OBSERVAR SENSÍVEL E MINUCIOSDO CAPTA E AMPLIA VISÕES SUBJETIVAS DOS INAUDITOS! - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


A beleza encanta.
Num incerto momento, era o alvorecer, passeando no quintal, cabeça baixa, pensando nas coisas da vida e as coisas da vida pensando em mim, perguntei, não me é dado saber se ao tempo ou ao vento, se ao mundo ou à terra, se ao in-visível ou ao in-audito - estes momentos são tão corriqueiros, triviais, a voz sai livre e espontânea, sem que haja a percepção, sem que haja o saber dela, e é pergunta ou afirmação, não adianta querer saber como e porque se revelou; pode-se ficar apenas na pergunta ou pode-se empreender questionamentos profundos, abissais o que numa ou noutra habita, o conhecimento, a consciência, assim havendo mudanças, sendas e veredas se abrindo para outras verdades, havendo amadurecimento da alma, do espírito, no peito o sentimento de vida presente -, o que era a beleza, isto porque minutos antes havia olhado uma orquídea branca e uma flor, meu Deus... o odor desta flor é insuportável, além de sua folha ser horrorosa. A floração da beleza da orquídea branca florava em si mesma, o espírito maligno não exerceria qualquer influência, não há qualquer dúvida dita ou inter-dita desta beleza, e a flor de péssimo odor, vale ressaltar e sublinhar ser ela a única flor na natureza que possui este cheiro intragável, o olfato não negaria, no mundo ou fora do mundo, a visão não desconheceria a feiura. Qualquer pessoa de senso, sensível, portadora de saudável sanidade mental seria capaz de dizer ao contrário: a flor exalava um cheiro dos mais sublimes, a orquídea branca exalava-o insuportavelmente, a primeira ser de beleza estonteante, inebriante, a segunda de uma feiura que até o pemba correria léguas a deus-dará para se ver livre de tal visão. Não tive quaisquer dúvidas, não porque sou portador de saudável sanidade mental, ser homem sensível, ser homem de senso, mas porque uma voz de uma profundidade sem limites cochichava-me intimamente. Quem quer que chamasse para dar-me o seu veredicto não titubearia em consentir com a minha avaliação, desde que con-templasse as duas como havia feito. Con-templar é matar a sede de conhecimento. A simples observação, aquela observação des-compromissada jamais proporcionará esta definição.
Ainda caminhando pelo quintal, desfrutando o ventinho suave da manhã, não demoraria muito o sol nasceria, o calor seria infernal, tendo dado as costas às duas flores, lembrando-me de no passado, não distante, não próximo, subia uma avenida, dirigindo-me à Esquina da Sorte, uma loja de venda de velas, incensos, cigarros, compraria o maço destes, vendo os quatro homens sentados no degrau do Posto de Medicamentos do INSS, professor, bancário, contabilista, empresário, aposentados. Todos os dias encontravam-se no mesmo horário permanecendo sentados desde as oito e meia até às onze meia, para colocarem os assuntos em dia. Alguém já havia encontrado uma sigla para eles, PI(pênis inúteis), já eram impotentes, por serem senis. Sorria com os meus botões com a criatividade de Ximbica, quem encontrou a sigla. O professor caminhou em minha direção a uns trinta passos do lugar deles, dizendo: "Tem uma coisa muito engraçada para estar sorrindo assim. Pode me dizer?!", o que lhe respondi: "O que há de engraçado para estar sorrindo é de minha alçada, não lhe diz qualquer respeito. Não é por você ser assassino e ter pago a sua pena que tenho medo de você. Sorrio, rio e gargalho onde me convier. Passar bem". Continuei andando, deixando-o plantado no meio da calçada. Jamais deixei de passar frente a eles, e ninguém nunca dirigiu única palavra a mim. Que a sigla inventada por Ximbica era interessante isto era. Só mesmo a criatividade do Ximbica para isto. Para Ximbica ser portador de PI leva a fofoca, ao interesse na vida dos outros; fofocando, deixavam de ser inúteis. Os pênis deixavam de ser inúteis com as fofocas. Cheguei a perguntar ao Ximbica, o que me respondeu rindo: "Quem sabe você possa saber isto".
Cai na gargalhada juramentada: estava destrambelhado no alvorecer: minutos antes, contemplava a orquídea branca e a flor mal cheirosa, de imediato lembrava da sigla PI(pênis inútil). Quê despautério, mas era real. Parei diante da piscina num ímpeto só. "Espere um pouco! As coisas belas só o são quando a con-templo, do mesmo jeito as coisas feias, mas o homem que olha as coisas, os homens, sejam as flores ou os PIs da vida, é belo mesmo quando ninguém o vê".
Pulei de mergulho na piscina, saindo do outro lado, rindo e gargalhando à vontade: "Precisava saber-me belo. Sentia-me carente."
(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE JANEIRO DE 2017)


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