COMENTÁRIO DA AMIGA SONIA SON DOS POEMS GONÇALVES AO TEXTO //**INTERSTÍCIOS DA ALMA**//


Manoel Ferreira Neto texto sublime e diferente, esse mostrou sua nostalgia...fui lendo e te vendo contemplando a cidade, debruçado no parapeito perdido em tuas memórias, sonhos, devaneios pueris, suspiros poéticos...e um chá de realidade com muitas fantasias nas palavras e uma inquietação, indagações de como será amanhã quando partir e ao mesmo tempo uma resignação em permanecer quieto na sua solidão no seu canto...muito lirico tudo isso...amei...Beijosss


Sonia Son dos Poems Gonçalves.


Escritora e poetisa que é, Sonia Son Dos Poem Gonçalves, compreende, sente e entende que as letras são sempre busca infindável, assim há-de ser diferente sempre. Quando dizem de o escritor ser romântico, referindo-se a como homem exalar por todos os poros carinho, ternura, afeto, amor apaixonado, o homem. Sinto isso profundamente. Mas eu sou diferente na minha obra, quanto à diferença, sou, como escritor, "lírico" e não romântico. O homem é sim romântico, o escritor lírico. O lírico que sou preenche os vazios da solidão. O escritor moderno, contemporâneo vive a sua solidão sim, mas a solidão do escritor erudito vai bem além, e eu me considero um escritor do passado, aquele que vive a sua solidão profunda, a do ser e a do ser-escritor. A namorada diz a mim: "Mas, Manoel, você não está só, não é solitário, estou com você. Amo você". Ninguém vai entender isso, namorada, caso, mulher muito menos. Só poderiam entender e compreender, se andasse nos sapatos meus. Por mais carne e unha sejam o casal, essa solidão do escritor jamais irá sentir. Beijos, querida!!!!


