*ENTRE-VISTA COM MAIANA GARCIA MARTINS PEREIRA** - Manoel Ferreira


Post-Scriptum:



Essa entre-vista foi concedida à Estudante de Direito da Faculdade de Direito de Sete Lagoas, Maiana Garcia Martins Pereira, em junho de 2010. Era um trabalho que ela tinha de apresentar sobre Foucault. Fora ela quem editou a gravação e me entregou digitada, após a apresentação do trabalho



M.G.M.P. – Em Foucault, diante de suas abordagens sobre a sociedade, qual seria sua função in-versa da inclusão dos exclusos desta?



M.L. – Comum as pessoas, especialmente os estudantes, estando a estudarem as teorias do conhecimento, filosóficas, teorias da literatura, fazerem associações com este ou aquele escritor, filósofo. O uni-verso de cada um é o uni-verso de cada um, mesmo que algumas semelhanças se apresentem, mas na sua profundidade são bem ad-versas. Em Foucault, não há uma “razão in-versa” nos meus termos, na categoria “razão in-versa” o sujeito está presente, ela é construída a partir do sujeito, não é um método exclusivamente filosófico, tomando em consideração o logos, mas literário-filosófico, ou seja, razão e sensibilidade. A sua pergunta, portanto, é imprópria, referindo-se à “função in-versa”. Na trigésima terceira edição, sendo entrevistado por Dr. Antônio Fernandes Drumond, explicitei o que é a “razão in-versa” para mim. Contudo, é possível responder-lhe, tomando em conta a “razão” em termos foucaultianos.
Foucault constrói um discurso sem sujeito. Isto porque sua paixão é o sistema. Sua teoria da episteme é a teoria de um sistema. Sua epistemologia não constitui uma teoria sobre o método científico, mas uma teoria dos dispositivos que fundam o sistema das ciências. Neste sistema, não se trata do homem, apenas do seu conceito, com um conteúdo bem particular. O sistema deixa de ser o logos para converter-se em seu limite ou em seu contrário: é a natureza concebida como aquilo que arranca o homem de si mesmo e leva-o a renegar-se; é todo o desumano no homem e em torno do homem, tudo o que lhe anuncia sua finitude e o conduz aos confins da loucura: a Lei-Linguagem, o Desejo e a Morte. No caso da linguagem, opera-se um deslocamento da língua como sistema à fala como grito que se quebra contra o sistema e culmina no silêncio. Tal grito é ao mesmo tempo a experiência do sistema e o outro sistema. O homem aí vive um instante de apoteose do sujeito. Mas logo experimenta sua finitude: morre no fascínio violento do paroxismo. Pode-se afirmar ao mesmo tempo a ordem e a desordem? Por mais que o pensamento possa experimentar seus próprios limites, chega um momento em que se torna necessário escolher entre o que chamamos de razão e o que denominamos loucura. A este respeito, Michel Foucault não valida um saber, mas explica uma ilusão. O “ver” e a “coisificação” versam, sublime-se este “versar”, sobre uma loucura empírica, que podemos batizar com o nome de esquizofrenia para dar a impressão de ciência. Trata-se de uma loucura fenomenal, mais ou menos assimilada a uma falta, mas que evita e ignora a verdadeira loucura, a loucura numenal, a que é uma interrogação sobre o homem, do homem: o poder da loucura consiste em “anunciar este segredo insensato do homem que o ponto último de sua queda é o primeiro amanhecer, que seu anoitecer termina em sua mais jovem luz, que, nele, o fim é recomeço”.
