**O PRETÉRITO NÃO SOBREPÕE A INFINITUDE DO HÁ-DE SER** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/PROSA: Manoel Ferreira Neto


Tudo último num dia apenas - quê esplendor! Para os ufanistas e apocalípticos do "último", "fim de tudo", efectivamente não é esplendor, sim tristeza, desolação... Quem não se lembra de "Mil passará, dois mil não tardará" - estamos na passagem de 2015 para 2016.
Últimas palavras, sejam poesias, sejam prosas, sejam de carinho, sejam de amor, sejam de solidariedade, sejam de compaixão, sejam viperinas, cretinas, ridículas, sejam orgulhosas, poderosas, nada sejam, não esqueçamos o nonsense.
Últimos abraços, sejam diplomáticos, sejam fervorosos, sejam quebra-costelas bem cinchadito no más, sejam de promessas de uma união perfeita entre namorados, noivos, ficantes, casados, causos íntimos, abraços de tamanduás, lágrimas de crocodilo.
Último banho, sais especiais, sabonete cheiroso, até alma fica limpinha. Perfume especial. Ùltima barba, bem escanhoada, loção primorosa, bem cheirosinha. Ùltimo whisky à beira da piscina, rodeado de amiguinhos, comparsas, álibis, vassalos, capachos. Último amor bem aconchegante, estrelinhas depois do clímax, mais e mais promessas de um futuro de mais gozos, êxtases.
Último soneto, a chave-de-ouro revelando outros sonhos, outras esperanças, outras utopias, outros desejos, rimados e ritmados com o vir-a-ser de outro amanhecer. Última prosa, recitando, declamando os verbos do in-finito, as conjugações do tempo, as declinações do ser e não-ser, os genitivos do manque-d´être e mauvaise-foi.
Ainda não escrevi a última prosa deste último dia do ano. Deveria fazê-lo, ficar como re-cord-ação, lembrança de um tempo, da vida que se trans-correu nos trezentos e sessenta e cinco dias, se mergulhando no inter-dito de tudo que fora escrito, encontram-se sentimentos dentro de sentimentos, uma bela in-vestigação do que passou, tornou-se memória. Só mesmo mais tarde, se se me anunciar alguma inspiração última - quem sabe sobre a inspiração última, seria bem interessante, creio que ficará para o final do ano, isto é apenas uma luzinha muito distante. Num almoço e/ou jantar, não existe a tão famosa "Entrada", nas palavras também há a "Entrada", advirão as contingências, são precisas experiência e vivência para degustar coisas novas.
Estas primeiras palavras da última prosa que virá são apenas sementes. Mas, então, como fica: o último é sempre o primeiro; a última inspiração, a primeira, e ela nunca se esgota. Não há a última inspiração. Algumas coisas deste último dia são últimas, ficarão no pretérito, só lembranças, e serão primevas na concepção e a-nunciação do que há-de ser, não do vir-a-ser.



(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE JANEIRO DE 2017)


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