**INTERSTÍCIOS DA ALMA**


Porque um "tu" é um "eu" que estamos vendo em alguém, um "eu" fugitivo, escorregadio, in-apreensível e todavia tão presente, tão aqui, que nos perturba de inquietação, des-assossego. Quem me abre a porta de ti, para eu ser tu sendo eu? Que eu saiba o que pensas e sentes, o que lhe perpassa o íntimo, que sentimentos e emoções se lhe a-nunciam nos interstícios de tua alma - mas como ser tu a pensar e sentir? E como ser eu a pensar e sentir em ti?
Morrer no verão. À hora absoluta, delírio de luz. Não no outono, de monco caído. Ou no inverno, quando se está encolhido pela metade. Mesmo na primavera em que tudo está ainda para ser. À hora máxima, os olhos em chamas, mesmo fechados, a luz estrídula em todos os interstícios da vida.
Fora, a noite resplandece límpida, ponteada de estrelas que velam o ossuário da terra, como de flores de ramo não invisível de todo, mas a visão quase pouca lá não chega inteira. A cidade imobiliza-se desde toda a eternidade, cristaliza-se desde a gênese do mundo e da terra, imensidão do espaço, o ar é leve e suave - um êxtase. As noites na cidade não são quentes, tão quentes que só mesmo com esforço é-se possível conciliar o sono. E se, mesmo com esforço e determinação, não se é possível conciliar o sono, o melhor é sair de casa, andar a esmo pelas alamedas, becos, conversando com os botões as contradições da vida e morte e, retornando, tomar banho, e tentar conciliar do sono, esquecer por algumas horas as ansiedades de chegar ao destino final.
Imagens re-fletidas no espelho: re-versas a-nunciações verbalizam a luz que re-vela a alma de desejos lúdicos do amor que se esplende por todo o infinito, no peito o pulsar de sentimentos, cáritas de palavras manifestam a linguística da felicidade, o verbo feliz do tempo na continuidade do ser versifica êxtases e volúpias prefigurando o absoluto pouco a pouco no tecer de contingência em contingência as linhas do universo, no nada vazios passeiam livres, entregues às circunstâncias da travessia, a coruja re-templar no canto dos mistérios o ad-vir da sabedoria a exalar a gnose do conhecimento, amar no sonho do amor a essência lívida, transparente do espírito que vela na soleira do efêmero a esperança do eterno, sentir do amor a dimensão diáfana da alma que alça voo profundo no infinitivo, além quaisquer inspirações do belo, além quaisquer querências da beleza, ser tao da sensibilidade que perscruta os abismos do pleno efêmero desejando as miríades de luz orvalharem o silêncio de gotículas frias, suaves, leves, trans-elevando aos píncaros do sublime o ser-krishna e que na noite de lua cheia trans-ilumina a passagem ao alvorecer de iríadas na divina comédia de ouros e risos a metafísica pura do paraíso celeste, jardns terrenos des-velando as cores múltiplas das flores, pintando de brilhos lúdicos o retrato retrospectivo de genesis nas efemeridades do apocalipse re-verso da morte, do morrer verbo de eternizar as metáforas do verso-crepúsculo da vida na orla marítima das águas que trans-correm os itinerários da fonte ao silvestre das origens subjuntivas e gerundiais. Amor puro. Amor verdadeiro. Amor de entregas do ser e não-ser. Amor do tempo na poesia poiética do divino. Amor do sonho na poiésis da utopia que origina a sarapalha de silvestres contingências.
O que me fora de ontem pretérito do nada, subjuntivo do vazio, na orla do tempo o orvalho da madrugada fria, sentimentos, sensações, emoções, nas bordas da contingência ilusões, fantasias, quimeras. Versos, estrofes - no soneto do instante desejos do além, por onde criar veredas que revelem o inaudito dos mitérios da alma, mostre as sendas do sonho com o taos do espírito, com o krishna das esperanças trans-elevadas ao cume da montanha, a sombra da oliveira a contemplação do universo, no horizonte da vida o ser verbo, a carne do infinito, sereno, tranquilo o vento toca de leve o corpo, volúpia do perene, êxtase do efêmero.
Ainda é inverno. Ser "ainda" é indício de que o tempo re-velará o que não o fora, será possível sentir o frio indizível, sentimentos outros de carência, solidão se a-nunciarão, porque são eles que, como lenha na lareira, aumentarão as chamas de desejos, esperanças da plen-itude de todos os verbos que nasceram no crepúsculo da vida, perscrutando o limiar indistinto do in-finito, re-nasceram no alvorecer, inventariando os vestígios de nonadas estendidas ao longo das sendas.
A noite é límpida e fina - enorme diamante, - abre-se pelo céu a flor de vidrilhos. O ar frio, gélido, adstringente – interessante é que durante o inverno, fizera calor diferente, ao longo do dia, calor que produzia aperto, compressão no peito, - os enormes espaços noturnos dispersam-se a um cismar de recordações. O ar fatigado, o cheiro a tabaco toldavam-me de um nojo espesso e devasso, de uma torpeza flácida e úmida. Mas, anterior a esta repulsa e medo, sentia ávida atração pela vida de homem qualquer que se empapara até ao pescoço na quente gordura animal. Um cerco de vício e de crime acutilava-me de todo lado, escaldava-me como um bafo vinagrento.
A um cismar de recordações?!... De que me recordo, debruçado ao parapeito da janela de guilhotina, ninguém passando na rua? – normalmente há trânsito de pessoas nos finais de semana, desde quinta à noite até domingo por volta das dez horas. Olho as luzes nos postes, luz que me chega através dos espaços vazios das galhas e folhas de árvore.
De nada me recordo. Aliás, se estivesse recordando de algo, creio não iria necessitar estar debruçado ao parapeito da janela de guilhotina, estaria sim deitado na cama, olhando através da janela, recordando de acontecimentos, inclusive de quando, num sonho, num quarto, similar ao de consultório de analista, abri uma gaveta e tirei de dentro um revólver. Fiz com ele inúmeros movimentos, mas, ao final, dei um tiro em direção à porta, abrindo-a e indo embora. Estive a lembrar-me deste sonho, deitado na cama, olhando a serra ao longe. Terminada esta lembrança, a cabeça esvaziou-se de todo; levantei-me, dirigi-me a outra janela, da sala de visita, debruçando-me ao parapeito.
Esperava lembrar-me de algo, a fim de preencher o vazio que se revelou por inteiro? Esperava com as lembranças haver leve sorriso nos lábios, brilho no olhar? Desejava preencher as horas, olhando a cidade, luzes todas a iluminá-la, os tetos das casas, os domos das igrejas.
O que, sobretudo, gosto de olhar é a cidade. Revejo-a no meio da noite, mansa, pacífica, branca, cercada de montanhas que olham de soslaio os domos da catedral. A noite instala-se na montanha, cisma para a imensidão do espaço celeste, para a lonjura, onde me abismo também – desejo conseguir a existência de árvore ao longo do campo aberto da montanha, revestindo-a de espaço interno, esse espaço que tem seu ser em mim. A noite veste de branco a acumulação dos séculos como de um luar de morte.
O espaço esvazia-me até ao limiar da memória, absoluto no limiar da aparição, onde alastra o cansaço, solidão, afago e aconchego quente de choro, o aceno de sinais que se correspondem em ecos de labirinto. Num suspiro secreto afloro o que estremece sob os gestos enfim apaziguados.
Às vezes, sobretudo à tardinha, tenho momentos em que me sinto completamente só, a pensar, a pensar... a recordar o passado, tanto alegrias quanto tristezas, realizações quanto fracassos; tudo passa diante dos olhos, diante de mim como névoa. Surgem outra vez diante dos olhos os rostos que conheci, as palavras, às vezes ternas e sensíveis, às vezes ríspidas e insensíveis, as vozes roucas e suaves se exprimindo lenta e comedidamente (creio que vejo estes rostos, ouço estas vozes, assim desperto, quase como costumo ver os seres e as coisas, quando sonho).
Esta manhã, quando retornei à alcova, após estar escrevendo desde as duas horas da madrugada até às cinco, senti o estômago embrulhando, leve tonteira, a pressão estava baixando, tive tempo de chegar à alcova, deitar-me, e de repente parei de respirar, fazendo a esposa respiração boca a boca para que voltasse. Pressinto, sei que não hei de viver muito. Quem há de fazer o enterro? Quem irá atrás do caixão? Quem há de chorar por mim? E se me acontece de a pressão abaixar num lugar estranho e entre pessoas que me são por inteiro desconhecidas?
Onde me sinto mais satisfeito é precisamente no lugar em que me encontro. Uma pessoa se sente mais satisfeita, alegre, contente no cantinho a que se acostumou e, mesmo que nele se sinta pouco sozinho, solitário, ainda é o melhor de tudo.


Manoel Ferreira Neto.


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