Quaisquer que sejam os limites da obra de Foucault, é certo que percebeu com engenhosidade, e formulou com precisão, o que vai resultar do itinerário seguido por Lévi-Strauss; a manifestação de uma incompatibilidade entre a elucidação da linguagem em seu ser, e a afirmação, em sua identidade, da consciência de si: “O ser da linguagem só aparece no desaparecimento do sujeito”. Neste lugar alcançado pelo etnólogo, a linguagem se esparrama indefinidamente na inexistência de um vazio. Fala sozinha, sem sujeito, sem interlocutor. Leva-nos ao nosso apagamento, à anulação do “eu”. O homem morreu. O conhecimento da linguagem o fez passar para fora dele mesmo. Nestes termos, poderíamos perguntar o que vem a ser a literatura. O desfecho do sujeito na violência do grito, como queria Artaud? Ou o discurso do limite e da transgressão, como postulava Bataille? Ela se revela como a experiência da morte e do impensável pensamento (presente, mas inacessível). É a linguagem que fala nos livros. Eu falo, logo não existo.
A fim de localizar no tempo e no espaço as condições dessa dissolução do homem, Michel Foucault se esforça, mediante sua “arqueologia” das ciências humanas, por exumar o solo silencioso, mas presente, a disposição fundamental, o sulco positivo que torna possível, e mesmo necessário, esse tipo de conhecimento, a ordem sobre o fundo da qual nós pensamos.
As ciências humanas não falam mais do homem. Enquanto ciências, e na dimensão própria ao inconsciente, o que elas fazem é analisar normas, regras e conjuntos significantes tendo por objetivo revelar á consciência as condições de suas formas e conteúdos. Entre as ciências humanas, a psicanálise e a etnologia ocupam um lugar de destaque. A primeira se esforça por fazer falar, através da consciência, o discurso do inconsciente, que sempre se furta sem jamais deixar de estar presente. Neste ponto, Foucault concorda com Jacques Lacan em sua leitura de Freud: o inconsciente psicanalítico, cujo discurso se articula fora do sujeito, depende desse invólucro de sombra na superfície do qual o homem não passa de um cintilar. Nada seria mais estranho á psicanálise que uma antropologia. Quanto à etnologia, ao contornar as representações que, em determinada civilização, os homens podem se fazer de seus comportamentos, manifestando as regras que lhes são subjacentes, extraindo invariantes de estrutura, permitindo a comparação de diversas culturas entre si, também não atinge, como a psicanálise, o homem em si mesmo, mas a região situada fora do homem e a partir da qual podemos saber, de modo positivo, o que se oferece ou escapa à consciência.
Michel Foucault não se contenta em situar no tempo a pretensão estruturalista, mas explica sua complexidade interna. Ao fundar-se sobre positividades exteriores ao homem, a lingüística vai ao encontro da etnologia e da psicanálise em sua elucidação da radical finitude do homem, posto que ele só pode ser atingido de fora e que só significa o que lhe é exterior. Mas a lingüística abre essas duas disciplinas à formalização matemática. No espaço da linguagem, finitude e ciência andam juntas.
Embora a Genealogia de Foucault tenha várias semelhanças e inspirações na categoria elaborada por Nietzsche, A Vontade de Poder, A Moral, afirmando que a pesquisa genealógica não pode se basear na busca de origens, colocando como algo livre do devir, ou seja, uma manifestação necessária que o objeto estudado deve apresentar, mas buscar conhecer este objeto, como “fruto” de um devir histórico, que está determinado pela sua localização temporal e também pela sua caracterização cultural.
A genealogia nietzschiana dos valores se opõe frontalmente ao platonismo. Os valores para Nietzsche são criações humanas contingentes e imanentes. Na Vontade de Potência, Nietzsche esclarece essa recusa à metafísica platônica:
“O que nos separa mais radicalmente do platonismo é que não acreditamos mais em conceitos eternos, em valores eternos, em formas eternas, em almas eternas; e a filosofia, na medida em que é científica e não dogmática, e para nós apenas uma maior extensão da noção de ”História” A etimologia e a história da linguagem nos ensinaram a considerar todos os conceitos como advindos, muitos dentre eles como ainda em devir”



