e não o famoso “p.f.” no botequim Flor do Sertão no Mercado Municipal, que aliás não tem mais nada com a prefeitura, os proprietários das lojinhas compraram o cômodo. Não havia galo que o vencesse, alguns morreram para a tristeza e desconsolo de seus proprietários. Por mais que os seus rivais fossem galos de porte, bravos, ainda havia algo neles que não atingia a potência de Manesito. Fama, sucesso garantidos, lenda, história, pela diretoria da rinha considerado um patrimônio, Patrimônio Galináceo e Cultural da Rinha São Jorge, houve comentário passageiro, mas verdadeiro, que essa diretoria estava pensando mesmo em conceder ao galo de briga Manesito medalha de honra ao mérito. O caseiro a cada briga enchia-se de orgulho e lisonja.
Alguém sentira bastante a perda de seu galo nas esporas de Manesito, jurando por todos os santos e anjos, até mesmo por Mefistófeles, que a morte de Totó não ficaria daquela maneira. Viajou para uma cidade no sertão, lá pelos cantos e re-cantos de Pirapora, comprando por uma quantia considerável o galo mais bravo e violento. A rinha ficou entupigaitada de jogadores, as apostas foram altíssimas, na fantasia e imaginação férteis do caseiro passara: “É hoje que vou lavar o galo”. Realmente aconteceu. Manesito matou Totó em questão de meia hora. Comentários de todas as espécies surgiram, feitos pelos amigos e companheiros de Neófo. Manesito ganhou a briga porque o juiz não deu qualquer intervalo na briga, um cheque rechonchudo fora colocado debaixo da bandeja. Quem não sabe perder inventa desculpas as mais escalabrosas para não sentir as dores da perda, para não servir de comentário nos tanques de roupa pelas velhas, pelos homens de condutas idôneos, vencedores em tudo na vida, fofoca de toda a comunidade. Manesito brigou dignamente, se não fora dado intervalo é que não fora necessário, uma esporada fatal nocauteou Totó. Não houve qualquer falcatrua do juiz.
As críticas foram tão contundentes que o caseiro decidiu afastar-se da rinha, ficaria algum tempo sem levar Manesito para brigar, o que ganhara com a morte de Totó garantir-lhe-ia alguns meses de liberdade financeira. Ademais, a fama e o sucesso de seu galo estavam garantidas, com o afastamento iriam aumentar consideravelmente, tornar-se-ia lenda, talvez até ganhasse uma medalha de patrimônio da Rinha São Jorge. O número de presentes na rinha aos domingos diminuiu, mesmo os turistas deixaram de ir lá, devido à ausência de Manesito. Alguns apostadores procuraram o diretor, fizeram reunião, para discutirem como seria o retorno de Manesito, como conversariam com o seu proprietário, que era cabeça-dura, nem o machado de Lo Borges era capaz de lhe inspirar a mudar de opinião.
O proprietário viajou pelo Nordeste em busca de um galo de grande porte, o mais importante, com inúmeras medalhas suspensas na amurada do galinheiro, o seu proprietário já havia comprado lá em Goiás uma fazenda de sem-número de alqueires, verdadeira mansão, piscina, salão de boliche, e outras cositas mais re-ferentes aos esportes dos bilionários. Após alguns poucos meses, disseram-me haver sido dois, conseguiu o que mais desejava, custou-lhe o decúplo de Totó. Iria, com efeito, mostrar que Manesito era como certos homens só batem nos fracos, em mulheres, crianças, bêbados e mendigos, mas em homem de índole e raça não são capazes de fazê-lo, mínimo sopro deste caem de costas duros e fedendo. Não se falou noutra coisa na cidade senão na briga de Manesito e Cacá. Até a televisão local noticiou. Sendo a rinha pequena para todos os que desejassem assistir ao grande espetáculo, fora colocado um telão na praça principal para o evento ser televisado. O jornal local noticiara que compareceram à praça mais de duas mil pessoas, isto porque era o galo que garantia o nome, renome da cidade, era até objeto de turismo, vários turistas, quando era anunciada briga importante de Manesito, enchiam os hotéis, o comércio faturava alto nos sábados, a rinha funcionava aos domingos. A comunidade sentia bem forte e presente em si que qualquer outra cultura era inferior à sua, ela era o supra-sumo da humanidade, devido ao galo Manesito.
Em quaisquer filmes do velho faroeste está bem nítido que não ec-siste o gatilho mais rápido, haverá um bandido mais rápido, que colocará por terra até o mocinho.
Chegara o dia de Manesito. Diante de Cacá, Manesito era daqueles galos que querem mostrar ser o implacável, não há cocó-ri-cocó que supere o seu. Em menos de quinze minutos Manesito estava estirado no chão, mortinho da silva. Os presentes saíram da praça principal de cabeça baixa. O que perpassou todas as mentes fora: “O que está acontecendo com a nossa comunidade?”, isto porque a barraquinha de Santo Antônio naquele ano caíra consideravelmente, no sábado e domingo do evento a praça das barraquinhas não cabia de gente, vinte mil pessoas participavam da festança. Naquele ano se compareceram oito mil pessoas pode-se considerar exagero. O movimento da Exposição de Gado também caíra consideravelmente.
E agora, José, que galo Manesito morreu, a barraquinha de Santo Antônio diminuiu o número de turistas, a Exposição de Gado caiu?



(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE JANEIRO DE 2017)


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