Na leitura que Foucault faz de Nietzsche, diz que a genealogia não se opõe à história; de fato, ela é uma extensão da história, porque somente a filosofia histórica pode combater a metafísica, uma filosofia a-histórica por excelência. A genealogia, então, não se opõe à história, mas ao método histórico tradicional, preso a pressupostos metafísicos inconscientes; a genealogia nietzschiana faz um uso crítico do método histórico para descontruir o idealismo metafísico presente na filosofia, nas ciências e na própria historiografia, para remover as camadas sedimentadas de sentido que se impregnaram às coisas, naturalizando-as sob a forma de substâncias eternas e imutáveis.
A Genealogia, segundo Foucault, busca a crítica dos valores dominantes, isto é, valores hegemônicos no edifício cultural da sociedade, que determinam a conduta do homem atual, mas que possivelmente nasceram de “construções forçadas” (invenções) de uma época e que já deveriam ter sido superados ou estar a caminho de tal.
O que Foucault pretende analisar é a episteme ocidental. A palavra “episteme” é a simples transliteração do termo grego que quer dizer saber ou ciência. No sentido epistemológico antigo, a “episteme” não passa da simples “opinião” ou do mero “saber” pré-científico. Já no século XVII, já sob a influência do cartesianismo filosófico e cientifico, a episteme se apresenta como o pensamento do homem culto, do “homem honesto”, com tudo o que ela comporta de opinião, de aquisições culturais anteriores à ciência e ao Cogito, de hábitos estranhos ou contrários do Cogito e aos da ciência, embora já impregnados pela emergência do Cogito e das ciências, bem como por sua filosofia e pela metodologia da mathesis universalis. Nesse sentido, a episteme vai-se caracterizar, não pela pureza do santuário epistemológico, nem pela profanidade daquilo que permanece fora do santuário, mas pela exportação, para fora do santuário, dos valores que ele encerrava, o que implica uma transgressão dos gestos puros do santuário. Assim, a fisionomia da episteme vai depender do estado de suas emergências científicas e racionais cuja linguagem todo mundo fala ou pretende falar.
O autor orienta a busca do conhecimento acerca da Moral deve ser operada através das cores “azul” e “cinza”, isto é, o “cinza” é o abandono da busca metafísica da verdade, e sim, um conhecimento através da crítica histórica.
A reflexão acerca de uma Moral em Foucault passa pelo esforço de análise e questionamento da forma como o “discurso científico” adotou estes objetos como fruto de sua investigação. E como, posteriormente, esta conceituação foi incorporada pelo discurso político e também do senso comum, criando um “vício” de percepção do que seja a loucura e a sexualidade, uma vez que tais teorizações podem ter caducado, isto é, não atendem mais às necessidades da sociedade atual, mas persistem como discurso hegemônico, possibilitando o “sufocamento e o atrofiamento” da sociedade e da vida.
Esta “inovação” se fez necessária desde Nietzsche quando este diz que todos os filósofos têm o defeito de partirem do homem atual e acreditarem chegar no alvo por uma análise dele.
Esta referência mostra a inspiração de Nietzsche em romper com o paradigma tradicional e será também adotado por Foucault. Ainda baseado em Nietzsche é discutida a questão da força, ou seja, a potência de dar nome, dar valor às coisas, o que será retomado por Foucault como prática social, ou seja, os valores são impostos e sofrem transformações de acordo com as relações de poder vigentes, que podem ser diferentes de acordo com o contexto histórico. Logo, os valores são construídos e pregados devido à necessidade de manutenção do poder ou do tecido social em um dado momento histórico.
Em contrapartida, a abordagem histórica genealógica não significa “endossar” um modelo ou um conceito, mas sim, ao refletir criticamente sobre ele, perceber seu caráter contingencial e não natural (metafísico). Neste sentido, pode-se dizer que é um “olhar” que pretende desvelar um outro olhar já estabelecido, com vistas a elucidar a “miopia” deste olhar ou valores antes estabelecidos e “cristalizados” como verdadeiros.
Estes valores verdadeiros que a metafísica designa como coisa em si – o belo em si, o bem em si, o verdadeiro em si – são invenções históricas, artifícios, artimanhas humanas forjadas na luta pela dominação. A genealogia, como diz Foucault, descobre um segredo terrível das coisas. Não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas (as coisas) são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhes eram estranhas.
A partir desta reflexão, Foucault irá fazer da genealogia um método para interpretar a Sociedade moderna e seus mecanismos disciplinares, ou seja, “verificar” como estão fundados os valores morais da atualidade, tendo em vista a relação entre saber e poder.
Inspirados neste método foucaultiano, intencionamos investigar a sexualidade e a loucura, à luz da Genealogia, em busca de uma relação entre a episteme e a sexualidade e loucura; assim, evidenciar como Foucault aparentemente lança mão de temas pouco comuns à filosofia, como sexualidade e loucura, para expor a relação entre saber e poder. A sexualidade e a loucura dentro do discurso histórico mostra-nos a Moral que nos despertará para um conhecimento da realidade da filosofia contemporânea e a realidade em que estamos envolvidos no mundo.
Como entender as categorias “saber” e “poder” como elementos constitutivos dos valores morais da atualidade? Faz-se mister expor qual é no entendimento de Foucault esta relação. O saber, umbilicalmente ligado ao sujeito do conhecimento, e este, por sua vez, crente na sua condição de detentor da verdade, criou um ambiente “perigoso” para a vida humana. Uma vez que vontade de saber seja diferente de vontade de verdade, o que Foucault parece apontar é que estas duas categorias se fundiram e a vontade de verdade se tornou majoritária. Logo, a consciência científica que domina o mundo é a detentora do poder ou da capacidade de ditar valores (normas), mas se esqueceu “que esta verdade do domínio científico pode ser comparada à fé cristã”. A verdade é algo vazio, segundo alguns genealogistas. Isto leva à seguinte consideração: o saber científico que dita as normas do mundo atual pode estar sustentado em princípios ocos, agredindo assim a própria vida humana. Falar, portanto, de conhecimento objetivo, puro, científico não faz sentido e é sintoma de perigo, de decadência da cultura, pois a verdade que não serve à vida, o saber que não vivifica, serve, mesmo que com as melhores intenções, à morte.
Assim, a intenção fundamental é mostrar como o discurso “moralisante” da ciência pode criar “focos de exclusão social e individual”, tomando em conta que o discurso científico serve á decadência da cultura.
Mostrar como as idéias científicas acabaram ”servindo” de um sistema de poder e, simultaneamente, criando condições de “exclusão e punição”, para grupos no interior da sociedade por apresentarem condutas fora da norma científica. O discurso científico, ao elaborar e publicar conceitos (categóricos) como Loucura, sexualidade juvenil no trato com o humano, fora determinante para criar uma consciência moral na sociedade acerca dos indivíduos que se enquadram em tais estereótipos.
A analogia de valor do bom (o normal) e o patológico (mau) serve para dar contorno à intuição do trabalho no que tange à tentativa de esclarecer o caráter moral de tais categorias elaboradas a partir de uma terminologia científica.





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